O investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE considerou hoje à Lusa que o regresso de José Eduardo dos Santos a Angola não significa um regresso à política, mas sim a vontade de descansar na sua pátria.
“Não me parece, honestamente, que tenha muito interesse em assumir um papel predominante na vida política tendo em conta as eleições do próximo ano”, disse Eugénio Costa Almeida, apontando como razões mais prováveis para o regresso “as saudades, a necessidade de contenção nos custos ou a vontade de acabar os seus dias na sua pátria”.
O antigo Presidente de Angola José Eduardo dos Santos regressou na terça-feira a Luanda, vindo de Barcelona, onde esteve nos últimos três anos com pouca ou nenhuma participação pública, devido a problemas de saúde.
“José Eduardo dos Santos pautou sempre pela inteligência governativa, já tem uma idade bastante avançada e não me parece que apesar das relações com o atual Presidente, João Lourenço, terem sido deterioradas ao ponto de quase cortarem relações, queira voltar à atividade política”, disse o investigador angolano.
Para Eugénio Costa Almeida, uma eventual participação na política angolana teria como consequência a divisão dentro do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder), já que o antigo chefe de Estado ainda tem muitos aliados no partido.
“Uma intervenção política só iria beneficiar a oposição, na medida em que iria provocar uma divisão no partido, já que já muita gente que apoia Lourenço, mas haverá muitos também que se sentiram lesados no seu estatuto dentro do partido e querem recuperá-lo”, apontou o académico.
Questionado sobre a receção no aeroporto, pelo protocolo de Estado sem presença reconhecida de qualquer governante, incluindo o Presidente da República, ausente numa visita à província de Cuanza Norte, Eugénio Costa Almeida considerou que o aparato foi exagerado e disse que seria positivo que o antigo Presidente fosse recebido pelo atual.
“A caravana de automóveis que tirou o ex-Presidente do aeroporto teve a companhia de duas ambulâncias, o que para mim significa que é mais um regresso no sentido de vir descansar os últimos dias de vida na sua pátria do que propriamente pensar em ter algum protagonismo político, ainda que a sua simples presença possa ser aproveita por terceiros nesse sentido”, afirmou, notando que “houve muita gente que acompanhou a comitiva”.
Sobre a ausência das televisões estatais angolanas, Eugénio Costa Almeida opinou que isso significa que houve uma desvalorização da sua chegada, patente também na ausência do chefe de Estado.
“A ausência das televisões públicas mostra que para o poder, José Eduardo dos Santos é só mais um cidadão, e nada mais; num país onde há o culto da personalidade, alguém que foi considerado o arquiteto da paz não ter nem uma televisão à chegada é, no mínimo, estranho, por isso é claro que o poder não quis dar protagonismo à chegada do antigo Presidente”, salientou.
José Eduardo dos Santos, de 79 anos, chegou ao cargo de Presidente da República em setembro de 1979, na sequência da morte de António Agostinho Neto, e ocupou as funções durante 38 anos, até setembro de 2017, altura em que foi sucedido pelo atual Presidente da República, João Lourenço.
Há 42 anos, também em 14 de setembro, chegava a Luanda a urna do primeiro presidente angolano, Agostinho Neto, que morreu num hospital de Moscovo a 10 de setembro de 1979.
Setembro é um mês simbólico para os angolanos, que celebram em 17 de setembro, data de nascimento de Agostinho neto, o seu dia do Herói Nacional.
José Eduardo dos Santos foi comandante-em-chefe das Forças Armadas de Angola (FAA) e presidente emérito do MPLA (partido que governa o país desde a proclamação da independência nacional, em 11 de novembro de 1975), título que lhe foi outorgado no congresso de 08 de setembro de 2018.
O MPLA ainda não se pronunciou sobre a vinda do seu antigo líder, o mesmo acontecendo com o seu sucessor, João Lourenço, que se encontra atualmente numa visita de trabalho à província do Cuanza Norte, desconhecendo-se se está previsto algum encontro entre os dois.
O ex-chefe de Estado angolano, que tem residência no bairro Miramar, em Luanda, viveu nos últimos dois anos em Barcelona, fazendo apenas deslocações ao Dubai para se encontrar com a filha Isabel dos Santos, que é visada em processos judiciais em vários países, entre os quais Angola e Portugal.
A família de José Eduardo dos Santos, bem como os seus antigos colaboradores mais próximos, como os generais “Dino” e “Kopelipa” e o ex-vice-presidente e antigo homem forte da Sonangol, Manuel Vicente, têm estado na mira das autoridades judiciais angolanas devido a alegações de corrupção.