Sem auscultação pública, o Presidente João Lourenço apresentou uma proposta que visa alterar a divisão político-administrativa de Angola. Analistas veem-na como uma ameaça à realização das eleições gerais no país.
João Lourenço criou na semana passada uma comissão multissetorial com a tarefa de realizar a divisão de cinco províncias para garantir maior aproximação das entidades administrativas aos cidadãos, bem como criar uma gestão “mais justa e equilibrada” do território angolano.
A comissão criada pelo Presidente da República deverá propor os limites geográficos entre as províncias do Kuando Kubango, Moxico, Lunda Norte, Malanje e Uíge.
É uma proposta que chega na fase da pré-campanha eleitoral, um período marcado por troca de acusações entre o partido no poder, MPLA, e o seu principal adversário, a UNITA.
Uma “estratégia eleitoralista”
Segundo o maior partido da oposição, é uma “estratégia eleitoralista” do partido no poder. O secretário-geral do partido do Galo Negro, Álvaro Chikwamanga Daniel, diz que o país tem outras prioridades.
“Independentemente da preparação para as eleições, há outras questões prioritárias que tocam diretamente a vida dos cidadãos. Questões que têm a ver com a fome, com problemas de saúde gravíssimos que deviam constar das prioridades do Estado agora, não aquelas que não tocam diretamente à barriga do cidadão”, afirma.
Para Álvaro Chikwamanga, João Lourenço devia estar mais preocupado com a implementação das autarquias em Angola – que continua sem data marcada – do que com uma divisão administrativa apressada que levanta suspeitas de um adiamento das eleições gerais.
“Um ano antes das eleições, não é prudente nem parece sensato uma operação de divisão do país. O objetivo é mais eleitoralista do que de eficiência administrativa e os movitos podem também ser de adiamento das próprias eleições”, critica.
“Se agora se desencadeia este processo, até que a ideia se efective pode levar uns três, quatro meses. A acontecer, estaríamos a escassos meses das eleições, o que poderia justificar, por exemplo, ‘o país está em reforma geográfica, por isso vamos levar mais um tempo’. Pode levantar este tipo de desconfiança. Uma mensagem de esperança às populações locais sobre as autarquias, se calhar teria mais impactos do que dividir as províncias”, sugere ainda a UNITA.
Iniciativa devia ser discutida no Parlamento
O coordenador da ONG Projeto Agir e membro do movimento Jovens pelas Autarquias, Fernando Sakuayela, afirma que a divisão administrativa “embaraça” o período pré-eleitoral. Sakuayela defende que a iniciativa de João Lourenço devia ser discutida no Parlamento.
“Seria republicano e até com ética de Estado, se o Presidente da República enquanto unidade mínima de decisão remetesse a tal matéria à Assembleia Nacional como ente mais alargado de discussão a nível nacional num país como o nosso, já muito fraturado em termo de reconciliação”, disse o coordenador do Projeto Agir.
Para Fernando Sakuayela, a proposta de divisão administrativa das cinco províncias devia estar incluída no Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). “Não constatado no PND, nem no programa sufragado pelos eleitores, é muito indecoroso o Presidente arriscar a tal iniciativa”, critica.
E as questões étnicas?
A comissão criada por João Lourenço para alterar a divisão político-administrativa de Angola integra vários ministros, incluindo da Administração do Território, das Finanças e da Justiça, bem como os governadores provinciais.
O ambientalista Léo Paxi, residente no Uíge, defende ainda a participação do Ministério da Cultura para atender algumas questões étnicas, bem como a auscultação dos cidadãos. Ainda assim, apoia a iniciativa.
“As pessoas fazem análise de forma superficial. Não querem olhar para o lado mais aprofundado do assunto. Estas análises são feitas por políticos. Olho mais para o desenvolvimento das comunidades. Isso é que me interessa. Por isso, assumi publicamente que apoio a nova divisão administrativa”, justifica.
Espera-se que esta divisão não traga conflitos como a que se regista em Luanda, onde os administradores dos municípios Cacuaco e do Cazenga disputam a gestão do mercado informal do Kikolo, depois da divisão administrativa ocorrida há cinco anos.