Os deputados angolanos das bancadas da oposição defenderam hoje que a justiça tem de estar acima dos partidos e dos interesses particulares dos juízes, para que os tribunais mereçam a confiança dos cidadãos, admitindo que são necessárias reformas.
A Assembleia Nacional realiza hoje a primeira sessão plenária de 2021, debatendo quatro diplomas relacionados com o setor da justiça, relativos ao funcionamento do tribunal constitucional, lei do processo constitucional, normas do Código do Processo Civil e Penal e relativas às custas judiciais.
Antes da apreciação dos diplomas, os deputados apresentam as suas declarações políticas focando as debilidades da justiça angolana.
Na sua declaração política, que começou dirigindo-se a “todos os jovens que são julgados injustamente por exercer os seus direitos”, num dia em que o debate se centra na área da Justiça, a vice-presidente da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), Mihaela Webba, assinalou que o funcionamento das instituições não pode ser prejudicado por interesses político-partidários.
“Temos de colocar o superior interesse dos angolanos acima dos interesses dos nossos partidos políticos”, frisou a parlamentar do maior partido da oposição angolana, apontando um retrocesso do Estado de Direito nos últimos 12 meses, “com repressões dos direitos constitucionais dos angolanos, nomeadamente, o direito à vida, à integridade física, à habitação, à manifestação e à liberdade de expressão”.
Sobre a aprovação dos dois diplomas relacionados com o Tribunal Constitucional, lamentou a degradação da imagem dos tribunais superiores, particularmente do Tribunal Supremo e do Tribunal Constitucional “por causa dos interesses particulares dos juízes conselheiros na Comissão Nacional Eleitoral, ao ponto de o presidente do Tribunal Supremo ter prestado falsas declarações a este parlamento, para permitir a tomada de posse do Dr. Manuel Pereira da Silva.”, que a UNITA sempre rejeitou.
“Os angolanos não podem permitir que se use o Estado partidário sem limites na competição política por intermédio do poder judicial e do sistema bancário e por via deste comportamento não termos a garantia de eleições livres, justas, transparentes e credíveis”, criticou a deputada da União Nacional para a Independência Total de Angola.
Para Mihaela Webba, os jovens encaram a classe política com desconfiança “porque não existe no país uma agenda de consenso que permita uma reforma verdadeira do Estado e das instituições”, que não promovem a justiça e a reconciliação nacional, considerou.
“Essa Angola de direitos, liberdades e garantias e direitos económicos, sociais e culturais para todos os seus filhos, que é vontade da larga maioria dos cidadãos angolanos, só será possível se as instituições da justiça, forem justas; se a Comissão Nacional Eleitoral e o Tribunal Constitucional enquanto órgãos organizadores das eleições cumprirem com o que está estabelecido na Constituição e na lei, e não subvertam a Justiça e o Direito”, reivindicou.
O presidente da CASA-CE (Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral), Alexandre Sebastião André, fez um balanço negativo do ano que passou e criticou os que “criaram fortunas” em detrimento dos demais cidadãos angolanos. Instou também ao levantamento da cerca sanitária da capital, Luanda, que “asfixia” as forças vivas do país, lançando caos e desespero na população.
Sobre os diplomas em discussão, considerou importante adequar os instrumentos jurídicos às novas realidades, mas mostrou-se contra a inserção de normas que “ferem o direito da Constituição”, como a faculdade de juízes serem advogados em causas próprias, de parentes e de famílias diretos.
“Os órgãos de justiça estão doentes, ‘n’ dificuldades, a morosidade faz-se sentir”, criticou.
O presidente da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), Lucas Ngonda, saudou a pertinência de o executivo trazer os dois diplomas à assembleia, sublinhando “as fraquezas sobre o funcionamento do sistema de justiça” em Angola e destacou que as decisões do Tribunal Constitucional podem “ser uma fonte de desequilíbrio da harmonia social” do sistema social.
O deputado afirmou que as instituições de justiça deve inspirar a confiança dos cidadãos e que estes se devem rever nas suas decisões.
“As disputas que verificamos entre o Tribunal Constitucional e outras entidades que solicitam a sua intervenção para dirimir conflitos ou conformar situações não enobrece a missão nobre dos nossos tribunais, como instâncias que devem representar a imagem de Angola”, acrescentou.
O deputado Benedito Daniel, presidente do Partido de Renovação Social (PRS), sustentou que as leis atuais relativas à orgânica do Tribunal Constitucional e do Processo Constitucional, já não respondem cabalmente à jurisdição constitucional atual, sendo necessário fazer um ajustamento da organização e funcionamento do tribunal de forma a torná-lo mais eficaz e funcional.
Benedito Daniel notou, por outro lado, que embora a Constituição angolana preveja o acesso de todos os cidadãos à justiça, nem todos conseguem aceder aos tribunais, por falta de meios para pagar custas processuais e advogados, defendendo que as taxas e os preços a pagar não devem ser tão elevados.
O presidente do grupo parlamentar do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola, partido no poder), Américo Cuononoca, frisou que as reformas “visam atingir o bem estar dos angolanos, por via de uma justiça célere, atuante e que preserve a dignidade da pessoa humana”.
Sobre as custas judiciais, considerou que a justiça deve contribuir para as receitas fiscais, garantindo assim mais recursos para o Estado, havendo atualização das taxas, isenção ou adequação conforme as situações.