Predomina, há uma década, o desvalor que em tese seria consequência das pressões simbólicas. Elogia-se a maldade com novas configurações económicas, cuja cegueira social do eu reivindica felicidade material.
A proposta do pintor – Ely Kabudi – propõe conforto emocional, intencidade, que codifica as representações valorativas, por um lado. Por outro, a senha que o pinto criou simboliza a pedagogia de olhar.
Intencidade pressupõe o diálogo dos desacordos. «Inte» é locativo (dentro) e temporal (durante) ao mesmo tempo; ao passo que «cidade» consiste em padrões que geram adversidades. Daí, os padrões internos que moldam os caracteres do indivíduo sofrem as configurações socioeconómicas: construiu-se cidades, mas não se construiu as mentes.
Resultado: cegueira social. Com «Semáforos da civilização», Kabudi exprimiu isso com muitos “azuis” robotizados, em apologia da sobreposição da esperança simbólica e intensidade expressiva. Será isso, nem sei sequer, uma reflexão sobre o elogio da incompetência? O próprio pinto não responde, mas parece fornecer pistas na inflexão da resposta.
No «Acesso à vida», o pintor simboliza as vontades desencontradas em um sorriso satírico, que comoda tanto como incomoda. Constrói uma alegria que nos desaloja dos confortos, cuja saciedade racional nos conduz a uma economia de gostos e poderes. A figura feminina, espaço sagrado no ritual das virtudes, oxigena o pensamento intrépido. Integrar o actor feminino no concerto dialógico traduz-se na ritualização das virtudes que se preze não para salvaguardar a espécie vivente.
«A cidade nova» é uma elegante crítica ao homem novo, por realçar o ubuntu, cuja educação almeja a afirmação identitária como âncora do desenvolvimento social assente na mutualidade. Pela trama cromática, o pintor propõe educar a razão com valores, vislumbrando as diferenças e harmonia entre os constituintes, com propósito de deixar a sociedade melhor do que a encontramos.
A presente exposição parece-me uma introjeção da observação auto-crítica como proposta de afirmação ontológica na edificação dos valores. «Observar» é uma acção passiva que proporciona habilidade de compreender as diferenças. «Observar» faculta uma aprendizagem qualitativa, e melhora o exercício intelectual.
Trata-se de uma pedagogia prática, que o artista Kabudi Ely lança peças a partir das quais somos convidados a filosofar sobre o ideário que poderia eliminar a cegueira social do eu para garantir o alento da felicidade simbólica.
Patrício Batsikama