O ativista Rafael Marques pede “uma terceira via” para Angola que congregue vários quadrantes da sociedade civil para despartidarizar o Estado e reforçar as instituições, condições essenciais ao desenvolvimento do país.
Em entrevista à agência Lusa, em Lisboa, o também jornalista referiu que “nada se fará, não haverá desenvolvimento, não haverá melhorias no país” sem “instituições funcionais”.
“Essa terceira via não é a criação de um novo partido político, não é a criação de lideranças políticas, mas a criação de saberes especializados que contribuam efetivamente para que a despartidarização do Estado seja uma realidade e as pessoas se congreguem à volta dos grandes temas para fazer o país andar, porque neste momento temos um país paralisado pela vontade daqueles que detêm o poder”, considerou.
Para Rafael Marques, a despartidarização do Estado já começou nas últimas eleições gerais de 24 de agosto, “em que muitos militantes do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola, no poder], das Forças de Defesa e Segurança manifestaram o seu voto de protesto votando na oposição”.
Isto foi um sinal de “despartidarização da mentalidade dos cidadãos”, que é “o passo mais importante para que se efetive despartidarização do Estado”, referiu.
O diretor do blogue Maka Angola considerou que o passo seguinte é “a luta pelo reforço das instituições do Estado” e para isso os cidadãos angolanos devem estar “focados nos problemas sociais e económicos do país, na questão da educação e da saúde”.
Segundo o ativista, é essencial para Angola ter “um Estado mais forte, que impeça qualquer cidadão, qualquer indivíduo, de se sobrepor às instituições do Estado e à vontade da maioria”.
“A vontade popular, desde que solidária e organizada, é sempre mais forte do que a vontade de qualquer tirano”, disse.
Questionado sobre se o Presidente angolano, João Lourenço, vai ter em conta o descontentamento popular manifestado nestas eleições e que se refletiu num melhor resultado da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA, na oposição), Rafael Marques considerou que o chefe de Estado, com a nomeação do novo Governo, “deu indicações de que vai continuar a governar para si mesmo e não para o povo”.
“Quando as pessoas reprovam o Governo e o Presidente insiste em manter este Governo, está a dizer que não se preocupa com a opinião pública”, disse, considerando que neste caso João Lourenço só tem duas saídas: “ou enfrenta um descontentamento maior ou tornar-se mais repressivo, autoritário”.
Rafael Marques sublinhou que o Presidente tem a hipótese de optar pela “humildade em dialogar com os cidadãos para encontrar um Governo que sirva a todos os angolanos e […] baseado na capacidade de entrega e não na capacidade de saque e de destruição do que resta da fragilidade das instituições do Estado em Angola”.
No entanto, “parece que o Presidente desistiu de Angola e dos angolanos”, mas “os angolanos não podem desistir” do seu país, disse, reiterando a necessidade de uma terceira via para “impedir o regresso ao autoritarismo” que “parece estar a desenhar-se agora em Angola”.
Questionado sobre se a UNITA tem agora também uma responsabilidade acrescida face ao resultado eleitoral histórico, considerou que ainda é preciso perceber “qual será a agenda da oposição” para os próximos cinco anos.
Sobre o papel da sociedade civil, nomeadamente uma nova geração dos ativistas, Rafael Marques referiu que “hoje há maior liberdade de expressão em Angola” e “quebrou-se a cultura do medo” porque João Lourenço “concentrou-se nas lutas internas no seio do MPLA” para consolidar o seu “poder pessoal” e isso “permitiu desafogar a pressão sobre a sociedade e que as pessoas hoje se manifestem”.
No entanto, defendeu que é preciso organização, “não basta uma sociedade civil de redes sociais, do bota abaixo, dos insultos”, mas sim estruturada, comprometida e especializada em temas concretos.
E isso “leva o seu tempo”, concluiu.