Será mera coincidência? Centralização excessiva com interferências de várias latitudes que sufocam o Palácio da Mutamba? Incompetência dos nomeados e conivência dos proponentes? Mais uma sequência de opções erráticas e contraditórias, sem que alguém lá de cima se dê ao trabalho de extrair as lições do passado recente, encomendado soluções realistas à sociedade civil organizada? Ou será a prova irrefutável de que só haverá soluções com as autarquias?
Logo no início da nova era iniciada em Setembro de 2017, foi nomeado governador de Luanda o emblemático militante e activista destemido Adriano Mendes de Carvalho, que teve pela primeira vez a coragem de alertar o Presidente da República, na presença de todos os membros do executivo e diante das câmaras das televisões domésticas, para o facto de todo o mundo mandar e desmandar em Luanda, menos o GPL. A Casa Militar, diferentes ministérios com os seus mistérios indecifráveis e um bordel de comissões para todos os gostos e desgostos, distribuíam terrenos, faziam obras, fechavam ruas e ordenavam demolições a torto e a direito.
O Presidente da República, que se tinha deslocado à sede do GPL pela primeira vez, tomou algumas das medidas que se impunham. Mas não foram suficientes, estava no inicio do seu consulado e precisava de mais algum tempo. Passados alguns mêses, o governador inspirado no patriarca da família Mendes de Carvalho, o nacionalista e escritor Uanhenga Xitu, acabou sendo transferido para a poeirenta e enlameada cidade de Ndalatando, a capital do Kwanza Norte, que só perde em precariedade para a desfigurada cidade do Sumbe, capital dos buracos e das incongruências do Kwanza Sul, igualmente governada por um activista sem papas na língua.
No início do ano de 2019, quando a divida do GPL para com as operadoras de limpeza já tinha ultrapassado os 250 milhões de dólares, o jovem governador promissor, Luther Rescova, reafirmou as inquietações do seu antecessor, na segunda visita do PR ao GPL, indo muito mais além e deixando claro que Luanda não poderia continuar a ser tida como sucursal dos bons e maus humores dos iluminados que vivem atrelados aos salões Cidade Alta e arredores.
Até hoje, ninguém sabe ao certo porque razão o antigo líder da JMPLA foi bruscamente despachado para a terra do Bago Vermelho, por sinal, sua terra natal, onde viria a desfalecer, acabando por falecer precocemente em Luanda. O político que ascendeu a governador na flor da juventude deixou nos corações dos luandenses um profundo sentimento de gratidão, pelo facto de, entre muitas outras realizações, ter concluído, a baixo custo e em tempo record, a reabilitação da Escola Angola e Cuba, que estava abandonada e em degradação acentuada durante mais de duas decadas.
Com o mesmo sentido de missão, Rescova protagonizou a proeza de conduzir os trabalhos de remoção da temível grua do Prenda, que durante mais de 40 anos aterrorizou os moradores da zona. Antes de ser empurrado para o Uíge, Luther salvou os utentes do Lar da Terceira Idade Beiral, no início da eclosão da pandemia em Angola, realojando os mais de 100 idosos e 20 funcionários, em pleno estado de emergência, numa unidade hoteleira nas cercanias de Viana, com todo o conforto e segurança, enquanto o velho Beiral era totalmente reabilitado.
Até hoje, ninguém pagou a factura do alojamento dos mais velhos, durante cerca de um ano, no hotel Mucinga Nzambi, nem a conclusão das obras de reabilitação das velhas instalações do Beiral. Rescova morreu e todo o mundo esqueceu. Inclusive os jovens entusiastas e os jornalistas das rádios e televisões que idolatravam o mais novo governador de Luanda de todos os tempos. O hotel que salvou os velhos do Beiral faliu, lançando 80 trabalhadores para o desemprego.
Quando Joana Lina foi catapultada do Huambo para Luanda, em Maio de 2019, constituindo-se na segunda mulher a assumir as rédeas da capital, depois de Francisca do Espírito Santo (lembram-se?), houve uma onda de expectativa envolta em milhentos pontos de interrogação, tendo em conta que se receava um confrontro de titãs entre uma mulher-homem tarimbada na arena política e os mandões tradicionais que teimam em transformar Luanda numa coutada privada.
Mas a verdade é que a antiga financeira do Kremlin foi traída pelo enorme passivo acumulado ao longo dos tempos, com contratos leoninos que aprisionam qualquer governador, facto agravado pela arrogância resultante da ignorância que caracteriza alguns dinossauros da cena política angolana.
Incapaz de perceber que seria um suicídio político tentar gerir uma megalópole como Luanda, com mais de 8 milhões de habitantes, só com ordens superiores e contando apenas com a massa militante, a ex-governadora afundou-se nas lixeiras dos seus antecessores, deixando como marca registada da sua efémera passagem pela Mutamba, as moscas que agora laboram 24 horas por dia e os mosquitos que nos brindam com a letalidade da malária associada à dengue, chicungunha e outras maleitas perfeitamente evitáveis, mas que por estas bandas ceifam muito mais vidas do que a pandemia da Covid-19.
E o que se pode esperar de Ana Paula de Carvalho, ex-secretária de estado e antiga ministra do ordenamento do território e habitação? Tratando-se de uma arquitecta moldada no planalto central, sem os vícios desviantes da velha Luanda, poderia esperar-se dela muito mais do que dos seus antecessores. Porém, se não lhe for conferida autonomia para constituir a sua equipa fora das amarras partidárias, envolvendo os parceiros da sociedade civil na busca de soluções para o saneamento (gestão de resíduos sólidos, águas residuais e pluviais), revisão da lei de terras e refundação IPGUL, mobilidade urbana (urge pôr fim às enchentes nos transportes públicos), iluminação pública (conduzir à noite em Luanda é um filme de terror), mercados municipais e informais (autênticos focos lixo, bandidagem e doenças mil), venda ambulante (não é possível reordenar a zunga envolvendo as próprias zungueiras?), criminalidade em alta, construções anárquicas (onde estão os planos directores municipais?), assim como a reestruturação da rede sanitária da periferia, a nóvel governadora poderá torrar milhões mas não trará soluções.
No mundo hoje, em democracia, ninguém mais consegue governar de costas viradas para a sociedade civil. À nova governadora é expectável um maior nível de abertura, inaugurando uma nova filosofia para a Concertação Social, em que o governo não tenha medo de encomendar, como tem sido reiterado em todos os quadrantes, soluções realistas à sociedade civil organizada.
Ana Paula de Carvalho tem de operar uma ruptura com as práticas do passado, fazendo de cada munícipe o seu principal aliado na luta contra os vícios que transformaram Luanda na capital do improviso, do amadorismo e de todo o tipo de negociatas, com a criminalidade sempre a subir.
Caso contrário, em 2022, as mesmas moscas e os mesmíssimos mosquitos, os buracos, as valas de drenagem e as fossas entupidas, assim como a imundície dos musseques, o trânsito caótico e a deterioração das novas centralidades, acabarão por engolir um eventual quinto governador, depois dos três que foram chumbados em três anos, e da quarta timoneira que assume agora os desafios da problemática capital angolana, precisamente no quarto e penúltimo ano do primeiro mandado do líder, que se notabilizou como exonerador implacável, mas ainda não acertou na mosca.
OBS: Autarquias?! Querias…