O Presidente da República em fim de mandato fica impedido de tomar decisões de fundo que possam vir comprometer o seu sucessor, prevê a proposta de revisão constitucional angolana, que cria a figura de um governo de gestão corrente.
O Presidente angolano anunciou hoje a proposta de revisão pontual da Constituição da República de Angola, de 2010, que aborda questões ligadas a uma clarificação do modelo de relacionamento institucional entre o Presidente da República e a Assembleia Nacional em relação à fiscalização política, o direito de voto no estrangeiro, a eliminação do gradualismo na Constituição, a principal divergência entre o Estado e os partidos da oposição sobre as primeiras eleições autárquicas, a afirmação do banco central angolano como entidade independente e o estabelecimento de um período fixo para realizar eleições gerais.
Na apresentação mais detalhada da proposta já submetida à Assembleia Nacional, o ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, disse que a atual Constituição não prevê um Governo de Gestão Corrente, que “se afigura cada vez mais relevante”.
“Regra geral, no período fim de mandato de um Presidente da República há preocupação de que não sejam tomadas medidas suscetíveis de comprometer a longo, médio prazo a governação subsequente”, disse Adão de Almeida, sublinhando que a proposta consagra agora esta figura.
Segundo Adão de Almeida, a partir do momento do início da campanha eleitoral um Presidente da República em funções “não pode tomar decisões de fundo, quando começar a campanha eleitoral o Governo entra em modo gestão corrente (?) porque está a espreita um novo Presidente, um novo Governo”.
Outro aditamento proposto na atual Constituição da República é a introdução da figura do estado de Calamidade Pública, que é declarado pelo Presidente com a intervenção do parlamento, contrariamente ao que acontece agora.
“A Constituição prevê três estados, o Estado de Sítio, de Guerra e de Emergência e nenhum deles é adequado a uma situação como a que vivemos hoje. A que vivemos hoje é uma anomalia constitucional, que é de longa duração e de duração imprevisível”, frisou o governante angolano.
Adão de Almeida sublinhou que a situação de anomalia que os angolanos vivem hoje, por força da covid-19, demanda uma abordagem que não precisa de ir à suspensão de direitos fundamentais, mas sim de definição de condições para o exercício dos mesmos.
Outra novidade tem a ver com a obrigatoriedade na proposta de os tribunais superiores passarem a apresentar os seus relatórios anuais, o que só acontecia até agora com o Tribunal de Contas, ao Presidente da República e à Assembleia Nacional, antes apreciado pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial.
O ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República referiu que a chamada dos tribunais para a equação da fiscalização não é de natureza política.
“Por exemplo, se o parlamento pode chamar um membro do governo para audição parlamentar, se o parlamento pode determinar a realização e um inquérito parlamentar em relação a uma estrutura do poder executivo, já não pode chamar um juiz para fazer uma audição parlamentar em relação ao mérito da sua intervenção, em relação á sua função jurisdicional, porque os juízes não são fiscalizáveis politicamente no sistema Constitucional que temos”, aclarou.
A atual Constituição da República de Angola conta com 11 anos de existência e a proposta de revisão pontual prevê alterações de texto, revogação de artigos e aditamentos, com uma incidência de aproximadamente 40 artigos, estimou Adão de Almeida.
Adão de almeida destacou o mérito da iniciativa pelo Presidente da República sobre a revisão constitucional, que abre um debate e permite que todos os que têm ideias sobre isso as tragam para a mesa, para que no parlamento esse debate se faça.
“O que há a fazer neste momento é colocar as propostas sobre a mesa, está aberto o debate, quem tem propostas, no quadro parlamentar, apresenta as suas propostas e elas vão ser seguramente discutidas”, referiu.
“Aliás, acho mesmo que é uma boa oportunidade para que determinados temas em certo sentido tabus possam ser postos sobre a mesa e possam ser discutidos. Falou-se aqui no excesso de poderes do Presidente da república, isso é já um chavão, fala-se muito sobre isso, mas com frequência não se apontam as situações onde há excessos, é uma oportunidade para se dizer há excesso aqui, ali e acolá e as soluções alternativas para eliminar os possíveis pretensos excessos são essas e aquelas”, acrescentou.