A Sonangol enviou nesta quarta-feira, 04 de Novembro, um comunicado às redacções para negar que exista falta de combustível no país e diz que não há razões para a afluência anormal aos postos de abastecimento que se tem registado nos últimos dias, atribuindo essa realidade a boatos sobre aumentos no preço da gasolina e do gasóleo para breve.
“informação falsa” sobre um iminente aumento no preço dos combustíveis posta a circular em diferentes meios, mas com especial foco nas redes sociais teve como objectivo, sublinha a petrolífera nacional, “gerar distúrbios ao normal funcionamento da distribuição e especulação dos seus preços”.
Nalgumas regiões do País, como as províncias da Lunda Norte, Lunda Sul e Moxico, tem-se observado alguma falha no abastecimento dos postos mas isso resulta das dificuldades geradas pelas chuvas e pelos acessos deficientes a essas áreas de Angola.
Há vários anos que o Governo tem adiado o início do processo de retirada das subvenções (subsídios) que permitem que o gasóleo e a gasolina sejam vendidos em Angola a preços substancialmente inferiores aos valores de mercado.
A política governamental para os combustíveis custa anualmente à petrolífera nacional, através da qual o Executivo garante a manutenção destes preços, entre 1,8 mil milhões de dólares e os 2.000 milhões USD, dependendo da capacidade da refinaria de Luanda, a única existente no País, que permite apenas a produção de menos de metade dos produtos refinados consumidos anualmente em Angola, que estão estimados em cerca de 200 mil barris brutos por dia.
No mais recente relatório de balanço da Sonangol, referente a 2019, como o Novo Jornal noticiou, a petrolífera informou que a empresa aumentou em 37% a produção de produtos refinados após a retoma da actividade da refinaria de Luanda, que esteve suspensa para manutenção durante meses, tendo produzido 2,4 milhões de toneladas métricas, embora tenha importado 2,9 milhões de toneladas de produtos refinados, mais 6% que em 2018.
Face a este cenário, e à margem de um encontro que teve lugar na terça-feira com o representante do Banco Mundial em Angola, Vera Daves disse aos jornalistas que está a acompanhar de perto este processo e que para ele será encontrada uma “boa solução”, que, embora não tenha adiantado pormenores, já se sabe, por declarações de responsáveis do Governo e da Sonangol, que será retirar progressivamente os apoios de forma a diluir o esperado impacto social.
O próprio Banco Mundial e o FMI já deixaram claro que defendem que este processo seja realizado com pinças de forma a esbater as suas repercussões no tecido social mais débil, e ainda mais em tempo de severa crise económica, gerada não pela Covid-19 mas também, e essencialmente, pela perda de valor do crude exportado por Angola, que ainda representa 95% das suas exportações e é de longe o activo económico mais importante do País.
“Entre o actual momento social que o País vive e as dificuldades económicas geradas pela subvenção, naturalmente que será encontrada a melhor solução e no melhor momento”, disse Daves.
Quando estiver concluído este processo, embora existam diversas abordagens e cálculos, a gasolina, por exemplo, deverá passar dos actuais 160 Kz para muito perto dos 450 kwanzas, embora até lá, outros preços vão ser praticados por razões de política social, tendo em conta que o aumento dos combustíveis vai despoletar um processo em cadeia de aumentos em quase todos os sectores da economia nacional.
A urgência de abordar e decidir sobre este dossier resulta de na semana passada ter desaparecido aquela que era a justificação maior do Executivo para protelar a decisão de iniciar o processo de acabar com estes subsídios.
Isto, porque o presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Sebastião Gaspar Martins, veio afirmar publicamente que o estudo técnico que estava a ser realizado pela petrolífera nacional para lidar com o incontornável fim dos subsídios, já está concluído e que “agora cabe ao Governo decidir”.
Um processo politicamente complexo
Tratando-se de uma decisão difícil para o Governo, à medida que as eleições de 2022 se aproximam, por ser fortemente impopular e poder ter consequências eleitorais nefastas, a decisão do Executivo de João Lourenço em cortar estes subsídios, e o consequente aumento de preço em bomba, torna-se ainda mais difícil.
Até aqui, tal como o Governo foi avançando ao longo dos últimos anos, a decisão iria ser tomada mas estava dependente de um estudo técnico para enquadrar o fim da subsidiação dos combustíveis em Angola a cargo da petrolífera nacional, a Sonangol, que é quem mais interesse tem nesse âmbito porque é quem paga a diferença entre o custo no posto de abastecimento e o custo real dos combustíveis, na sua larga maioria, importados a preços de mercado que se aproximam dos 450/500 kwanzas como preço mínimo traduzido em dólares nos mercados internacionais.
Em conversa com os jornalistas na semana passada, o presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Gaspar Martins, que tem batalhado para que o Governo tome uma decisão rapidamente face aos fortes prejuízos que a petrolífera tem assumido, tornou público que o estudo técnico que estava a ser realizado pela petrolífera está finalmente concluído, o que significa que foi anulado o derradeiro entrave à decisão governamental de acabar, total ou parcialmente, com os subsídios à gasolina e ao gasóleo.
“O trabalho técnico está totalmente feito e cabe agora aos órgãos de decisão”, sublinhou o presidente do conselho de administração da Sonangol, colocando, assim, a responsabilidade da decisão totalmente nas mãos do Executivo.
Gaspar Martins admite que o fim do subsídio aos combustíveis poderá ser feito de forma escalonada para a evitar um impacto muito forte na comunidade, especialmente entre os consumidores que tê no transporte de passageiros ou de mercadorias a sua fonte de rendimento essencial.
Os sucessivos ministros das Finanças têm feito declarações no sentido de ser inevitável acabar com a subsidiação dos combustíveis e a actual responsável pelo Ministério das Finanças, Vera Daves, não é excepção, tendo dito em Março último que esse momento vai chegar e que o processo será gradual e com cuidado devido ao esperado forte impacto económico e social que implica.
O peso que o subsídio aos combustíveis tem nas contas públicas nacionais pode ser demostrado em valores brutos, onde 2 mil milhões de dólares/ano é um valor gigantesco, mas quando comparado com o actual acordo de financiamento alargado com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que era originalmente de 3,7 mil milhões (menos do dobro), para responder à forte crise que o país já atravessava em 2018, torna-se ainda mais evidente a sua dimensão.
E, quando foi acordado este Acordo de Financiamento Ampliado (EFF) em 2018, ainda estava longe a crise actual gerada no rasto da pandemia da Covid-19, o que significa que a pressão no seio do Governo de João Lourenço para acabar com esta despesa anual é, seguramente, ainda maior, porque o País atravessa aquela que é a mais grave crise da sua história desde a independência.
FMI, o aliado na austeridade
E o FMI é claramente um aliado do Executivo neste processo, estando em sintonia quanto ao que há a fazer para lidar com o fim dos subsídios aos combustíveis com o menor impacto social possível, como o Ministério das Finanças afirmava em Outubro do ano passado após um encontro de trabalho com o director do Departamento Africano do FMI.
Recorde-se que já este mês de Setembro, o FMI, face ao claro agravamento da crise pandémica e da continuada perda de valor do petróleo, a principal matéria de exportação angolana – mais de 95% do total – acordou em aumentar em 765 milhões USD o programa de financiamento que era inicialmente de 3,7 mil milhões passando agora a 4,465 mil milhões de dólares.
Esse entendimento, sublinhava então – Outubro do ano passado – o MinFin, passa por manter a meta de iniciar a retirada dos subsídios aos combustíveis em 2020 mas fazer acompanhar essa medida, prevista no Programa de Financiamento Ampliado, que engloba os 3,7 mil milhões USD do empréstimo ao país pelo FMI, de medidas de apoio social às famílias mais carenciadas.
Uma das medidas previstas, que está a ser preparada com o apoio do Banco Mundial, é a transferência monetária de índole social para cerca de 1 milhão de famílias no valor – o inicialmente previsto era 5 mil Kz – de 8.500 mil kwanzas.
Este anúncio do entendimento entre o FMI e o Executivo de João Lourenço foi reafirmado após o encontro de trabalho do director do Departamento Africano do FMI, Abebe Selassie, e membros do Governo liderados pela ministra das Finanças Vera Daves, a 21 de Outubro de 2019.
Neste encontro, que demonstrava a preocupação do Executivo em amaciar o impacto social daquela que é uma das medidas socialmente mais gravosas do programa de austeridade acopolado ao empréstimo do FMI.
Na ocasião, Vera Daves reafirmou que o Governo iria avançar com o programa de transferências sociais monetárias e, ao mesmo tempo, “trabalhar com a Sonangol para ver como a empresa irá subsistir a esse esforço”, visto que a subsidiação dos combustíveis em Angola é realizado indirectamente pelo Governo via Sonangol.
Recorde-se que em Angola a gasolina e o gasóleo são vendidos em bomba muito abaixo do preço de mercado graças à sua subsidiação por parte do Estado via Sonangol e que, com o fim deste apoio estatal, a generalidade dos bens deverão sofrer um aumento substancial de preços, desde logo a começar pelos transportes públicos (candongueiros) e de mercadorias, que se vão repercutir por quase todas as áreas da economia nacional.
Recorde-se ainda que Angola dispõe apenas de uma refinaria, em Luanda, com uma capacidade média de 60 mil barris por dia, embora a sua capacidade, devido à sua antiguidade, foi construída na década de 1950, esteja normalmente nos 30 mil barris, quando o País consome em média cerca de 200 mil barris de petróleo transformado, especialmente em gasóleo e gasolina.
Texto do NJ