Manifestações de massa e alianças de forças da oposição geram sinal de alerta no MPLA. Há um ano das eleições, sondagens indicam que, pela primeira vez em 50 anos, Angola tem chance de ver outra força política no poder.
A decisão do Tribunal Constitucional (TC) angolano a 7 de outubro causou inquietação não apenas entre os apoiantes da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA). Analistas políticos e sociedade civil também ficaram alarmados. Os juízes determinaram que o líder oposicionista Adalberto Costa Júnior deveria renunciar ao cargo de presidente da UNITA.
A justificação dos magistrados é que, na altura da sua eleição em outubro de 2019, Costa Júnior tinha duas nacionalidades – a angolana e a portuguesa. Isto estaria a violar a jurisprudência angolana. Costa Júnior entregou então a presidência do partido ao seu predecessor, Isaías Samakuva.
“Esta decisão é legalmente insustentável porque, na altura da sua eleição, Adalberto Costa Júnior só tinha nacionalidade angolana. Ele tinha renunciado à sua cidadania portuguesa dois meses antes”, explica o cientista político angolano Orlando Ferraz.
Ferraz argumenta que entre 1975 e 1992 – durante a guerra civil entre a UNITA e o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) – muitas pessoas solicitaram uma segunda cidadania em Portugal, na Costa do Marfim ou no Congo por medo de perseguição. Adalberto Costa Júnior fez o mesmo, mas “tinha declarado a sua renúncia à cidadania portuguesa a tempo para o congresso do partido de 2019”, diz o cientista político.
Para Ferraz, a decisão dos juízes constitucionais está errada e visa enfraquecer o líder da UNITA. O analista pensa que o MPLA, partido no poder, teria medo de Adalberto Costa Júnior e da UNITA.
Juntos contra o governo
Pouco antes da sua expulsão, Adalberto Costa Júnior e UNITA tinham forjado uma nova aliança com duas outras forças de oposição. Os seus novos parceiros são considerados experientes, eloquentes e muito carismáticos: Filomeno Vieira Lopes, do Bloco Democrático (BD), e Abel Chivukuvuku, do movimento PRA-JA Servir Angola.
“A Frente Patriótica Unida (FPU) foi consolidada com o objetivo de derrotar o MPLA nas eleições gerais de 2022”, declarou Adalberto Costa Júnior, causando grande agitação entre a população e nos meios de comunicação social.
“Quando o líder da UNITA junta forças com dois outros líderes carismáticos, todos os sinais de alarme soam no MPLA. É uma grande ameaça para o Presidente João Lourenço e o seu regime”, avalia Orlando Ferraz.
Oposição em ascensão
Pela primeira vez em quase 50 anos de história do país, a oposição teria chances de retirar o MPLA do poder. No início de outubro, o instituto de sondagens AngoBarómetro constatou que a percentagem de angolanos a favor de uma mudança de Governo atingiu um nível recorde: 81,44%.
É uma parcela da população que vê a necessidade de uma alternativa política, diz a sondagem. O índice é quase 8% superior ao de agosto de 2021.
“Os angolanos estão muito insatisfeitos com o Presidente João Lourenço, que tomou posse há quatro anos como um farol de esperança na luta contra a corrupção e a má gestão, mas não correspondeu às expectativas”, diz José Gama, jornalista e fundador do portal de Internet Club K, que faz um olhar crítico sobre a política angolana.
O Governo está em pânico e por isso recorre a todos os tipos de meios, incluindo os ilegais, para inverter esta tendência, diz a Gama. A UNITA está a enfrentar assédios a todos os níveis, e isto está a ter um impacto negativo sobre o partido, especialmente financeiramente.
“O partido deve organizar e realizar um novo congresso o mais cedo possível para que Costa Júnior possa iniciar os seus trabalhos. O dinheiro necessário para tal faltará no próximo ano na campanha eleitoral”, prevê Gama.
A UNITA definiu a realização de um congresso para a escolha do novo presidente do partido até 4 de dezembro.
Quão independente é o poder judicial?
Na sua opinião, não é surpreendente que o TC se permita ser instrumentalizado para tal campanha. Gama lembra que “o Tribunal Constitucional é composto por 11 juízes, sete dos quais saíram da bancada parlamentar do MPLA. Todos os juízes, exceto um, estão de alguma forma ligados ao partido no poder”.
Só recentemente, o presidente nomeou uma mulher que era membro do politburo do MPLA como presidente do TC. “O poder judicial de Angola está em cativeiro com o Presidente e o seu partido”, opina o jornalista.
Desde que João Lourenço chegou ao poder, o Tribunal Constitucional não permitiu um único partido político novo, explica José Gama.
“Foram sempre criados obstáculos à legalização de novas forças políticas. Abel Chivukuvuku, por exemplo, tem tentado em vão, durante anos, solicitar o registo do seu movimento PRA-JA Servir Angola, mas o TC não permitiu a legalização por motivos frágeis”, diz.
Protestos por eleições livres
A população angolana está a observar os acontecimentos com crescente preocupação. Muitos temem uma erosão da democracia por isso protestam regularmente nas ruas. No sábado (16.10), sobretudo jovens protestaram em várias cidades do país contra a anulação do último congresso da UNITA e a consequente remoção do líder da oposição.
O objetivo era a defesa do Estado de direito democrático, disseram os organizadores. Os manifestantes expressaram receios de que João Lourenço pretendesse estabelecer um regime totalitário e um Estado monopartidário.
Representantes da Frente Patriótica Unida também tomaram parte nos protestos. Filomeno Vieira Lopes, um dos líderes da FPU, gritou para a multidão que o aplaudia: “Exigimos que o legítimo líder da UNITA seja autorizado a tomar o seu lugar em breve”.