O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres disse hoje que fatores como pobreza, fome, desemprego e mudanças inconstitucionais nos governos criam um “terreno fértil” para a expansão de grupos terroristas em África.
Num debate de alto nível do Conselho de Segurança da ONU para abordar formas de prevenir e combater o terrorismo, presidido pelo chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi, o secretário-geral frisou que nenhuma idade, cultura, religião, nacionalidade ou região está imune ao terrorismo, mas avaliou que a situação em África é “especialmente preocupante”.
“Estou profundamente preocupado com os ganhos que os grupos terroristas estão a obter no Sahel e em outros lugares. Comunidade por comunidade, eles ampliam o seu alcance. A trilha do terror está a alargar-se, com combatentes, fundos e armas fluindo cada vez mais entre as regiões e por todo o continente — e com novas alianças sendo forjadas com o crime organizado e grupos de pirataria”, alertou Guterres.
Apesar de todo esse cenário, o ex-primeiro-ministro português disse ter testemunhado uma determinação renovada dos líderes africanos para enfrentar a ameaça do terrorismo em evolução, dando como exemplo a recente Cimeira Extraordinária da União Africana sobre terrorismo e mudanças inconstitucionais de governo.
“Assim como o terrorismo separa as pessoas, enfrentá-lo pode unir os países. Vemos isso em toda a África, que abriga várias iniciativas regionais de combate ao terrorismo. De esforços conjuntos no Sahel, na bacia do Lago Chade, em Moçambique e além. As Nações Unidas estão com África para acabar com este flagelo”, frisou Guterres, exortando os Estados-membros a apoiarem também esse “trabalho vital”.
No seu discurso de abertura da reunião, o líder da ONU lembrou a importância de se respeitar os direitos humanos à medida que se combate o terrorismo, avaliando que essa luta nunca terá sucesso se for perpetuada a mesma negação e destruição de direitos humanos.
“As evidências mostram que os esforços antiterroristas focados apenas na segurança, e não nos direitos humanos, podem aumentar inadvertidamente a marginalização e a exclusão e piorar ainda mais a situação”, advogou Guterres, comprometendo-se ainda em defender os direitos e a dignidade das vítimas e sobreviventes do terrorismo, e ajudar a “curar aqueles que foram feridos e deslocados”.
Moçambique, que está prestes a terminar a sua primeira presidência mensal do Conselho de Segurança, convocou este debate com o objetivo de criar uma oportunidade para o Conselho refletir e melhorar o quadro de cooperação entre a ONU, a União Africana e as organizações sub-regionais no contexto da luta contra o terrorismo.
Na sua intervenção, Filipe Nyusi apresentou dados sobre o terrorismo no seu país, nomeadamente em Cabo Delgado, mas também no continente, indicando que o Índice Global de Terrorismo de 2022 dá conta de que África contribui com cerca de 48% das mortes relacionadas com o terrorismo.
Nesse sentido, o Presidente de Moçambique aproveitou o debate de alto nível para propor uma revisão da estratégia de contraterrorismo global, que passaria pelo estabelecimento de um fundo para fortalecer iniciativas locais, como projetos de geração de empregos para a juventude, particularmente em África e no Médio Oriente.
“Além disso, gostaríamos de propor que seja considerado um fortalecimento da cooperação entre o Conselho de Segurança e o Conselho de Paz e Segurança da União Africana e blocos regionais, a fim de impedir a propagação e consolidação do terrorismo no continente africano”, apelou Nyusi.
O chefe de Estado moçambicano concluiu a sua intervenção com um apelo à comunidade internacional, para que ajude a reestruturar a dívida e facilite o acesso a financiamentos acessíveis nos países mais pobres e mais suscetíveis ao risco do terrorismo.
“Para esse fim, o sistema financeiro internacional precisa ser transformado pela reforma das instituições financeiras multilaterais”, defendeu.
Também o presidente da União Africana, Azali Assoumani, marcou presença no debate na sede da ONU, em Nova Iorque, onde defendeu a necessidade de se aplicar esforços renovados e sustentáveis, a nível internacional, para dar aos países africanos um impulso coletivo em direção à paz, segurança e estabilidade.
“Um dos fatores que contribuiria para deter a expansão do terrorismo seria uma maior atenção às abordagens preventivas. Gostaria, portanto, de exortar o Conselho de Segurança da ONU a redobrar os seus esforços e a reforçar a cooperação entre a União Africana e as Nações Unidas para que a prevenção seja menos dispendiosa a longo prazo”, apelou.
De acordo com Assoumani, o Plano de Ação da ONU contra o terrorismo e o extremismo violento teria um impacto muito mais sólido “se tivesse sido dotado dos recursos necessários”.
O presidente da União Africana aproveitou então para pedir um financiamento mais previsível, flexível e sustentado em prol das operações de manutenção da paz da União Africana, e instou à criação de centros de combate ao terrorismo a nível regional para apoiar os esforços nacionais em termos de prevenção e combate ao terrorismo.
“Precisamos, especialmente, de garantir que atuamos de forma mais global, mais forte, de forma mais coordenada, sejamos mais inovadores e que estejamos lado a lado se quisermos erradicar este flagelo”, concluiu.