O procurador-geral da República de Angola, Hélder Pitta Grós, disse hoje que a ausência da empresária Isabel dos Santos do país está a dificultar o andamento dos processos em curso contra a empresária.
“O processo está numa fase de investigação criminal, que é uma fase secreta, portanto partilhamos só com os advogados, quando necessário, e está a ser feito trabalho internamente, não é ético da nossa parte estar a divulgar peças ou atos processuais”, disse o procurador à Lusa em São Tomé e Príncipe, onde assistiu à inauguração do novo edifício do Ministério Público.
Questionado sobre a demora nas investigações à empresária e filha do antigo presidente de Angola José Eduardo dos Santos, o procurador-geral de Angola respondeu: “A morosidade em termos de resultado definitivo é, por um lado, a complexidade e grandiosidade do processo, e por ela [Isabel dos Santos] não se encontrar em Angola, isso também cria algumas dificuldades”.
O processo, acrescentou: “Não morreu, está vivo, e vamos obtendo cada vez mais provas para consolidar a peça final do processo”.
Hélder Pitta Grós falou à Lusa em São Tomé e Príncipe, à margem de uma cerimónia pública, na qual Angola foi elogiada pelas várias reformas, nomeadamente no setor da Justiça.
“É bom ver reconhecido o trabalho que temos feito em Angola, temos muito mais para fazer do que aquilo que já foi feito, mas é um incentivo ver que há um reconhecimento externo de que estamos a trabalhar e no bom caminho, e assim permite-nos mobilizar outras forças para nos apoiar nesse combate”, disse o procurador.
Questionado sobre as recentes notícias que dão conta de uma investigação ligada à compra de dois edifícios pelo Ministério dos Transportes a um amigo de infância do ministro, pelo valor de quase 100 milhões de euros, Pitta Grós confirmou uma investigação, mas desvalorizou o caso, apontando que há muitas averiguações que não dão em nada.
“Nós não divulgamos o trabalho feito no inquérito, porque podemos antes do inquérito criminal, temos de chegar ao final do inquérito preliminar feito pela direção nacional de prevenção e combate à corrupção, e só no final, havendo provas ou factos suscetíveis de serem considerados crimes, passamos para a segunda fase, que é o processo-crime”, explicou o procurador.
“Nesta fase processual os visados nem sequer são interrogados, há inquéritos que são instaurados e depois acabam por ser arquivados por não encontrarmos indícios de crimes, temos de esperar que o inquérito seja concluído para vermos se vamos passar à segunda fase de instauração de processo-crime e aí as pessoas são notificadas da sua condição como arguidos”, acrescentou, concluindo: “Todos os dias instauramos processos de inquérito, mas nem todos chegam a processo crime”.
O Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ), que integra vários órgãos de comunicação social, entre os quais o Expresso e a SIC, analisou, ao longo de vários meses, 356 gigabytes de dados relativos aos negócios de Isabel dos Santos entre 1980 e 2018, que ajudam a reconstruir o caminho que levou a filha do ex-presidente angolano a tornar-se a mulher mais rica de África, divulgando as principais conclusões no princípio de 2020.
Durante a investigação foram identificadas mais de 400 empresas (e respetivas subsidiárias) a que Isabel dos Santos esteve ligada nas últimas três décadas, incluindo 155 sociedades portuguesas e 99 angolanas.
A empresária angolana reagiu à divulgação considerando que a investigação é baseada em “documentos e informações falsas”, num “ataque político” coordenado com o Governo angolano.
“As notícias do ICIJ [Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação] baseiam-se em muitos documentos falsos e falsa informação, é um ataque político coordenado em coordenação com o ‘Governo Angolano’ (sic). 715 mil documentos lidos? Quem acredita nisso?”, reagiu a empresária, em inglês, através da sua conta do Twitter, no próprio dia da divulgação das notícias, acrescentando “#icij #mentiras”.