Juristas angolanos apontam dois cenários possíveis para o desfecho do processo-crime que em Portugal envolve o empresário angolano Álvaro Sobrinho: ser julgado em Angola por tribunais nacionais competentes ou a justiça portuguesa tratar do seu julgamento e eventual condenação à revelia.
Fontes da Voz da América admitem, entretanto, que os interesses e a oportunidade para as autoridades angolanas permitirem tal julgamento não devem ser descurados.
O antigo governador do Banco Espírito Santo Angola (BESA) é acusado pela justiça portuguesa dos crimes de lavagem de capitais, abuso de confiança e burla e o julgamento está previsto para breve.
O facto de a Constituição angolana, no seu artigo 70, não permitir “a extradição ou a expulsão de cidadãos angolanos do território nacional” afasta , para já, qualquer possibilidade de um julgamento em Portugal, segundo juristas.
De acordo com a imprensa portuguesa, o antigo presidente do BESA não é português há 40 anos, mas continuou a usar os documentos portugueses até agosto de 2024, altura em que abandonou aquele país.
Para o advogado Vicente Pongolola, tudo dependerá da “ponderação e do interesse” que Angola tem sobre a matéria, tal como aconteceu com o caso Manuel Vicente, antigo vice-presidente da república.
“Há sempre interesses e as autoridades judiciais angolanas vão avaliar a oportunidade e os interesses e se vale a pena julgá-lo nos termos em que a lei ou as autoridades portuguesas querem fazer crer”, aponta aquele jurista que defende que Álvaro Sobrinho poderia cumprir a pena cá se fosse julgado e condenado em Portugal, caso existisse uma cooperação judicial entre os dois países.
O jurista Lindo Bernardo Tito diz que, existindo um acordo de cooperação judiciária entre Angola e Portugal, Álvaro Sobrinho poderá ser julgado em Angola, se for do interesse de Portugal, ou ser julgado à revelia naquele país.
“O processo será mandado para os tribunais competentes angolanos fazerem o julgamento”, acrescenta aquele jurista.
Tito entende, no entanto, que o caso de Álvaro Sobrinho devia merecer um tratamento diferente apesar de a Constituição angolana não permitir a extradição dos seus cidadãos em conflito com as leis de outros países .
“Se Angola é um país que está a lutar contra a corrupção, eu reputo de correto que se mande Sobrinho para Portugal porque durante este tempo todo ele circulou na Europa com passaporte português e não como angolano, apesar de ter renunciado a nacionalidade portuguesa há 40 anos”, conclui Lindo Bernardo Tito.
Por seu lado, António Kangombe, igualmente jurista, também aponta os termos do acordo judicial entre os dois países como sendo um instrumento que permitiria a transferência de processos jurídicos para Angola.
“Pode sim ser transferido para Angola e ser julgado aqui já que ele não é cidadão português mas angolano, uma vez que a nossa Constituição proíbe a extradição”, defende Kangombe.
O caso e as acusações em Portugal
Álvaro Sobrinho, de acordo com a imprensa portuguesa, foi retido no passado mês de agosto, no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, onde lhe foi apreendido o passaporte porque o presidente do BESA deixou de ser português há 40 anos.
A ministra portuguesa da Justiça, Rita Alarcão Júdice, foi citada também pela imprensa como tendo anunciado a abertura de um inquérito no Instituto dos Registos e Notariado (IRN) sobre a utilização de documentos portugueses por Álvaro Sobrinho, apesar de ter renunciado à cidadania portuguesa.
“Algo falhou da parte do IRN e estamos a apurar internamente”, afirmou a governante.
A justiça portuguesa suspeita que o ex-banqueiro angolano se tenha apropriado indevidamente de centenas de milhões de euros, num caso cujos factos terão ocorrido entre 2007 e julho de 2014.
Os restantes arguidos que vão a julgamento são o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, a quem são imputados cinco crimes de abuso de confiança e um de burla, e os ex-administradores Amílcar Morais Pires, visado por um crime de abuso de confiança e outro de burla, Hélder Bataglia, acusado de um crime de abuso de confiança, e Rui Silveira, que responde apenas por um crime de burla.
A acusação do processo BESA foi conhecida em julho de 2022 e respeita à concessão de financiamento pelo BES ao BESA, em linhas de crédito de Mercado Monetário Interbancário (MMI) e em descoberto bancário.
Por força desta atividade considerada criminosa, a 31 de julho de 2014, o BES encontrava-se exposto ao BESA no montante de perto de 4,8 mil milhões de euros.
Segundo o Ministério Público (MP) portiguês, além “das quantias movimentadas indevidamente a débito das contas do BESA domiciliadas no BES, em Lisboa, para crédito de contas de estruturas societárias que funcionaram em seu benefício pessoal, também em diversas ocasiões Álvaro Sobrinho utilizou a liquidez disponibilizada naquelas duas contas bancárias para fazer face ao pagamento de despesas na aquisição de bens e no financiamento direto da atividade de outras sociedades por si detidas”.
Em setembro de 2024, Sobrinho foi acusado pelo MP noutro processo de lavagem de capitais agravado pelo investimento na SAD do Sporting realizado através da empresa Holdimo, que controlava, com verbas que seriam do BESA, e que terá rondado os 20 milhões de euros.
Sem dupla nacionalidade, o arguido regressou a Luanda, sem cumprir o Termo de Identidade e Residência, cuja morada declarada é Cascais.
As autoridades angolanas não se pronunciaram até ao momento sobre o processo-crime que envolve o antigo presidente do Banco Espírito Santo Angola (BESA) em Portugal.
Sobrinho também não se tem pronunciado.
A Voz da América tentou, sem sucesso, falar com ele ou com a defesa dele em Luanda que, por agora, se desconhece.