Governo ‘recupera’ empresa que dominou a elaboração de projectos no tempo de José Eduardo dos Santos e teve ligações estreitas com a FESA. Consultora libanesa tem em mãos o plano director dos transportes. Mas conta no portfolio com alguns falhanços, como o Bairro dos Ministérios e a cidade Sassa Bengo, que nunca saiu do papel.
Como já avançado há duassemanas, o Governo entregou à Dar Al-Handasah a responsabilidade de elaborar o Plano Director Nacional do Sector dos Transportes. Uma adjudicação que significa também mais um passo na ‘recuperação’ de uma relação empresarial, entre Angola e a empresa libanesa, que já leva 24 anos e ainda representa o regresso à ribalta de um grupo que, durante duas décadas, foi acarinhado nos governos de José Eduardo dos Santos.
Todo o projecto é financiado pelo Banco Africano de Desenvolvimento e esteve na ‘gaveta’ quase seis anos. O concurso público, para escolher a empresa, ficou concluído em 2015, com a escolha da Dar Al-Handasah, mas ficou parado e só foi recuperado em 2019.
Além dos Transportes, a empresa libanesa tem em mãos o plano director de drenagem de Benguela, que deverá começar este ano. O governo provincial, liderado por Luís Nunes, investe 44,2 mil milhões de kwanzas na implementação deste plano que poderá permitir o escoamento de águas.
A Dar Al-Handasah entrou no projecto pela mão do governador, que tem ligações empresariais com os libaneses. A empresa de Luís Nunes, a Omatapalo, e a Dar Al-Handasah integraram um consócio que se candidatou à construção da Refinaria de Cabinda. Além das duas empresas, a construtora portuguesa Mota Engil também entrou no consórcio, mas acabou por perder a corrida a favor da brasileira OEC (Odebrecht Engenharia e Construção).
Faz parte do portfolio mais recente da empresa o Projecto de Abastecimento de Água Bita IV (B4WSP), uma obra que pretende servir áreas de rápida expansão do desenvolvimento urbano a sul de Luanda, principalmente entre Belas, Talatona e Viana. O projecto começou em 2019, ano em que foi atribuída à empresa o plano dos Transportes.
Grandes projectos, grandes falhanços
Os 24 anos da presença da Dar Al-Handasah em Angola marcaram um período de grande crescimento económico do país, em especial depois de 2002, em que a empresa libanesa teve um papel de destaque. No entanto, foi perdendo ‘gás’, com a chegada de João Lourenço à Presidência da República.
O último trabalho de vulto foi a autoria do projecto do complexo da Assembleia Nacional. Antes disso, esteve envolvida, através da Dar Angola, uma das subsidiárias, em obras de construção civil. Mas com alguns fracassos.
Os mais notórios foram o Bairro dos Ministérios e a cidade denominada Sassa Bengo, projectos que se ficaram pelo papel.
A Dar Al-Handasah, através da Dar Angola, integra a Sodimo, a sociedade anónima que também como accionistas a Suninveste, o Banco Angolano de Investimentos (BAI), a Sansul e a Sommis. O grupo é autor do projecto que prevê a construção de 28 edifícios para albergar ministérios, um edifício para o Conselho de Ministros, centro de convenções, campus de justiça, palácio da cultura e um espaço para a Expo-Luanda. O projecto encontra-se em ‘stand by’, com um ‘braço de ferro’ entre João Lourenço e o ministro Manuel Tavares de Almeida que insiste em levar o projecto, uma parceria público-privada, adiante. Foi a própria Sodimo que vendeu os terrenos ao Estado.
Um dos mais emblemáticos projectos da Dar-Al-Handasah foi desenhado em 2009 e prometia fazer uma revolução urbanística, com a construção de uma cidade que pudesse ser a alternativa a Luanda. Chamava-se Sassa Bengo, era basicamente um Plano Integrado para a expansão urbana. A previsão apontava para a sua conclusão até 2030.
O plano até mereceu honras de apresentação oficial pelo então coordenador, o ministro do Urbanismo, Diakumpuna Sita José. O objectivo apontava para libertar a capital de excesso da população, deslocando três milhões de habitantes para uma área entre Luanda, Caxito e Barra do Dande.
Polémicas nacionais e estrangeiras
À frente da empresa em Luanda surge o libanês Ramzi Klink, descrito como um dos homens mais influentes junto do círculo de José Eduardo dos Santos. Além de empresário, esteve envolvido na criação da Fesa (Fundação Eduardo dos Santos), onde se juntam empresas petrolíferas como a Texaco ou a brasileira Odebrecht. Ramzi Klink fez parte do conselho fiscal da Fesa. A sua influência permitiu-lhe colocar a Dar Al-Hamasah a dominar a elaboração e fiscalização das obras relevantes de arquitectura e engenharia do Estado.
A Dar-Al-Handasah é considerada uma das mais qualificadas empresas mundiais de estudos e projectos de engenharia e fiscalização.
Há dois anos, o Dar Group foi alvo de uma acusação, ainda não provada, mas que provocou uma guerra comercial e jurídica sem final à vista. A acusação partiu do ministro da Energia da Arábia Saudita, Khalid Al-Falih, que apontava o dedo ao consórcio libanês Dar Group, garantindo que era suspeito de “suborno e corrupção”, num telefonema dirigido ao ministro da Defesa da Austrália. O grupo libanês argumenta que tudo não passa de uma guerra comercial com a intenção de o afastar dos grandes projectos de construção do Oriente, África e Austrália. O caso inspirou um artigo do jornal australiano ABC, cujo título já sugere quase tudo: ‘Espiões, políticos e alegações de corrupção: por dentro da amarga guerra corporativa entre a gigante da engenharia Worley e o Dar Group’.
Em 2014, a Dar Al-Handasah ganhou o projecto de construção do Canal de Suez, reforçando a ideia de que tinha ligações estreitas com o poder militar do Egipto. A atribuição levantou suspeitas. Foram contratadas 18 empresas, com vínculos, oficiais ou oficiosos, ao Ministério da Defesa. Alguns dos empreiteiros nem tinham registo comercial, o que motivou a conclusão de jornalistas egípcios, depois de várias investigações, de que o concurso teria sido feito à medida dos interesses do presidente Abdu Khalil al-Sisi, Na liderança da construção está um consórcio liderado pela Autoridade de Engenharia das Forças Armadas. A concepção pertence à Dar Al-Handasah, pertencente ao Dar Group, um conglomerado de engenharia, design e arquitectura, criado em Beirute em 1956,
Hoje, o grupo emprega mais de 8.600 funcionários, em 47 escritórios, espalhados pelo Médio Oriente, África, Ásia e Europa. Tem cinco centros principais em Beirute (Líbano), Pune (Índia), Cairo (Egipto), Londres (Reino Unido) e Amã (Jordânia). No seu site, descreve-se como “o maior ‘player’ global de propriedade privada na indústria de engenharia e design”. Ainda de acordo com o site, o grupo desenha projectos tanto em zonas de guerra como em locais sagrados, em áreas suburbanas e metropolitanas e nos desertos.