Se é mesmo verdade que o Presidente da República recebeu Isaías Samakuva para abordar questões relacionadas com a participação da UNITA na manifestação ou na preparação dela, pelas declarações deste à saída da audiência, ficou claro que, também para essa figura, apesar do cuidado que teve em usar palavras diplomáticas, o problema não está na segunda força política de oposição que presidiu, nem nos manifestantes. Está na actuação do Governo, cujo Chefe foi quem recebeu Samakuva.
O momento é delicado, e todos nós reconhecemos. Daí que, não vejo nenhuma vantagem na utilização de Isaias Samakuva como uma espécie de mediador ou apaziguador do conflito que se instalou, quando o Presidente pode, e deve, falar directamente não só com Adalberto Costa Junior, o presidente da UNITA, mas também com outros actores da nossa política e da sociedade, incluindo no interior do seu próprio partido. Não me refiro aos “sim… sim… camarada Presidente”, como é evidente.
Diplomata polido como é, Isaias Samakuva deve ter ouvido, expôs ou contrapôs com os seus argumentos, mas, não acredito que vá sequer persuadir Adalberto Costa Júnior seja do que for. Seria como compactuar com uma espécie de diabolização do novo líder da UNITA, mas, também, com uma tentativa de ignorá-lo ou de diminuí-lo relegando-o para segundo ou terceiro plano. E Adalberto já deu sobejas provas de inteligência, para perceber essa jogada do Presidente da República que, diante do que aconteceu, também deve estar a pensar que a responsabilidade do que vier a ocorrer de mais grave, deve ser imputado ao líder da oposição, o que não é verdade. Nem ele quer assumir esse “mérito”, nem deseja misturar as águas. E até pode dar-se ao luxo de dar o dito pelo não dito.
Por outro lado, Samakuva deve reconhecer que já fez a sua parte, unindo a manta de retalhos em que estava transformada a UNITA. Hoje, esse partido está em melhores condições de fazer oposição e tudo isso, também constitui uma herança de que se deve orgulhar por ter passado bem com uma almofada de conforto à outra geração, mais nova, com mais ímpeto, que responde melhor as dinâmicas do jogo político, aos seus anseios da actual etapa e do desejo legítimo de se tornar poder. E isso também deve interessar a Nação, porque uma oposição forte, competente, contribui como elemento de pressão para que as decisões tomadas por quem governo se aproximem mais do interesse generalizado da se fazer mais e melhor para todos. Porque estragar esse legado?
Como muitos outros cidadãos, também faço parte do grupo que não acredita que, as razões que levaram ao estalar do conflito do final de semana serão dirimidas dessa forma, porque vão muito para além do Covid-19, a grande justificação de impedimento. É uma condicionante sim, mas também não vejo que deva continuar a servir de argumento, por si só bastante, para justificar tudo o que tem vindo a acontecer. E, é preciso que fique claro, vai continuar (oxalá sem danos nem perda de vidas), porque é o resultado da má gestão feita ao longo de 45 anos, que não se resolve sequer em dois mandatos. E alguém com a estatura do Presidente da República, não deve ficar preso ou escudado ao julgamento de supostos “arruaceiros” e ou “criminosos” como se fossem um troféu, porque tem a obrigação de conhecer as origens e as causas do descontentamento geral (não apenas de um grupo de pessoas) porque são mais profundas. E esse extracto social que hoje se manifesta, tem o direito, e sabe bem que tem, também, deveres. Mas o Governo também tem deveres, responsabilidades, muitas e não cumpre. Sejam lá quais forem as causas, também está exposto ao nosso julgamento, porque não foi eleito para tornar mais precária a vida do cidadão. Justificar as razões, é uma coisa. A sociedade aceitar as suas justificações, claro que é outra. Concomitanetemente, não fica bem essa imagem de Presidente de uma governação ditatorial, como a que manchou o seu antecessor. E nada, mas nada mesmo, em tempo de paz, justifica mais mortes ou a prisão de quem está descontente. É ridículo, mancha e compromete o País no seu todo perante nós mesmos e o mundo.
Por tudo isso, estou entre os que não vê nenhuma vantagens na prisão e julgamento seja do quem for neste caso, até porque, pelos excessos de ambas as partes, na detenção e maus tratos infringidos incluindo à jornalistas, a Polícia Nacional também não está isenta de responsabilidade em muitos outros actos condenáveis, e, deliberadamente, ocultados pelos órgãos públicos.
Numa análise isenta e desapaixonada de partidarismos e servilismo, o correcto não é, de certeza absoluta, pegar nos dados do meio e do fim de uma manifestação para formar juízo, sem considerar o início, a parte que dá conta de como tudo começou. Não é correcto. Não é o que ditam os nossos manuais.
Como cidadão que cultua e privilegia o diálogo, condeno todo e qualquer tipo de violência e por isso, não posso concordar com as ameaças e até apedrejamento à jornalistas e meios de trabalho de órgãos públicos, e menos ainda de privados, porque não recebem subsídios de quem governa. Também não posso aceitar aos servidores da Polícia Nacional. Contudo, face este momento que exige de todos nós calma, senso, ponderação e responsabilidade, também os jornalistas dos órgãos públicos e quem os controla devem questionar-se sobre o seu próprio desempenho, porque as nossas expectativas em relação à mudanças, até mesmo a esse nível, estão muito aquém da vontade e da verdade de edificarmos um Estado Democrático e de Direito.
A defesa do salário e do emprego, não deve servir de justificação para deturpar, ocultar, inquinar factos que podem levar ao nosso próprio descrédito, e mais grave, para separar e discriminar a sociedade, transformando uns em santos e outros em demónios, como está a acontecer, pois pode descambar num outro conflito de maiores proporções, de ódio até para com as instituições públicas e seus representantes. Não é isso que se pretende.
Por isso, essa atitude que expressa revolta da sociedade, em vez de ser condenada por via de comunicados (até entendi o objectivo mas não deixa de constituir também uma prova de que algo vai mal), deve é merecer mais discussão e a implementação de medidas que conduzam à mudanças. Porque razão há revolta de uma parte da população contra esses servidores públicos, se antes, apesar de igualmente mau, não havia?
Vamos debater isso até a exaustão, para benefício da Nação, de todos nós e não para protecção do poder, porque não é esse o papel nem dos jornalistas nem dos órgãos públicos.
Quase 45 anos de independência, com toda a evolução tecnológica que está ao alcance do cidadão comum, com tanto acesso à informação, com tanta população (jovens particularmente) formada e que enche as faculdades, como aceitar que a comunicação pública angolana não reflicta esse avanço, que tenha ainda, uma postura que é fotocopia dos regimes comunistas retrógrados dos anos 60/70? É, como diz o adágio, tentar “tapar o sol com a peneira”, contribuir para enganar o próprio poder, porque hoje, quem se manifesta, não são apenas os militantes dos partidos e neste caso, os da UNITA que também são cidadãos e sentem o mesmo que os demais. Afinal, uns mais, outros menos, uns de forma aberta outros velada, todos somos vítimas de um Sistema que tomou conta do País há 45 anos, que ao contrário do que ansiávamos, não mudou, continua amarrado à velhas práticas e não entende sequer que os tempos exigem mais inteligência, mais cedência, mais consensualidade, maior razoabilidade e menos “copy paste”, porque a nossa realidade deve ser a base de sustentação das decisões de quem governa e não o contrário.
Um dado importante que deve ser analisado ao pormenor, que de certeza absoluta está a ser devidamente aproveitado pela oposição, está relacionado com o facto de que quem mais demonstra descontentamento agora, é, precisamente, a base tradicional que serviu de suporte de quem está no poder há 45 anos. Mas isso, é culpa de quem?
Uma vez mais, parabéns Teixeira Cândido.