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Combate à Corrupção: “Ou Acelera Ou Acaba”

Fez no final de Dezembro um ano que a juíza Henrizilda do Nascimento decretou no Tribunal Provincial de Luanda o arresto de vários bens e empresas de Isabel dos Santos, dando assim o sinal de partida para uma investida do Estado angolano contra a filha de José Eduardo dos Santos. Depois da decisão de Henrizilda, surgiram os famosos Luanda Leaks (que pouco mais repetiram do que aquilo que se foi escrevendo no Maka Angola ao longo de vários anos) e o PGR de Angola viajou imponente até Lisboa para pedir o congelamento de mais bens de Isabel, o que aconteceu.

É, por isso, boa altura para fazemos um balanço, necessariamente provisório, dos resultados atingidos com o combate à corrupção iniciado no mandato do Presidente da República João Lourenço.

Em relação a Isabel dos Santos, do ponto de vista dos bens e das empresas, pode-se dizer que todos os activos relevantes de Isabel dos Santos estão neste momento fora do controlo dela e apreendidos à ordem de Angola. Simultaneamente, o prestígio empresarial da antiga “princesa” caiu num abismo de suspeição e ilegalidade.

Estranhamente, não se viram avanços no processo criminal propriamente dito contra Isabel dos Santos. Temos aqui uma primeira nebulosidade. Como é possível congelarem-se quase todos os bens empresariais relevantes de Isabel dos Santos e esta não ser constituída arguida num processo-crime, não se conhecendo, pelo menos publicamente, esforços para que tal aconteça? Das duas, uma: ou Isabel é levada a julgamento, ou é deixada em paz.

Uma segunda nebulosidade reside no facto de, entre os “grandes”, apenas Augusto Tomás, antigo ministro dos Transportes, estar a cumprir pena de prisão efectiva. Em quatro anos de combate à corrupção, somente Tomás foi julgado e condenado com trânsito em julgado.

Ainda muito recentemente um alto-dignitário do partido do governo declarava na Assembleia Nacional que “grande parte dos elementos dos Governos do MPLA cometeram erros que prejudicaram os cidadãos angolanos durante os longos anos de poder deste partido, especialmente em matéria de corrupção e impunidade”.

Perante este cenário, com generalizada consciência desta situação, que sentido faz não serem submetidas a julgamentos mais individualidades? É que sem haver julgamentos não há justiça.

O que acontece, neste momento, é que da imprensa brotam imensos supostos casos. Acusações nas redes sociais pululam, bens chegam a ser apreendidos ou entregues, mas quase ninguém é submetido a um julgamento. Ser julgado não é sinónimo de culpa: significa apenas que a justiça funciona, permitindo que se realize uma acusação concreta e que se apresente uma defesa efectiva, tudo isto em público.

No final, pode-se ser absolvido ou condenado, mas os tribunais terão agido e terá sido feita justiça. Não é o que se passa neste momento. Aliás, o único outro processo de “grandes” que já terminou em primeira instância foi aquele que envolveu José Filomeno dos Santos (filho de José Eduardo dos Santos) e Valter Filipe (antigo governador do banco central). Este processo está em recurso e, face às fragilidades e aos erros de instrução, não admiraria que os arguidos saíssem com as penas atenuadas ou mesmo absolvidos.

Convenhamos que isto é pouco. João Lourenço teve a coragem e a determinação de avançar com o combate contra a corrupção, mas cometeu o erro de a entregar aos meios comuns. Deixou assim que se criasse um labirinto de enganos que vai esbatendo ou esvaziando os processos.

Alguns poderão dizer que o importante é recuperar activos, e não condenar (ou absolver, sublinha-se) pessoas – e de facto muitos activos já foram recuperados. Não concordamos com esta afirmação. O enfoque na recuperação de activos serve apenas recuperar activos; ao não se centrar nas pessoas, cria um estímulo para que, no futuro, a corrupção atinja valores ainda mais elevados, pois os agentes da corrupção prevêem vir a ter de devolver ao Estado uma parte daquilo que roubaram. Com esta política, apenas se cria um “prémio” para a corrupção, e nada mais.

A isto acresce que a recuperação de activos, tal como está a ser feita, é confusa. Alguns dos bens que são apreendidos ficam provisoriamente na esfera de controlo do Estado; outros foram efectivamente entregues, mas na maior parte dos casos trata-se de empresas que, se não forem bem geridas, se desvalorizarão rapidamente. Por isso, a recuperação de activos pode ser um engodo com poucos efeitos práticos.

Ademais, note-se que é fundamental que os efeitos do combate contra a corrupção sejam sentidos pela população. Colocando a questão em termos simples: o dinheiro da corrupção tem de chegar ao povo. Têm de existir mecanismos que façam com que alguns dos activos recuperados beneficiem já e directamente a população.

Estamos num momento-chave: ou há uma aceleração do combate à corrupção utilizando meios adequados, ou o próprio combate acabará por fenecer. E, obviamente, quando se fala em corrupção não se abrange somente o crime de corrupção, mas toda a criminalidade económico-financeira que resulta da captura dos Estado para benefício próprio.

A aceleração assentará numa estruturação diferente desse combate. Como já defendemos muitas vezes, um efectivo combate à corrupção implicará uma abordagem integral contendo a formação de um grupo autónomo de técnicos e operadores especializados nas mais modernas técnicas de investigação e na aplicação correcta de legislação específica; a instituição de secções especializadas nos tribunais, uma vez a Constituição não permite a criação de tribunais especiais (nos termos no n.º 5 do artigo 176.º); a adopção de leis processuais próprias para as questões de corrupção.

Através destas medidas, seria instituído um sistema integrado desde a investigação até ao julgamento, com recurso, com quadros especializados para a corrupção e só para esta, e com uma eficácia que de outra maneira nos parece impossível.

Paralelamente e em simultâneo, a recuperação de activos deve prosseguir, mas é essencial que se criem programas de fomento económico e social financiados por esses activos, os quais resultem em vantagens directas para a população.

Rui Verde | Maka Angola

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