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COVID-19: Melhorar capacidade produtiva é chave para recuperar da crise

É a conclusão do relatório da ONU sobre Países Menos Desenvolvidos. À DW, autor do relatório valoriza investimento de Cabo Verde na diversificação da economia e explica o que falta aos PALOP para recuperarem da crise.

Os esforços para reconstruir as economias das nações mais pobres do mundo pós-pandemia ficarão significativamente aquém, a menos que as suas capacidades produtivas sejam drasticamente melhoradas. É a conclusão do relatório 2020 sobre os Países Menos Desenvolvidos (PMD) da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).

Segundo o documento, divulgado esta quinta-feira (03.12), os PMD com as capacidades produtivas mais desenvolvidas têm sido os mais capazes de combater as consequências da pandemia. Mas a maioria tem uma baixa capacidade produtiva, nota a UNCTAD.

O relatório prevê que a pandemia irá empurrar os PMD para o seu pior desempenho económico em 30 anos em 2020, com níveis de rendimento em queda, perdas de emprego generalizadas e défices fiscais crescentes.

A crise irá reverter anos de cuidadosos progressos por parte dos PMD em domínios sociais como a pobreza, a nutrição e a educação, adverte o relatório, empurrando 32 milhões de pessoas de volta à pobreza extrema.

Mas nem tudo é negativo

Em entrevista à DW África, Rolf Traeger, chefe da sessão dos PMD na UNCTAD, destacou o grande investimento de Cabo Verde na diversificação da economia, que contribuiu para que o país saísse este ano da categoria dos menos desenvolvidos.

Angola deverá perder designação de PMD no primeiro semestre de 2021 e São Tomé e Príncipe em 2024, entrando, assim, na categoria de Países em Desenvolvimento. De notar que a estratégia de apoio e financiamento das Nações Unidas para os países muda com a alteração da categoria de desenvolvimento.

Rolf Traeger, o principal autor do relatório, reforçou, contudo, que há ainda muito trabalho a fazer para aumentar a resiliência económica dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), nomeadamente ao nível da capacitação e diversificação produtiva.

DW África: Quais foram os Países Menos Desenvolvidos que tiveram mais resiliência para reagir à crise da Covid-19?

Rolf Traeger (RT): Foram aqueles que têm as capacidades produtivas mais desenvolvidas porque puderam começar a produção de produtos novos, como máscaras, equipamento de proteção médico e kits de testes da Covid-19. Também foram aqueles que puseram em prática políticas públicas de saúde para ajudar a mitigar os piores efeitos da Covid-19.

DW África: Quais foram essas políticas públicas que foram positivas em termos económicos?

RT: Por exemplo, usar as lideranças tradicionais para comunicar, ao nível dos vilarejos e aldeias, à população, os cuidados a ter em termos de higiene, distanciamento social, ou mesmo adotar medidas de confinamento e de restrição à mobilidade e ao transporte.

DW África: Este relatório da UNCTAD trás boas notícias para Cabo Verde que saiu da lista de Países Menos Desenvolvidos. Foi o único PALOP que se “graduou”, como vocês definem, desta lista. Que fatores económicos favorecem Cabo Verde para esta subida – comparando com São Tomé e Príncipe, por exemplo, que também depende muito do turismo?

RT: Cabo Verde, apesar de todas as dificuldades – sendo um país insular e longe dos principais centros de atividade económica – investiu muito na diversificação da sua economia, principalmente no turismo, mas não só. [Apostou] noutros tipos de serviços: transportes, indústria e também nalguns serviços financeiros.

São Tomé e Príncipe encontra-se numa situação semelhante. Também é um país insular e que fica longe dos principais centros de atividade económica, o que automaticamente aumenta o seu custo de compra de consumos e o custo de transporte para exportação. Digamos que São Tomé está numa fase mais incipiente desse mesmo processo, mas também está no processo de graduação, no processo de saída da categoria dos PMD. Algo que deverá acontecer no ano de 2024. Então, digamos que São Tomé e Príncipe não está tão mais para trás [comparando com Cabo Verde].

Por outro lado, originalmente a saída de Angola da categoria dos PMD estava prevista para o começo do ano que vem. A questão é se, em função da crise económica da Covid-19 (e do petróleo), Angola vai pedir um adiamento dessa saída dos PMD.

DW África: Isso parece-lhe viável, tendo em conta a crise do petróleo, a inflação que agora está a acontecer e o aumento dos impostos? O que é preciso acontecer para Angola sair desta lista de Países Menos Desenvolvidos?

RT: Como já estava previsto, Angola vai sair no primeiro semestre de 2021, a menos que [o Governo angolano] faça explicitamente um pedido para a Assembleia Geral da ONU e que esse pedido seja acolhido.

DW África: Angola vai sair em 2021 da categoria de PMD mesmo que a economia piore?

RT: Mesmo que a economia piore.

DW África: O que significa na prática sair da categoria dos PMD?

RT: Significa que um país deixa ter direito ao tratamento preferencial que é reservado aos PMD, por exemplo no acesso aos mercados de exportação e a alguma formas de financiamento e assistência técnica. Então, é toda uma série de mecanismos internacionais de apoio aos PMD que são reservados a esses países enquanto eles são PMD. A partir do momento em que eles tenham um desenvolvimento mais importante, a comunidade internacional julga que eles não precisam mais desse tratamento preferencial e deixam de ter direito a ele.

DW África: Que conclusões e soluções apontam para Moçambique? O relatório menciona um aumento considerável da fome no país, que atravessa também uma crise humanitária devido aos ataques terroristas em Cabo Delgado.

RT: Moçambique, partindo de uma base muito fraca do desenvolvimento das suas capacidades produtivas, conseguiu desenvolver essas capacidades, mas não conseguiu diversificar muito a sua economia. O crescimento da economia de Moçambique foi muito baseado no setor primário, na exploração mineral, de metais e de carvão… mais para a frente também haverá a produção de combustíveis. Mas isso deixa a economia muito vulnerável ao desenvolvimento dos mercados internacionais das matérias primas.

É importante que Moçambique invista na diversificação das atividades económicas através do investimento em atividades mais modernas, especialmente industriais. Mas também através de uma modernização da sua agricultura para atingir níveis bem mais altos de produtividade do trabalho na agricultura.

DW África: Quanto à Guiné-Bissau, a estratégia de crescimento económico deve ser diferente? O vosso relatório aponta que o país tem uma das maiores taxas de habitantes a viver em bairros de lata ou favelas… tal como São Tomé e Príncipe. Para não falar da constante crise política que impede uma certa estabilidade nas políticas económicas…

RT: A Guiné-Bissau é um país que está muito mais para trás em relação aos outros PALOP em termos de desenvolvimento das suas capacidades produtivas. Aí o objetivo é investir pesadamente na agricultura, na infraestrutura de energias, de transportes e de água para aumentar a produtividade na agricultura. Isso levaria a um aumento da renda das populações rurais e permitiria também o desenvolvimento de outros tipos de atividades económicas, especialmente atividades urbanas do tipo industrial e de serviços modernos.

Esse processo de transformação estrutural requer investimentos pesados: tanto na infraestrutura como na modernização das unidades de produção, das fazendas, das produtivas rurais, como também na mão de obra e na aquisição de tecnologia para que haja um aumento muito forte da produtividade do trabalho. É impossível haver uma redução importante da pobreza sem haver uma criação de empregos de melhor qualidade e de mais alta produtividade do trabalho.

DW África: O relatório da UNCTAD apela para a comunidade internacional apoiar os esforços dos Países Menos Desenvolvidos com apoios financeiros adequados. A situação passa mesmo por apoio financeiro externo?

RT: O que o relatório ressalta é que isso não se trata de caridade e de doação, mas sim de investimento da comunidade internacional no desenvolvimento conjunto da própria comunidade internacional. Porque se os PMD continuarem a ficar para trás em termos de rendimento, pobreza, fome, em termos de falta de progresso social, eles vão se transformar ainda mais em focos de instabilidade, de crise política, crise humanitária, crise social e focos de emigração.

Por isso, é do interesse da comunidade internacional aumentar o seu apoio (também tecnológico e logístico) e financiamento aos PMD para que consigam desenvolver capacidades produtivas ao ponto de chegar a uma transformação da estrutura da economia dos PMD.

Gostaria ainda de ressaltar que no ano que vem haverá um processo de preparação de uma grande conferência internacional sobre os PMD, que será realizada em janeiro de 2022. Em 2021, haverá conferências nacionais e regionais preparatórias. É importante que os governos dos PMD articulem as suas demandas à comunidade internacional e que coordenem os seus pedidos uns com os outros.

DW África 

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