O presidente João Lourenço iniciou o seu mandato com uma herança económica e socialmente complexa. As anteriores duas décadas (2002-2017) desaproveitaram a riqueza gerada no período da bonança, tendo parte sido aplicada em decisões de investimento público que não resultaram na multiplicação de mais riqueza, e outra parte desviada através vários casos de delapidação do erário do Estado.
No início do ciclo político do presidente João Lourenço, em 2017, Angola tinha uma pesada dívida aos credores públicos e, adicionalmente, alguns bancos nacionais tiveram de ser resgatados, devido a biliões de créditos financiados e não pagos. Os cofres do Estado estavam vazios e os credores impunham cada vez maior pressão sobre o novo executivo. A situação era semelhante àquela que o presidente Neto e o MPLA herdaram quando assumiram a gestão de uma nova Angola independente. “Em 1975, também encontraram um país com os cofres vazios, em que as instituições tiveram de ser reconstruídas”. Contudo, Agostinho Neto tinha uma vantagem face a Lourenço: não se deparou com uma dívida pública quase impagável.
Neste sentido, não há que invejar a posição de João Lourenço em termos económicos. A João Lourenço coube a missão de reconstruir um país que estava na iminência da insustentabilidade económica.
Se é verdade que o presidente se lançou com determinação à resolução da questão e evitou o descalabro total, é também certo que são necessárias correcções à rota desenhada.
Um primeiro aspecto a considerar é a mobilização da sociedade civil na reconstrução económica. Até agora, em vez de se agregar o saber dos agentes económicos conhecedores da economia real, com o objectivo de se encontrarem as soluções, os tecnocratas de executivo (incrivelmente, os mesmos do passado) optaram por ditar velhas receitas recicladas de políticas com tiques de economia planificada, com roupagens novas. E assim se continuaram a escrever planos determinísticos a partir dos gabinetes dos ministérios, e assim se assiste a discursos de ministros, emanando ordens imperativas para os empresários e para o sector financeiro. Obviamente, este tipo de condução económica falsamente de mercado não pode resultar.
Em paralelo, os mesmos tecnocratas mal reciclados entregaram ao Fundo Monetário Internacional (FMI) as principais decisões estratégicas de impacto económico. “De ambos os lados, haverá economistas certamente bem-intencionados, mas que aplicam modelos teóricos baseados em raciocínios não comprovados empiricamente e sem adesão à realidade angolana”. O problema real surge quando os conceptualistas impõem decisões, alheios à forma como a economia se desenvolve no país e ficam insensíveis aos impactos que causam nos cidadãos.
Às portas de 2022, na celebração do 46º aniversário da independência, aqui nos encontramos com uma profunda crise económica que nos entrou porta dentro em 2020. Os factos e os números são públicos. Ainda não saímos do ciclo de espiral negativa destruidora de valor. E enquanto se mantiver o mesmo registo de determinismo tecnocrata ditado por ministros do passado e por jovens economistas inexperientes do FMI, dificilmente sairemos deste ciclo negativo de forma sustentada.
É possível aplicarmos outras receitas que incentivem a tão desejada mudança. Por um lado, é imperativo que as políticas económicas passem a ser desenhadas pelo executivo em conjunto com o sector privado e com a banca nacional e internacional.
Ao Estado cabe o papel de líder estratégico, de coordenação e de vigilância competitiva, cabe o papel de garante da estabilidade macroeconómica e dinamizador de um quadro de confiança, para que os investidores nacionais e estrangeiros voltem a tomar risco, gerando mais emprego e produção. Havendo confiança, os empresários nacionais e estrangeiros e as famílias voltarão a investir, e as engrenagens de multiplicação do PIB desbloquearão e o país crescerá.
A isto acresce que, em tempos de escassez, “o Executivo deveria fazer uma pausa no investimento em projectos que não são multiplicadores de riqueza no curto e no médio prazos”. Por exemplo, faz sentido continuar a investir num aeroporto megalómano em Luanda, que hoje nada acrescenta ao País? Faltam ainda quantos biliões de dólares para concluir o aeroporto e sobretudo as suas ligações ao centro da cidade? É neste momento de recursos escassos que vamos criar mais dívida pública para concluir este projecto?
Por fim, é tempo de se quebrarem alguns dogmas ajudados a criar pelo FMI. Para mitigar os efeitos da crise económica gerada pela pandemia mundial, os países desenvolvidos estão a implementar programas de vários triliões de dólares de investimento público para dinamizar as economias no período pós-pandemia. Por exemplo, os Estados Unidos já mobilizaram mais de quatro triliões de dólares para apoiar as empresas, as famílias e fomentar o investimento público. Esse financiamento foi parcialmente realizado através expansão da massa monetária, tendo o banco central americano comprado parte da nova dívida pública, numa política que segue há mais de uma década. Na União Europeia, o apoio às famílias, aos Estados e às empresas supera os dois triliões, usando instrumentos semelhantes ao dos EUA.
Dos lugares do executivo mais difíceis de hoje, estará certamente a liderança do Ministério das Finanças. Observar o que os outros países estão a fazer, sabendo que caberia ao Ministério das Finanças dinamizar acções semelhantes em Angola, mas, ao invés, observar que se mantêm as mesmas estruturas macroeconómicas, continuando-se a restringir a liquidez às empresas e ao Estado, dificultando ainda mais a refundação da economia. Não tem sentido aplicar políticas recessivas no meio de uma crise, como Angola está a fazer debaixo do comando do FMI. Sem apoios às empresas e sem um Estado com recursos para dinamizar a economia, será muito difícil alcançar a desejada diversificação da economia. Não podemos continuar em contramão com o resto do mundo. É tempo de romper com os dogmas impostos e aplicar soluções de excepção para tempos de excepção.