A embaixadora cessante dos Estados Unidos em Angola, Nina Maria Fite, que terminou a missão há quase duas semanas, destaca, nesta entrevista ao Jornal de Angola, ter havido maior aproximação entre os dois países, ao longo dos últimos quatro anos.
Quais são os principais ganhos nas relações entre Angola e os EUA durante o seu mandato?
Tivemos um bom trabalho, de trazer os dois Governos mais próximos em termos de colaboração. Vimos mais engajamento. Tivemos várias visitas de altas personalidades americanas para Angola, como o antigo secretário de Estado Mike Pompeo e o secretário de Estado adjunto, John Sullivan. Essas pessoas visitaram Angola. Também houve várias visitas de congressistas americanos. Isso traz os dois países mais próximos. Tivemos, também, mais colaboração em áreas da economia, mais companhias americanas investiram em Angola, participando em concursos públicos. Isso é importante para atrair mais investidores americanos. Também tivemos uma óptima cooperação com o Governo angolano na luta contra o tráfico de seres humanos. Angola conseguiu subir na categoria de países, agora está no estágio 2, o que é muito importante e representa o esforço que o Governo angolano fez para elevar o seu nível. Isso foi possível com a nossa colaboração também. Tivemos capacitação e treinamentos. Acho que é um óptimo exemplo que mostra como, em conjunto, conseguimos algo que seja muito bom para Angola.
Também houve visitas de personalidades angolanas para os Estados Unidos….
Do lado contrário tivemos várias visitas para os EUA, incluindo a última visita do Presidente João Lourenço, que fez um discurso e manteve um encontro de mais de uma hora com o nosso conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan. Ele teve também reuniões no Congresso, no Capitólio, com a presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, e com os comités do Senado e da Casa dos Representantes para os Assuntos Internacionais. Posso dizer, também, que vimos um aumento do engajamento americano em termos de apoio económico, por exemplo, na luta contra o HIV/SIDA, malária e apoio para mais desminagem humanitária.
Como está a implementação do Diálogo de Parceria Estratégica entre os dois países?
Relançamos o diálogo estratégico formal com a visita do secretário de Estado adjunto, John Sullivan, e depois tivemos dois diálogos sobre Direitos Humanos. Angola, comparando com outros países africanos, com a revisão da legislação, está muito avançado em termos dos direitos dos LGBT+ e isso foi notado pelo nosso Congresso, porque nota-se em comparação com os outros países africanos que não apoiam os direitos humanos desse grupo.
E em relação às outras áreas que constam da parceria estratégica?
Gostaríamos de ter o nosso diálogo de energia, que faz parte da parceria, mas isso vai acontecer logo que as medidas contra a Covid-19 forem um pouco relaxadas, porque há muito interesse nos dois lados recomeçar este diálogo. Também tivemos grandes conversas, como a conferência sobre economia com o PAC-DBA(President’s Advisory Council on Doing Bussiness in Africa), que é o Comité de Conselheiros do Presidente dos Estados Unidos sobre fazer negócios em África. O Presidente João Lourenço foi o primeiro líder africano a participar num diálogo virtual com este grupo, que é composto de pessoas que ocupam altas posições nas grandes companhias americanas que trabalham em África. Nessa altura também teve uma conversa com o nosso secretário do Comércio na época, Robert Rice.
Além das áreas que apontou, em matéria de Direitos Humanos, os EUA tem estado a apontar alguns avanços que Angola registou nos últimos anos. Esta apreciação mantém-se?
Quando o Presidente João Lourenço tomou posse prometeu mais liberdade de imprensa, liberdade de manifestação e de reunião. Acho que vimos esses avanços. Mas temos de dizer, também, honestamente, que há pessoas que temem… é ano de eleição, então sabemos o que acontece em ano de eleição. Começa a fechar ou a diminuir essas liberdades. Então, acho que o ano que vem vai ser uma grande oportunidade de o Governo do Presidente João Lourenço demonstrar que está a apoiar a liberdade de imprensa, por exemplo, ou a liberdade de manifestação.
Como avalia o papel que Angola tem tido na pacificação da região dos Grandes Lagos, em particular na RCA, na qualidade de presidente da CIRGL?
Angola, com a presidência dos Grandes Lagos, tem desempenhado um papel muito importante. Vocês, angolanos, já viveram uma guerra civil e Angola tem esta vantagem de trazer esta experiência que os outros têm que respeitar. Porque reconhecem que Angola também passou por isso e que o seu exemplo e desejo de ajudar vem de quem conhece os problemas. Pode oferecer soluções porque sabe como partilhar aquilo que funcionou aqui, de como conseguiram alcançar a paz aqui. É uma experiência muito útil para compartilhar com os outros.
Angola tem defendido o levantamento do embargo de armas ao Governo da RCA mas os Estados Unidos têm uma posição contrária….
Existe uma posição que Angola e os países da região dos Grandes Lagos tomaram. Mas todos concordamos que o melhor é ainda o cessar-fogo, que foi anunciado há pouco tempo, e isso é importante. Também todos apoiamos a ideia de que todos os grupos armados devem depor as armas e participar na unificação, senão não vai haver paz se ainda existirem grupos que querem lutar. Estamos também todos de acordo contra o papel de companhias privadas de segurança que não podem ser actores como Governos. Quem tem que participar mesmo são os Governos. Então acho que temos muitas áreas em que estamos de acordo.
Como está a promessa dos Estados Unidos apoiarem Angola no processo de recuperação de activos desviados?
Estamos a ajudar nisso. Temos um grupo de peritos do Departamento do Tesouro americano que está a dar capacitação e troca de informações com as pessoas em posições chaves nessa luta contra a corrupção. Também acho que, nesse problema da corrupção, todos os angolanos têm que participar nesta luta. Não é só ao nível do Governo, mas também das companhias que trabalham aqui. Por exemplo, tive um almoço com a Câmara de Comércio Americana em que falei para eles que todas as companhias devem continuar a demonstrar aquelas práticas de transparência e contra a corrupção. Todos temos as nossas responsabilidades. Já falei várias vezes sobre isso. Mesmo a pessoa que está a pedir “gasosa” para emitir uma certidão de nascimento ou outro documento oficial também faz parte da corrupção, num outro nível. Estamos, também, a apoiar os esforços do Governo angolano para que os bancos internacionais voltem para Angola. Vai haver, no próximo ano, consultas a nível do GAFI sobre a matéria e nós estamos a apoiar várias entidades que estão a trabalhar com o Banco Central e com os bancos comerciais, para melhorar a vigilância das transacções, sobretudo as transacções suspeitas. Como devem reagir, vigiar e tomar acções contra esse tipo de transacções, por exemplo.
Que avaliação faz dos contactos que a Embaixada tem mantido com os actores não estatais (partidos políticos e organizações da Sociedade Civil)?
Como qualquer outra Embaixada estrangeira aqui ou dos Estados Unidos noutros países, para entender melhor o que está a acontecer num país tem que falar com todos os actores. Então falamos com o Governo, falamos com a oposição, falamos com ONG, com universidades, igrejas, essas são todas pessoas que se juntam nas várias lutas contra isso ou aquilo, para alcançar um objectivo. Então, temos que entender exactamente o que está a acontecer com essas pessoas, para ver também como podemos apoiar. Por exemplo, temos bolsas para grupos que estão a tentar melhorar a sua vida num local, por exemplo, os refugiados, mulheres camponesas. Há muitos desses grupos que também são essenciais para o desenvolvimento do país.
Os EUA têm programas específicos de apoio aos vários agentes eleitorais, numa altura em que país já cria as condições para a realização das próximas eleições gerais?
Sim. Temos vários fundos que apoiam grupos a prepararem-se para as eleições, por exemplo, em matéria de educação cívica ou outras. Por exemplo, neste momento, estamos a procura de projectos para apoiar. Também temos fundações americanas como o NDI (Instituto Democrático Nacional) e IRI (Instituto Republicano Internacional) que costumam observar eleições. Gostaríamos muito que eles viessem para observar as eleições, tanto quanto outro grupo que vier para observar os avanços aqui no país. Nos Estados Unidos todos sabemos que podemos fazer melhor. Já tivemos vários episódios na história americana pós-eleições. Acho que todos aprendemos com a observação de eleições em todos os países.
Que balanço faz dos programas de bolsas de estudo e intercâmbio entre os dois países?
Com a pandemia, tivemos que diminuir o número, não quer dizer que diminuímos o número de bolsas de estudo, mas não havia possibilidade de as pessoas viajarem da mesma maneira. Mas isso já está a mudar. Temos bolsas que continuamos a procurar candidatos. Por exemplo, temos as nossas bolsas Fulbright e quando abrimos as inscrições ficamos lotados de pessoas a querer ir para os Estados Unidos. Temos este tipo de bolsa formal, temos outras, como o programa de Yale, que são líderes jovens africanos. Além desses, temos muitos outros. A pandemia também nos mostrou o quanto podemos fazer pela Internet. No ano passado, fizemos um curso de literacia digital com mais de mil estudantes. Falei com as pessoas no Soyo, ao darmos alguns certificados a alguns finalistas e vimos que estamos a utilizar todos os avanços, tivemos que abraçar esses avanços e no final capacitamos mais pessoas por via virtual do que se tivesse sido presencial. Continuamos também a trabalhar com as mediatecas. Então, temos programas de alto nível, de universidades, de mestrados, além dos outros programas de certificações. Também queremos reforçar os programas para o ensino do inglês porque sabemos que o domínio do inglês é muito importante para os angolanos que queiram não só ir aos Estados Unidos como para interagir melhor com os restantes países da SADC, porque todos os vizinhos de Angola ao Sul falam inglês, como língua franca. Mais de seis mil pessoas, durante os últimos anos, participaram em programas americanos. Estamos a fazer muito com os nossos alunos para que eles também sejam multiplicadores de experiências e partilhar com os outros aquilo que aprenderam nos Estados Unidos.
Como vê a maneira que as autoridades angolanas estão a lidar com a situação do combate à pandemia da Covid-19?
Estou feliz que a onda actual da variante Delta da Covid-19 está a diminuir em Angola. Isso é muito bom. O Governo angolano tomou medidas difíceis desde o início e acho que isso ajudou a limitar a transmissão da Covid-19 em Angola. Também agora vê-se que a campanha de vacinação está a ser muito bem conduzida. O decreto também que obriga as pessoas a tomarem a vacina é importante para que as pessoas vivam melhor, porque com a vacina as pessoas têm mais resistência, não estão a morrer nem a internar no hospital, enquanto que quem não tem a vacina corre mais risco.
Os EUA têm sido muito activos no apoio em vacinas contra a Covid-19 para outros países, incluindo Angola. Esse apoio vai continuar?
Falando nos esforços do Governo americano, com o lote que chegou no dia 31 de Outubro, no aeroporto, estamos com mais de 3.4 milhões de doses da Pfizer que o Governo americano já doou a Angola. Também em termos de preparação, Angola é um dos poucos países em África que tem capacidade para a vacina da Pfizer, que exige temperaturas muito mais baixas para a conservação. Por causa disso, Angola está a ter esse sucesso em receber mais vacinas. Quando vimos mais de cem mil pessoas a serem vacinadas, isso alegra todo o mundo por estar a ver este progresso. O Governo Biden/Harris prometeu ajudar o mundo na luta contra a Covid-19 e já doamos mais de 200 milhões de doses de vacina a nível global, sendo 45 milhões para África. Além da doação de vacinas, tivemos mais de 5 ou 6 milhões de dólares em apoios diversos, por exemplo, para treinamento de técnicos de laboratório, fortalecemos os laboratórios, trabalhando em conjunto com o Ministério da Saúde. Tivemos uma colaboração fantástica com o Ministério da Saúde. Quando falo em colaboração angolano-americano acho que esta é uma das áreas em que conseguimos alcançar mais objectivos por causa da maneira como estamos a trabalhar em conjunto. Ajudamos também em campanhas de sensibilização para as pessoas tomarem a vacina e doamos um hospital de campanha para o tratamento da Covid-19.
Notou-se um claro distanciamento da Administração americana anterior com África, mas com a actual Administração do Presidente Biden nota-se, também, ainda um distanciamento com o continente africano. O que tem a dizer sobre isso?
Não concordo com isso. O Presidente Joe Biden, logo que entrou em funções, nas primeiras duas semanas, gravou uma mensagem para os líderes da União Africana que estavam na reunião anual da organização. É preciso lembrar, também, que no contexto em que vivíamos há sete/oito meses, com pouca vacinação, as pessoas não estavam a viajar. Então houve esse tipo de diálogo virtual. Foi uma das prioridades dele. Também na última reunião do G20, em Roma, Itália, o Presidente Biden falou com o Presidente da RDC, Felix Tchissekedi, na qualidade de presidente da União Africana. E falaram de assuntos relacionados com a União Africana. Temos a nova secretária de Estado assistente para os Assuntos Africanos, Mary Phee, que só tomou posse ainda nem fez um mês e mesmo assim já viajou para África. Vamos ter mais visitas de líderes americanos a África.
Durante o tempo da sua missão em Angola o que é que lhe marcou mais?
O calor humano dos angolanos. É um povo fantástico. Isso é coisa que vou levar comigo quando deixar o país. Também a beleza que existe em Angola, um dos mais bonitos países que já vi. Essas são as coisas que levo comigo. Também levo o progresso que o país está a ter. Estive cá há 17 anos e tenho essa comparação na minha cabeça e não há comparação entre o país de 2005 e 2021. Temos sempre que lembrar e tomar, como dizemos em inglês, “the long game”. Temos que ver no espectro, não pode ser só no momento em que estamos. Lembro que quando estive cá, em 2005, andava-se de carro de um lugar para o outro, mas não se podia sair da estrada por causa do perigo de minas. Hoje isso já não acontece. Temos províncias que estão quase a ser anunciadas como livre de minas, isso é uma coisa fantástica. Temos que reconhecer isso. Outras coisas que vou levar comigo… Tem tantas coisas… Mesmo aqui sentados no jardim, temos a música dos pássaros e o povo angolano é muito musical também. Gosto muito da comida angolana. Como se diz, “se beber do rio Bengo você sempre vai voltar para Angola”, então tento seguir esta regra.
Depois de Angola, qual é a sua próxima missão?
Apesar de já estar cá há quase quatro anos, a minha saída foi um pouco repentina. Estamos a espera da confirmação do meu sucessor, o embaixador Tulinabo Salama Mushingi , que actualmente é o nosso embaixador no Senegal. Mas, como sabe, todos nós temos que passar por um processo no Senado americano. Então era previsto que ficasse até que ele fosse confirmado. Mas eu vou ocupar uma posição nos nossos Recursos Humanos “Global Talent Management”, no Departamento de Estado. Vou ser a número dois dessa divisão do Departamento de Estado, que inclui todas as embaixadas e as pessoas que trabalham lá, tanto diplomatas como os locais. Por enquanto eu vou ser a interina. É por isso que fui chamada porque a pessoa que estava lá foi chamada para outra missão e então é preciso que eu vá para assegurar essa divisão. Mas fico feliz porque vou deixar a Embaixada e as relações bilaterais nas mãos de Grega Segas, que vai ser o encarregado de negócios e é, actualmente, ministro conselheiro. Fala muito bem o português, conhece bem o país e acho que vai continuar a levar todos os nossos assuntos para frente com o Governo e o povo angolano.
Factos Sociais recentes em números do apoio dos EUA a Angola
• Covid-19: Aproximadamente três milhões e meio de doses da vacina Pfizer doados a Angola. Até à data, o apoio dos EUA ao combate à COVID -19 está avaliado em 2.4 milhões de dólares – isto representa o reforço de laboratórios, formação técnica e também a doação de um hospital de campanha no Soyo.
• Malária: Iniciativa do Presidente dos EUA contra a Malária, o maior programa financiado pelo Governo dos Estados Unidos em Angola, disponibiliza 19 milhões de dólares anuais.
• VIH/SIDA: Em Benguela, Cunene, Huambo e Lunda-Sul, o Plano de Emergência do Presidente para o Alívio da SIDA (PEPFAR) doou mais de 13 milhões de dólares para combater o VIH/SIDA, com especial atenção para a prevenção da transmissão de mãe para filho. Este foi o primeiro ano que foram fornecidos os medicamentos anti-retrovirais directamente às instalações sanitárias provinciais.
• Desminagem: Desde 1995, os Estados Unidos são o maior doador para a desminagem de Angola. Investindo mais de 149 milhões de dólares para remover minas terrestres e munições não detonadas e devolver terras aos angolanos, onde possam viver, trabalhar e brincar.
• Educação e Intercâmbio: Mais de 6.000 angolanos beneficiaram de bolsas de estudos de diversos formatos, e há mais de 1200 angolanos a estudar nos Estados Unidos nos últimos quatro anos. Capacitou-se mais de 250 jornalistas em Angola e nos Estados Unidos nos últimos quatro anos.