O ativista angolano Rafael Marques defende uma auditoria forense à divida contraída com a China e uma eventual renegociação dos empréstimos alegadamente baseados em negócios corruptos, como os que envolvem a Sonangol e o ex-vice-Presidente Manuel Vicente.
Num artigo coassinado com o investigador e especialista em política internacional Thomas j.Duesterberg, Rafael Marques aponta os elevados custos da divida “odiosa” contraída com a China e pede uma auditoria forense defendendo que, por cautela, Angola não deve assumir novas dividas com a China.
“É considerada dívida odiosa a que foi contraída contra os interesses do Estado e em benefício de interesses próprios”, escreveu.
O ativista e jornalista angolano, diretor do site de investigação e denúncia Maka Angola, participa hoje numa conferência do Hudson Institute, em que será abordado o tema da influência da assistência financeira da China na corrupção em Angola.
O texto aborda a recente visita do ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Qi Gang, a Angola em janeiro com uma “prenda”, um empréstimo de 250 milhões de dólares (233 milhões de euros) para ajudar Angola a desenvolver a tecnologia de banda larga e para revisitar alguns “recentes presentes financeiros” de origem chinesa “que se revelaram tóxicos”.
Aborda ainda a “armadilha” da dívida nos países africanos, invocando casos de ‘default’ como a Zâmbia e questiona se Angola terá estudado suficientemente os riscos do novo crédito, sobretudo no que diz respeito ao envolvimento de empresas chinesas de telecomunicações “que quase sempre trazem o custo escondido da espionagem industrial”.
“Existe uma ameaça potencial para a segurança nacional de Angola se a sua estrutura avançada de telecomunicações estiver afinal sob controlo chinês”, questiona no artigo, apontando também as repercussões sobre as relações com os EUA que “Angola está desesperada por aprofundar”.
Mas sobretudo questiona a necessidade de contrair nova dívida com a China “já que Angola não tem um passado favorável no que diz respeito à gestão e serviço da dívida estrangeira”, tendo recorrido ao FMI há três anos.
“Os empréstimos da China a Angola estão frequentemente envolvidos em obscuridade e controvérsia que o Governo atual deve ser cauteloso em aceitar mais”, refere no artigo, indicando estimativas do site Maka Angola segundo as quais metade do dinheiro que Angola deve à China não foi usado em projetos públicos e acabou em contas privadas.
“Este fenómeno é conhecido como dívida odiosa, em termos legais” pelo que os governos seguintes “não devem suportar o fardo de pagar a divida odiosa, sobretudo se os credores foram alertados para os negócios ilegais previamente”, escrevem os autores.
“Isto não é um apelo ao não-pagamento da dívida em geral da China ou de outro país”, clarificam, pedindo antes uma renegociação ou alívio da dívida que tenha sido contraída através de negócios corruptos.
Angola é o maior cliente africano de Pequim, a quem deve 21 mil milhões de dólares (19,6 mil milhões de euros), cerca de 40% do stock de toda a dívida estrangeira e que consome quase metade do orçamento do Estado angolano.
“Mas o pior é que a divida existente está ligada à história recente de corrupção e captura do Estado angolano”, dizem no artigo, apontando o caso que envolve o China Investment Fund, o ex-vice-Presidente angolano e ex-patrão da petrolífera estatal Sonangol, Manuel Vicente, na mira da justiça angolana.
Manuel Vicente, número dois de José Eduardo dos Santos entre 2012 e 2017, terá ajudado e beneficiado dos negócios dos generais angolanos ‘Kopelipa’ e ‘Dino’ com empresários chineses, nomeadamente Sam Pa (preso em 2015) desviando dinheiro através das empresas estatais para contas pessoais.
Segundo a acusação do Ministério Publico, conhecida no ano passado, cerca de 1.500 milhões de dólares (1,4 mil milhões de euros) de supostas vendas de petróleo nunca entraram nos cofres do Estado angolano.
O artigo chama a atenção para o facto de os EUA, alinhados com Angola, terem imposto sanções aos dois generais, mas deixaram de fora Manuel Vicente, apontando a “falta de imparcialidade” ligada também à luta contra corrupção em Angola e sublinhando “o papel de Vicente em estabelecer um Estado corrupto”.
“Angola ainda está a descobrir os esquemas e a pagar o preço”, lê-se no mesmo texto, em que se mencionam 10 mil milhões de dólares (9,33 mil milhões de euros) de capital chinês que foi enviado para a Sonangol (sem registo dos fins para que foi usado) em 2016 e está registado como dívida publica, coincidindo com o período em que Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, liderava a petrolífera.
No que diz respeito a uma eventual renegociação, no artigo sublinha-se que em 2015, ano em que Sam Pa foi detido, as autoridades chinesas já tinham informação sobre as transferências ilícitas que estavam a ser feitas, disfarçadas de empréstimos entre estados.
“Angola e China têm a obrigação de reavaliar a situação”, realçam no documento, prosseguindo: “é do interesse do Governo angolano não assumir mais dívida pública com a China antes de uma auditoria forense e no caso de esta revelar, como suspeitamos, que haja dívida odiosa do antigo regime altamente corrupto, os líderes dos dois países devem considerar a renegociação da dívida”.
Os autores sugerem ainda que as Nações Unidas analisem o tema criando um consenso sobre a melhor forma de lidar com a dívida odiosa à luz da lei internacional.
O texto termina com um recado ao Governo angolano, lembrando que o Presidente Joe Biden não concedeu uma audiência a João Lourenço na cimeira EUA-Africa nem a secretária do Tesouro norte-americana, Janet Yellen, “o honrou com uma visita este ano”.
“Na ausência de posições claras de Angola, os analistas de política internacional começam a questionar se tal como ziguezagueia noutras políticas nacionais, o Presidente João Loureço não consegue escolher qual a melhor política para o seu país e o seu povo”, concluem.
O Hudson Institute é um centro de pesquisa dedicado a analisar de temas económicos e políticos e relações internacionais.