Vladimir Putin estará por Donald Trump (e pela confusão e divisão), Xi Jinping prefere Biden, Ali Khamenei também. Não é só especulação ou análise política: o interesse da Rússia, China e Irão na eleição americana está documentado pelos serviços de contrainformação americanos. Porque quem toma partido pode querer interferir – e isso já pode ser uma ameaça. São os que terão maior capacidade de intervenção – mas não os únicos a seguir atentamente o que se passa nos EUA.
Vladimir Putin, por Trump
Podia supor-se que o Presidente russo prefere Donald Trump – afinal foi assim em 2016, mas é mais do que suposição. A preferência está retratada num documento oficial tornado público pelo diretor do Centro Nacional de Contrainformação e Segurança americano, William Evanina: “A Rússia está a usar um conjunto de medidas para em primeiro lugar denegrir a candidatura do ex-vice-presidente Biden e o que considera o establishment anti-Rússia.”
Os russos criticaram o papel de Biden nas políticas de Barack Obama para a Ucrânia e o apoio à oposição anti-Rússia. Os serviços secretos identificam Andriy Derkach, um parlamentar ucraniano pró-russo, como responsável pela difusão de alegações de corrupção destinadas a atingir Biden e o filho. E apontam ainda aos “agentes ligados ao Kremlin” que promovem Trump nas redes sociais e na televisão russa. Nada de novo.
Ainda assim, os serviços americanos acreditam que uma interferência em larga escala no processo eleitoral, à 2016, “seria difícil”. Mas o relatório também deixa claro que há uma situação de “ameaça” e, mais, que estes sinais exteriores são apenas o que pode vir a público para já.
Xi Jinping, o anti-Trump
Pequim vê Trump como “imprevisível” e guardou rancor do “vírus chinês” (expressão do Presidente americano). E não quer que ele ganhe as eleições. A guerra comercial, a guerra de palavras ou a nova guerra fria como alguns já lhe chamam são tão abertas que não seriam precisos os serviços de informações para o confirmarem. Mas estes também o fizeram e avaliam os recentes pontos de fricção: a disputa legal em torno da aplicação chinesa Tik Tok, a batalha legal em torno do estatuto legal do mar do Sul da China, a luta (com projeção para dezenas de países) em torno da tentativa de domínio chinês da tecnologia 5G… Até Trump já comentou, “é claro que querem o Biden”…
O Stanford Internet Observatory elencou “brigadas de comentadores, perfis falsos nas redes sociais” com ligações à China. Mas os serviços secretos consideram que a China vai “pesar os riscos e benefícios” de uma ação agressiva, ao estilo russo de 2016.
Ali Khamenei, Trump não
Curiosamente, o Irão é o alvo que mais parece preocupar a intelligence. Assume-se sem pejo, por exemplo, que o Irão pode pretender “minar as instituições democráticas americanas” e “dividir o país”, através de esforços de influência online, “espalhando desinformação nas redes sociais e fazendo recircular propaganda antiamericana” – os métodos clássicos. Os americanos leem a posição de Teerão como simplesmente anti-Trump, de quem, se reeleito, esperam apenas a continuação “da pressão para fomentar uma mudança de regime”. A Microsoft identificou hackers com ligações à Rússia, China e Irão em tentativas de espionagem a figuras das eleições americanas – não especificou quais. Mas, sobre o Irão, indicou que um grupo denominado Phosphorus tentou entrar em contas da Casa Branca e da campanha de Trump entre maio e junho.
Nicolas Maduro, contra os imperialistas
Poder-se-á supor que prefere Biden, dado o historial recente de péssimas relações com Trump e até a detenção de dois americanos, acusados de tentar orquestrar um golpe para apear Maduro. Este acusou aliás a administração Trump (e também a União Europeia) de “sabotar as eleições parlamentares” de 6 de dezembro. Trump recebeu Juan Guaidó na Casa Branca e reconheceu-o (e Biden também) como Presidente interino da Venezuela. Trump endureceu as sanções contra a Venezuela, Biden garante mantê-las, a única diferença é que admite estender aos venezuelanos o estatuto de TPS (Temporary Protected Status, ou estatuto de proteção temporária).
Mas ainda assim seria arriscado dizer que preferira Biden. O candidato democrata disse ainda esta segunda-feira que Maduro é um ditador. Maduro dissera a semana passada: “Se Trump ganhar as eleições, enfrentá-lo-emos, se ganhar Biden, também.”
Kim Jong-un, contra o “cão” Biden
Há muito que Biden usa politicamente a abertura de Trump face à Coreia do Norte. O ano passado, quando Biden acusou Trump de abraçar tiranos e ditadores, referia-se ao líder norte-coreano, um “bandido que escreve cartas de amor” (e também a Putin). A escalada verbal anti-Biden com que a Coreia respondeu foi assinalável. Vejamos: o democrata mais não é do que um “tolo”, com “baixo QI” e um “imbecil desprovido de qualidades elementares como ser humano”, tudo isto segundo a agência oficial coreana, a KCNA.
Ainda ficou uma ameaça: “Ninguém que ouse provocar o líder supremo da República Popular Democrática da Coreia”, que “fará [Biden] “pagar por isso”. Não foi uma distração. Com meses de intervalo, a agência voltou à carga para fizer que Biden é um “cão raivoso” que “deve ser espancado até à morte com um bastão”. Quando Trump adoeceu, Kim enviou uma mensagem (ainda segundo a KCNA) desejando rápida recuperação e com “calorosas saudações”. Não é pouca coisa. Os atentos sul-coreanos notaram que foi uma estreia: nenhum outro líder mundial afetado com Covid-19 lhe merecera esta atenção.
Texto da Revista Sábado