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Empresários e trabalhadores portugueses em Angola admitem “regresso a Portugal” devido à falta de divisas

Atrasos nas transferências de salários e dificuldades de pagamentos devido à falta de divisas prejudicam empresários e trabalhadores portugueses em Angola, que se queixam dos constrangimentos e impacto sobre os negócios, admitindo até o regresso a Portugal.

Marta S., funcionária de uma seguradora, disse à Lusa que aguarda há três meses pela transferência dos seus salários de novembro, dezembro e janeiro, com poucas ou nenhumas explicações por parte do banco.

“Vou insistindo, mas dizem sempre o mesmo, que não têm divisas, ou nem dão satisfações aos clientes, sou eu que tenho de andar atrás deles”, lamenta.

Para contornar o problema está já em fase de abertura de uma nova conta noutra instituição bancária, como fazem muitos dos seus colegas, que diversificam as contas bancárias para conseguirem retirar o dinheiro.

“Quem tem as empresas (entidade patronal) a tratar das transferências tem mais força do que quem atua de forma individual, como é o meu caso, esses têm menos problemas”, disse à Lusa.

Marta S. está em Angola desde outubro de 2022, mas diz que só começou a sentir dificuldades nos últimos meses.

Sem despesas elevadas em Portugal, Marta não tem sido particularmente afetada pelos atrasos nas transferências, mas admite que a situação a impede de pedir um financiamento bancário.

“Nesta altura não me arrisco a pedir um empréstimo, porque teria medo de não o conseguir pagar”, confessou, adiantando que alguns bancos em Portugal começam também a ficar reticentes.

“Disseram-me que os bancos estão a retrair-se na concessão de crédito a pessoas que estão em Angola porque já sabem como está a situação”, comentou, indicando que, em alguns setores, como no ensino “há pessoas para quem já não está a compensar estar em Angola”.

Maria B., que trabalha em Luanda há oito anos, também se debate com dificuldades.

“Eu já sei que isto acontece e vou gerindo o meu ‘plafond’ em Portugal de forma a suportar as minhas despesas, mas não é o ideal. Se trabalhamos todos os meses, deveríamos receber todos os meses”, disse a emigrante portuguesa de 47 anos, que trabalha numa firma comercial.

Maria B. acredita que os bancos “jogam” também de acordo com a importância que atribuem aos seus clientes, gerindo as divisas da forma que mais lhes convém.

“Dizem-nos que não conseguem fazer as transferências porque não têm moeda estrangeira. E nós aguentamos. Eu recebo em kwanzas e tenho de transferir o salário para Portugal, mas eles transferem quando querem”, disse, acrescentando que o problema não se coloca da mesma forma se forem as empresas a transferirem os salários dos seus trabalhadores.

“Quando são as próprias empresas a tratar do processo, funciona mensalmente”, frisou.

Maria disse que apenas na semana passada conseguiu que fossem transferidos os seus últimos quatro ordenados que estavam retidos desde setembro: “Saíram as quatro transferências seguidas”.

Destaca que é com esse dinheiro que paga as suas contas em Portugal e que é esse precisamente o objetivo de estar em Angola, a par de alguma poupança.

O que neste momento, nem todos conseguem.

“Conheço algumas pessoas nessa situação. Há pessoas que se foram embora porque não estão a conseguir gerir as coisas devido a estes atrasos, outros estão a pensar ir embora porque acham que já não vale a pena”, observou.

Para Maria, trata-se de uma questão económica, mas também política, sublinhando que a situação melhorou em 2022 – ano de eleições – para voltar a piorar no ano passado, sobretudo a partir do mês de agosto, depois de o kwanza ter sofrido uma desvalorização acentuada.

Um empresário português ligado ao setor dos equipamentos industriais queixou-se também das dificuldades na obtenção de divisas e do impacto sobre o negócio, estimando que terão diminuído a faturação global no ano passado em 10%.

Manuel F., cuja empresa depende totalmente das importações, adiantou que, só para entrega de mercadoria aos clientes necessitaria de ter disponíveis 2,5 milhões de euros por mês (o valor que necessitaria atualmente de transferir), mas a disponibilidade não tem ultrapassado cerca de meio milhão de euros desde o início do ano.

“Temos estado a atrasar as entregas e já tivemos casos de encomendas canceladas. São negócios que perdemos”, lamentou, salientando que as instituições financeiras se queixam da falta de divisas.

O Banco Nacional de Angola (BNA), que colocou no mercado 300 milhões de dólares, rapidamente absorvidos na semana passada, confirmou que as disponibilidades são inferiores ao que existia até meados do ano anterior.

O Governador do BNA, Tiago Dias, disse, no entanto, que os bancos têm estado a comprar divisas, pelo que não se justifica que não disponibilizem moeda estrangeira aos seus clientes.

Felizmente, para Manuel F., a empresa trabalha com a maioria dos seus fornecedores há bastante tempo, o que tem permitido “algum crédito” para adiar os pagamentos.

De resto, como muitos outros, empresários e assalariados expatriados, o gestor vai “saltitando” entre as seis contas bancárias da empresa para conseguir obter as tão necessárias divisas.

A transferência ainda por fazer com data mais antiga, no valor de 70.000 euros, foi pedida em 13 de setembro de 2023, para uma conta de Portugal, exemplificou. “É uma vida de pedinte”, desabafou.

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