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EUA: “Angola é um estado autocrático”. Eis como Isabel dos Santos se defendeu do arresto dos bens em Portugal (que se mantém)

A filha de José Eduardo dos Santos argumentou no Tribunal da Relação de Lisboa que está a ser perseguida. Os juízes classificaram o recurso como “pertinente”, mas mantiveram o arresto dos seus bens em Portugal.

“Angola é um Estado soberano, pode declarar-se um Estado de direito, pode afirmar-se uma democracia, mas é um estado autocrático, subordinado à força de um ‘partido quase único’, que domina a máquina do poder penal, militar e administrativo do Estado a seu bel-prazer, e em que ainda hoje tem dificuldade em lidar com a existência das oposições e a liberdade de imprensa.”

O tom acusatório já foi usado muitas vezes e ao longo dos anos por diversos opositores do regime angolano, mas a grande surpresa é que seja agora Isabel dos Santos, filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos (o político que mandou em Angola entre 1979 e 2017) a esgrimir o argumento na justiça portuguesa para tentar quebrar a decisão do arresto de bens que a visa há largos meses a pedido das autoridades de Luanda. Em causa estão diversos processos contra Isabel dos Santos (e outros alvos) por alegadamente ter defraudado o Estado angolano em mais de mil milhões de euros.

A referência à defesa surpreendente de Isabel dos Santos consta num acórdão com 104 páginas do Tribunal da Relação de Lisboa a que a SÁBADO teve acesso. Datada de 18 de maio passado, a decisão do tribunal superior manteve na prática o arresto decretado pelo Ministério Público (MP) e pelo juiz de instrução Carlos Alexandre.

No documento, o advogado Paulo Saragoça da Matta, surge a usar argumentos como este: “(…) é o estado quem comanda tudo, da economia à indústria, da administração à política e, principalmente, da imprensa à justiça, se esse for o caminho necessário para atingir os fins pretendidos”. E vai mais longe salientando que “é indiscutível” que Angola “não é um Estado de direito democrático em que vigore a due process of law e o princípio dos fair trials”.

Para impedir o cumprimento da carta rogatória e o arresto de bens, a defesa de Isabel dos Santos garantiu que nem sequer teria sido aprovado por Luanda a Convenção da CPLP, especificou que não existe a figura do arresto na legislação penal angolana e juntou até estudos e dados de organizações internacionais (como a Transparência Internacional), além de artigos e entrevistas de magistrados, académicos, advogados, políticos da oposição e jornalistas, para vincar que Angola é tudo menos uma democracia – o advogado fez até uma referência a uma denúncia pública da jornalista Ana Leal sobre alegadas pressões políticas de Angola para impedir a transmissão de uma reportagem na TVI.

Garantindo que decorre em Angola uma alegada perseguição aos filhos de José Eduardo dos Santos, e a todos aqueles com quem se relacionam, o advogado escreveu que a “justiça de Angola mostra amiúde ser uma das armas usadas pelo poder político para perseguir e derrotar os seus opositores políticos” – e deixou registado que publicamente chegou a falar-se que Isabel dos Santos “poderia vir a candidatar-se ao cargo de Presidente da República de Angola”.

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Depois de acusar o MP e o juiz Carlos Alexandre de cumprir a rogatória de forma acrítica, Saragoça da Matta alertou para o facto de a empresária estar sob investigação em, pelo menos, “cinco processos penais pendentes” em Portugal e concluiu que o arresto de bens da cliente a pedido do Estado angolano podia prejudicar “a República Portuguesa e os interesses financeiros desta última”. E ainda criticou o facto de Portugal ter arrestado “100% de todos os bens, fundos e posses” da cliente, dizendo que isso colocava em causa o seu exercício de defesa nos dois países.

No sucinto recurso para a Relação que também consta no acórdão, o MP destacou o rol de crimes de que a empresária é suspeita em Angola, disse que não lhe cabia tomar decisões com base em especulações sobre o quadro legal angolano, frisou que para Portugal a convenção da CPLP se encontra em vigor e avisou que os processos portugueses só ao MP dizem respeito. E ainda deixou um recado, lembrando que Isabel dos Santos nunca exerceu sequer funções políticas, mas que a ascendência da arguida, citada na rogatória, “só assume relevância porque facilitou a prática dos ilícitos que lhe são imputados”.

Finalmente, o MP diz que Isabel dos Santos não fez prova de ter todos os bens arrestados, mas lembrou-lhe que, caso não tenha meios para pagar a sua defesa, poderá sempre requerer a “concessão de apoio judiciário”. Na prática, poderá ser defendida por um advogado pago pelo Estado português. Algo que o MP não julga ser necessário, uma vez que a empresária tem exercido o direito de defesa – dela e das empresas – com sucessivos requerimentos de ilustres advogados como Saragoça da Matta, Barroso Neto e Germano Marques da Silva.

Segundo o acórdão assinado pelos juízes desembargadores Ana Sebastião e João Simões de Carvalho, todas as questões colocadas pela defesa de Isabel dos Santos – os juízes reconheceram-lhes “pertinência e relevância” – deviam ter sido colocadas em primeiro lugar ao Ticão e ao juiz de instrução Carlos Alexandre. E, como isso não aconteceu, a Relação de Lisboa nem sequer poderia… pronunciar-se.

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