Angola registou, no último ano, 4.221 casos de violação sexual de menores, com idades até aos 14 anos, que afetaram principalmente meninas, de todos os estratos sociais, em todo o país, informaram hoje as autoridades.
Segundo o diretor-geral do Instituto Nacional da Criança (INAC), Paulo Kalesi, o número avançado refere-se a desde junho de 2020, período que completou um ano de criação da linha SOS Criança, apresentado como instrumento de denúncia e mecanismo facilitador para que crianças e adultos denunciem más práticas contra menores.
Paulo Kalesi, que falava à margem de um encontro com parceiros da sociedade civil no âmbito do Dia da Criança Africana, sublinhou que o número de denúncias registado não demonstra a realidade da situação.
“Temos noção de que alguns casos não chegam ao nosso conhecimento”, disse Paulo Kalesi, revelando que parte das denúncias vêm das próprias crianças e outras dos vizinhos.
“Há aqui uma maior consciência de que temos de denunciar. O nosso trabalho está a surtir efeito, é um trabalho abrangente, incluindo os órgãos de comunicação social”, realçou o responsável.
O diretor-geral do INAC garantiu que os registos indicam que as meninas são as principais vítimas, contudo, há rapazes também a serem abusados.
“No domingo tivemos dois casos no SOS de dois rapazes que foram abusados”, informou Kalesi, salientando que as crianças sofrem abusos em idades até aos 14 anos, sendo que um dos casos denunciados, no município do Cazenga, no bairro da Terra Vermelha, em Luanda, é de uma vítima de 6 meses.
A situação afeta todo o país, prosseguiu Paulo Kalesi, destacando que Luanda, a capital de Angola, devido ao maior número da população e bairros periféricos, lidera os casos, com maior incidência para os municípios de Cacuaco, Viana, na centralidade do Zango.
“É aí onde temos números elevados que chegam ao nosso conhecimento”, frisou, manifestando preocupação com o facto de os casos acontecerem com maior frequência no seio familiar.
“O que nos preocupa hoje é que os pais, a família, devem e ainda são o lugar onde a criança deve ser protegida por excelência, infelizmente, é na família onde temos mais casos de crianças violentadas sexualmente”, afirmou.
O trabalho de prevenção e combate do INAC tem sido direcionado às famílias, para se encontrar formas de mudar o atual quadro preocupante.
“Evitar que mais crianças sejam vítimas e, sobretudo, que os parceiros não tenham receio de denunciar, porque há casos em que as próprias crianças é que denunciam, mas a mãe até sabe, só não quer denunciar o seu parceiro”, salientou.
De acordo com Paulo Kalesi, até agora não foi ainda possível traçar-se o perfil dos abusadores em Angola, porque o fenómeno atinge todos os estratos sociais, anunciando que está em curso um estudo, cujos resultados deverão ser apresentados em março do próximo ano.
“Nos nossos dados, temos pessoas formadas e não formadas, licenciados e não licenciados, autoridades religiosas, tradicionais, os pais com doutoramento, os pais sem doutoramento, delinquentes e não delinquentes, nós estamos a fazer um estudo, uma pesquisa, que vamos apresentar em março do próximo ano”, sublinhou.
A secretária de Estado para a Família e Promoção da Mulher, Elsa Barber, ao abordar no encontro o tema sobre a situação da violência sexual em Angola, disse que, só no primeiro trimestre deste ano, foram registadas 581 denúncias na linha SOS Crianças, das quais 130 eram referentes a violações sexuais de menores.
Elsa Barber admitiu que ainda se verificam famílias e pessoas abusadas com receio de denunciarem quer por via anónima, através do SOS Crianças, presencialmente ou por órgãos de justiça, por vários tabus.
“O que acontece na nossa sociedade é que há uma honra que deve ser preservada da menina em vários círculos da sociedade, há o estigma dos vizinhos e das pessoas próximas”, apontou.
Por sua vez, o representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) defendeu a necessidade de se colocar este problema no centro das atenções da sociedade e a partilha de informação sobre o real estado da situação.
“É muito importante partilhar informação, partilhar dados, os números. Agora temos números da linha 1515 (SOS Criança), é importante. Há um ano ou dois não tínhamos essa informação, mas agora temos e agora sabemos que possivelmente 10, 15, 20 meninas são abusadas sexualmente por dia”, declarou Ivan Yerovi.
O representante da Unicef considerou que quando apenas um caso for divulgado e capa de jornais, o país estará a caminhar para o ponto certo.
“Mas agora não, temos 10, 20 casos por dia, temos mil denúncias, 5.000, 50.000 denúncias, e possivelmente só os que trabalham no âmbito social, da criança angolana, conhecem esses dados, mas acho muito importante a consciencialização das pessoas”, advogou Yerovi.