Membros da sociedade civil angolana consideraram hoje que a atual “composição partidarizada” da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), a lei eleitoral e a gestão do registo eleitoral “indiciam fraude”, porque “não garantem independência, transparência, e lisura no processo”.
Para o ativista cívico e docente José Gomes Cheik Hata, a CNE angolana “deveria ser um órgão independente, mas não o é, sobretudo pela sua composição excessivamente partidária e comandada pelo partido governante”.
“Quer dizer que a maioria dos deputados que o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola, no poder desde 1975) tem no parlamento também se reflete na CNE e aí não há qualquer independência”, afirmou hoje o ativista, durante um debate sobre “Fraude Eleitoral – Como o Povo Pode Combater”.
Segundo o ativista do conhecido processo 15+2, em que um grupo de ativistas foi preso em Luanda, em 2015, acusados pelo “crime de atos preparatórios para a prática de rebelião”, o atual órgão do Governo encarregue na gestão do registo eleitoral “indicia fraude”.
“Outros elementos que expõem a fraude é o controlo do núcleo essencial do voto, esse núcleo essencial ocorre nas assembleias de voto, e aí não há fiabilidade”, apontou Cheik Hata, um dos oradores no debate promovido hoje, em Luanda, pelo Observatório da Imprensa.
Um dos organizadores e oradores ao certame, Dito Dali, defendeu a alteração da atual composição da CNE, afirmando que o atual presidente do órgão, Manuel Pereira “Manico”, eleito em 2019, no meio de protestos, “não goza de credibilidade e idoneidade moral”.
Dito Dali fez saber que o debate visa envolver toda a sociedade civil de modo a se “encontrar estratégia de como travar a fraude eleitoral em 2022”, considerando que “sem alternância política Angola nunca terá o rumo do desenvolvimento”.
“Daí que nós entendemos que para a remoção do regime no poder é necessário que haja uma CNE independente, cuja composição deve integrar membros da sociedade civil, igrejas, sindicatos e outros”, disse, em declarações aos jornalistas.
Angola, afirmou o ativista, “é o único país da SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral) onde a CNE está partidarizada entre partidos na oposição e o partido que sustenta o Estado e é muito discriminatório a nível da representatividade política”.
A sociedade civil “deve estar representada na CNE”, defendeu Dito Dali, para quem é necessário que haja pressão e a definição de estratégias de como se combater a fraude.
Mas, o primeiro passo, realçou, é não “permitir que se vá às eleições com uma lei eleitoral armadilhada” e para isso é preciso “pressionar que haja reforma na legislação eleitoral, reforma na composição da CNE”.
Já o politólogo Olívio Nkilumbu assinalou a relevância das reflexões sobre os processos eleitorais em Angola, afirmando ser possível “por via de um controlo chegar-se à verdade eleitoral por via de um concurso de todas as forças vivas do país”.
“E por esta via se conseguir não só controlar, mas desencorajar a fraude, por um lado, e trazer uma abordagem sobre o resultado exato do que aconteceu e a partir daí começar-se a criar uma consciência política mais forte virada para o controlo e valorização do voto”, defendeu.
Olívio Nkilumbu enumerou “vários elementos”, que na sua ótica indiciam fraude, afirmando que em Angola a “promoção do subdesenvolvimento é uma forma de manutenção do poder político”.
Por outro lado, apontou, há “instituições que concorrem diretamente para a estruturação da fraude, desde elementos legais, a contratação de empresas que prestam serviços da logística eleitoral, casas civis e militares, ministérios e outros órgãos”.
“A nossa CNE é das únicas da SADC que está em contramão, não é independente, e não obedece a critérios para além do político, não há um lado cívico dela e se conseguirmos contrapor esse elemento entendo que é possível diminuir a influência e a fraude”, defendeu o politólogo angolano.
A necessidade de “trabalhar muito para se evitar abstenções eleitorais nas eleições”, foi igualmente defendida por Olívio Nkilumbu, apontando para a necessidade da criação de uma “frente unida para a justiça e liberdade eleitoral”.
Essa frente unida, explicou, “é no sentido de existir uma frente única de controlo do processo eleitoral, não ser apenas os partidos políticos, mas ser a sociedade civil no geral, igrejas, organizações que lutam pela cidadania e aí é possível criar uma força de bloqueio”.
Os jornalistas William Tonet, Luzia Moniz e os ativistas Hitler Samussuku e Domingos da Cruz foram outros dos oradores neste debate que decorreu no auditório das Irmãs Paulinas, em Luanda.
As próximas eleições gerais em Angola estão previstas para 2022.