O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, acompanhado por empresários chega esta quarta-feira a Angola, um país que, assim como Moçambique, considera “prioritário” na sua ambiciosa estratégia para aumentar as relações económicas e diplomáticas com África.
“Queremos transformar esta década na década de Espanha em África”, salientou o chefe do Governo espanhol na semana passada, acrescentando que “Espanha está cada vez mais próxima de África e a África cada vez mais próxima de Espanha e também da Europa”.
Na altura Sánchez apresentou o plano “Foco África 2023” que espera que marque um ponto de viragem nas relações de todo o tipo com o continente africano, a fim de alcançar uma nova parceria estratégica em que Madrid possa liderar a ação da União Europeia com esta parte do mundo.
Luanda é a primeira etapa de uma curta deslocação a África que levará Pedro Sánchez também ao Senegal na sexta-feira.
Fonte do Governo espanhol definiu três objetivos que Madrid pretende alcançar com esta deslocação a Luanda: melhorar as oportunidades empresariais, estabelecer colaboração diplomática estreita motivada pela posição de Angola no continente e melhorar a cooperação em matéria de segurança e defesa.
De acordo com a mesma fonte são numerosas as empresas espanholas que pretendem candidatar-se ao programa de modernização e diversificação da economia proposto pelo presidente de Angola, João Lourenço.
O programa aprovado em 2018 pretende acelerar a diversificação da produção nacional e geração de riqueza angolana num conjunto de produções com maior potencial de geração de valor de exportação e substituição de importações.
Os subsetores principais envolvidos são os de alimentação e agroindústria, recursos minerais, petróleo e gás natural, florestal, têxteis, vestuário e calçado, construção e obras públicas, tecnologias de informação e telecomunicações, saúde, educação, formação e investigação científica, turismo e lazer.
Pedro Sánchez sai de Madrid acompanhado por vários empresários na quarta-feira à tarde, para chegar a Luanda ao fim do dia, iniciando os contactos oficiais e empresariais apenas no dia seguinte.
O chefe do Governo espanhol visita na quinta-feira de manhã uma subestação elétrica que a empresa espanhola Elecnor estás a construir para o fornecimento de energia aos municípios de Bolongongo, Banga e Ngonguembo, na província do Cuanza-Norte.
Em seguida desloca-se ao instituto salesiano D. Bosco em Luanda, antes de ter uma reunião de trabalho com o Presidente de Angola, João Lourenço, no final do qual deverão ser assinados vários acordos e memorandos.
Segundo a mesma fonte, os dois países estão a negociar os últimos detalhes de uma declaração conjunta, um acordo para o setor dos transportes aéreo e três memorandos (pesca, agricultura e indústria).
Pedro Sánchez será em seguida o convidado principal de um almoço oficial oferecido por João Lourenço antes da realização de um encontro entre empresários dos dois países com a presença dos dois governantes, devendo o primeiro-ministro espanhol seguir viagem para o Senegal ao final da tarde.
Viajam com o chefe do Governo espanhol, entre outros, representantes de empresas como Elecnor (infraestrturas, engenharia, energia), AEE Power (infraestruturas energéticas), Airbus (aeroespacial e bélica), TSK (inovação tecnológica), Rio (logística), Satec (Consultores em serviços de tecnologia), Globaltec Desarrollos e Ingeniería (construção), Redondo y Garcia (serviços industriais), Impulso, Grupo Ahen (engenharia e projetos).
Trata-se da primeira deslocação a Angola de um primeiro-ministro espanhol desde que em 1992 o histórico chefe do Governo espanhol Filipe Gonzalez visitou o país.
O Presidente angolano, João Lourenço, ao tomar posse em 2017, aludiu a relação prioritária que pretendia estabelecer com vários países, incluindo Espanha, e convidou na altura os investidores espanhóis a participarem no processo de diversificação económica e privatizações que pretendia implementar.
Na altura convidou mesmo para uma visita cuja data foi marcada para 25 e 26 de março de 2018 o primeiro-ministro espanhol da altura, Mariano Rajoy, que teve de cancelar à última hora a deslocação devido à situação política na Catalunha.
Nessa ocasião, o ex-chefe do executivo espanhol já tinha previsto levar a Luanda uma importante delegação de empresários dos mais diversos setores, com relevo particular para a energia, água, telecomunicações, transportes, indústria e turismo.
A diplomacia económica de Madrid está a fazer uma aposta muito forte desde 2010, na sequência da crise financeira, em estender a sua área de influência tradicional (América Latina e norte de África) a outras zonas do globo.
O “Foco África 2023” considera como “países âncora” Nigéria, Etiópia, África do Sul; e como “países prioritários” Senegal, Costa do Marfim, Gana, Quénia, Tanzânia, Moçambique e Angola.
Analistas criticam passividade de Portugal
O Tratado de Tordesilhas parece enterrado e o interesse de Espanha pelas terras africanas aumenta perante a passividade de Portugal, como prova a visita que o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez inicia quarta-feira, explicam analistas.
“Esta visita do primeiro-ministro espanhol, com enfoque em Angola, é um sinal claro de Espanha de apoio aos empresários espanhóis que atuam nestes países africanos e de claro incentivo a que mais empresários apostem no mercado africano. O Governo de Portugal tem sido menos ativo neste aspeto”, disse à Lusa Bruno Bobone, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP).
Para Bobone, há uma “aposta inequívoca” de Espanha no mercado africano, que está a deixar a posição de Portugal subalternizada, depois de ter feito uma aposta em África “de que nunca poderá abdicar, mas que tem esquecido nos últimos anos”.
“O Tratado de Tordesilhas tem sido sucessivas vezes enterrado, por Portugal e por Espanha, nos últimos séculos. E a aposta de Espanha em África, declarada recentemente por Pedro Sánchez, é mais um exemplo de como desapareceu qualquer divisão geográfica em termos de investida económica”, disse à Lusa Tiago Ramires, investigador português que trabalha no departamento de relações internacionais na Universidade de Santiago de Compostela.
Tiago Ramires refere-se ao acordo assinado em 1494 entre Portugal e a coroa de Castela, para dividir as terras “descobertas e por descobrir” por ambos os reinos fora da Europa, dando primazia a Madrid no continente americano e primazia a Lisboa no continente africano.
O investigador português recordou que Espanha tem tido vários problemas diplomáticos com países da América do Sul, salientando o episódio, de 2019, em que dois diplomatas espanhóis foram expulsos da Bolívia, acusados de ajudarem membros de um antigo governo boliviano.
Ao mesmo tempo, a aposta de Madrid em outras regiões do hemisfério sul intensifica-se, como prova uma declaração do primeiro-ministro espanhol, quando disse que “esta será a década de Espanha em África”, ao apresentar o programa de ação do seu Governo, no Palácio de Moncloa, em final de março.
Nessa apresentação, ao lado de Sánchez, estava o Presidente do Gana, Nana Akufo-Addo, que saudou o ímpeto de investimento espanhol, mas que não se esqueceu de mencionar que esperava que a vontade de Madrid fosse partilhada pelos 27 países da União Europeia (UE).
“Portugal tem demonstrado que quer continuar a ter um papel económico relevante em África. O problema é que, das nove mil empresas que exportam para Angola e das muitas que procuram fazer investimento direto nesse país, poucas têm demonstrado resiliência para suportar as dificuldades dessa estratégia”, explicou Sofia Gomes, analista de mercados e docente na Universidade do Porto.
Um exemplo do interesse português em África é a forma destacada como o Governo de António Costa prometeu colocar as relações entre a UE e os países africanos, na agenda da presidência do Conselho Europeu, neste primeiro semestre de 2021, explicou Sofia Gomes.
Contudo, explica a analista de mercados, quando se olha para os números das relações entre Portugal e Angola, embora a balança comercial seja favorável a Portugal, a diferença tem vindo a diminuir e as estimativas são para um equilíbrio, o que revela que a estratégia de investimento português em África talvez não esteja a surtir efeito.
Por outro lado, a aposta diplomática entre Espanha e África tem acelerado e Tiago Ramires lembrou que, quando o ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos precisou de tratamentos médicos, nos últimos anos de vida, foi numa clínica espanhola que procurou ajuda.
Sofia Gomes aponta também os investimentos energéticos da Galp em Angola como um sinal do continuado interesse económico português em África, explicando que a participação da empresa na Petrogal Angola e na Sonangalp (em sociedade com a Sonangol) são, antes de mais, mostras da vontade política de colaboração entre os dois países.
Mas, também aqui, os casos judiciais à volta da atuação de Isabel dos Santos têm colocado em causa esta colaboração entre a Galp e a Sonangol, nomeadamente através da participação da empresa angolana na empresa portuguesa através da Amorim Energia, que está agora em questão, depois de notícias terem antecipado um cenário de rutura.
Espanha tem acompanhado esta situação de perto e são muitos também os interesses de empresas energéticas espanholas em países de língua portuguesa, como Angola ou Moçambique, embora neste último as situações de insegurança provocadas por ataques terroristas no norte do território estejam a preocupar várias companhias europeias, lembrou Sofia Gomes.
Mas, para o presidente da CCIP, a incerteza e a insegurança são globais, pelo que se torna ainda mais importante uma aposta em outras áreas geográficas, nomeadamente para nos libertarmos de dependências excessivas de alguns países.
“Dado o momento incerto que o mundo vive, em termos económicos, políticos, sociais, a urgência em diversificar a economia e os mercados nos quais atuamos, tornando-nos menos dependentes de regiões como a Ásia, é ainda maior”, disse Bruno Bobone.
Um outro exemplo da afirmação espanhola em espaços geográficos lusófonos em África é o da Guiné Equatorial, explicou Tiago Ramires. Embora este país faça parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), foi recentemente um dos promotores da utilização da língua espanhola como idioma de trabalho na União Africana.