A falta de fármacos e de condições de trabalho nas unidades sanitárias da periferia de Luanda é apontada como a principal razão para as enchentes que se registam nos hospitais de referência na capital angolana.
Os bancos de urgência dos hospitais de Luanda estão cada vez mais agitados. Os utentes, que deviam ser atendidos nos centros médicos ou nos hospitais municipais, buscam socorro nas grandes unidades de saúde. A falta de medicamentos e materiais gastáveis leva os familiares a dirigirem-se aos hospitais centrais e regionais e os pacientes em causa, dizem os enfermeiros, são todos de famílias vulneráveis.
O secretário para os assuntos Jurídicos e Laborais do Sindicato dos Técnicos de Enfermagem de Luanda, Almeida Pinto, diz que as unidades carecem até de papel para passar receitas aos pacientes que são atendidos após comprarem medicamentos nas farmácias privadas.
“A periferia não está a dar resultado porque não tem fármacos. Se for ao centro de saúde do Palanca 1, até a seringa quem o traz é o utente. Mas isso é desmentido pelo poder político. Então, se a Dipirona não tem, Coartem não tem, Artemeter não tem, que são de primeira linha, esse doente fica como?”, questiona.
Saneamento precário de Luanda
O saneamento precário de Luanda está na base das doenças que estão a abarrotar os hospitais, segundo o técnico de enfermagem. A agravar a situação, Almeida Pinto suspeita que há falta de capacidade técnica para os centros das periferias diferenciarem a malária da Covid-19.
A DW África fez uma ronda em algumas unidades sanitárias de Luanda e constatou as enchentes nos bancos de urgência e no exterior. Os responsáveis desses estabelecimentos recusaram falar por falta de autorização.
Mas, em off, vários técnicos descreveram a situação real dos hospitais. No Américo Boavida, um dos hospitais regionais, uma profissional de saúde disse que casos de malária, febre tifoide e diarreias estão a abarrotar os serviços de urgência. As mortes por malária são registadas em pessoas adultas. Essas patologias também estão na ordem do dia no Hospital Municipal do Talatona.
Lukombo trabalha num dos serviços ambulatórios de Cacuaco e diz que nos últimos dias está a atender perto de cem pacientes com malária, febre tifoide e diarreias. Naquele centro de saúde, as enchentes não param há mais de duas semanas.
“Gerimos assim a situação. Não podemos mandar os pacientes voltarem para casa. Apesar de estarmos a nos submeter a risco devido à situação que está a ocorrer no país, devemos atender todo a gente que aparece no centro. Chegamos a atender 100 pacientes e somos apenas dois técnicos”, descreve.
Situação está controlada, diz ministra
A ministra da Saúde de Angola, Sílvia Lutucuta, pede calma e diz que a situação está controlada.
“Temos casos de malária, eventualmente temos casos de dengue. O número de casos aumentou significativamente, também costuma acontecer neste período do ano, é só chover e no fim das chuvas temos sempre os piores picos de malária”.
Entretanto, também as morgues de Luanda também estão a abarrotar. Vários corpos dão entrada nos serviços de necrotério. Na sua maioria são de crianças, segundo o que a DW apurou.
Paula Mambuene, que perdeu nos últimos dias uma neta de três anos, vítima de malária, explica o que viu na morgue do Hospital Municipal de Cacuaco.
“Na morgue, estava muito cheio. Barulho como se fosse mercado. Pessoas estendidas no chão. Quando alguém é tirado da gaveta, tiram um do chão e colocam. A morgue é limpa e congela bem, mas há muita gente. Se aqui está assim, na central está como? A população ficou até na porta e onde se dá banho aos cadáveres estava muito cheio e não tinha espaço”, contou a utente.