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EUA: Lula da Silva, Sócrates e “Juízes de Angola” – Rui Verde

Lula da Silva, o ex-presidente do Brasil, poderia ser culpado de muitos crimes, mas uma sombra cinzenta caiu sobre os seus processos legais quando o super-juiz Sérgio Moro surgiu como juiz de instrução, dirigente da investigação e juiz de julgamento. Não tinha qualquer sentido ser o mesmo juiz a investigar e depois decidir que Lula era culpado.

Tivemos um juiz que quis ser herói e está a acabar no caixote de lixo da história, e com isto deixou a justiça brasileira desnudada. O resultado do activismo de Moro foi a eleição de Bolsonaro e o descrédito ainda mais acentuado das instituições. Já em Itália os super-juízes tinham dado mau resultado. As suas investigações activas acabaram por levar Berlusconi ao poder.

Em Portugal, a história repete-se. José Sócrates pode ser culpado de muitos crimes, mas o voluntarismo de um super-juiz local, aliás o mesmo que tem os processos contra Isabel dos Santos em terras lusas, levou à criação de uma promiscuidade entre investigação e poder judicial, em que este último não cumpre as suas funções de sindicância dos actos do Ministério Público e defesa das liberdades. O resultado é a decisão recente que iliba José Sócrates de quase todos os crimes, passados seis anos da sua prisão preventiva. Ainda que esta decisão seja instrutória, isto é, inicial, antes do julgamento, e possa haver recurso, o certo é que lança a confusão completa no processo que devia ser exemplar para a democracia portuguesa, como o de Lula o deveria ter sido para a brasileira.

Só um parêntesis para referir que não deveria ser permitido ao Ministério Público recorrer das absolvições. Este já tem o peso do Estado por detrás, surgindo sempre numa posição de facto superior ao arguido nos processos judiciais. Uma oportunidade para fazer valer o seu ponto de vista deveria ser suficiente. O facto de o Ministério Público poder sempre recorrer é também um factor de atraso nos processos.

Estes processos de Lula e Sócrates não são exemplares do ponto de vista legal.  Envolvem juízes a extravasarem a sua função, que é julgar factos de forma imparcial, e, com isso, a darem uma falsa segurança ao Ministério Público, que não é juridicamente rigoroso nas suas análises. Esta interacção entre acusação e judicatura parece ser simpática para a justiça, mas acaba por ser perniciosa no final, porque deixa passar demasiados erros na acusação. Um juiz não é um acusador, não é um polícia, não é um investigador. É uma pessoa íntegra que aprecia factos e provas, e não procura condenações nem absolvições.

Os processos legais contra Lula e Sócrates, no Brasil e em Portugal, devem servir de alerta para Angola. Também em Angola tem havido uma tendência para o poder judicial ser deferente com o Ministério Público e acompanhar as acusações, não prestando atenção aos direitos e liberdades fundamentais dos arguidos. Ainda não há, felizmente, a figura do super-juiz, mas os julgamentos que têm acontecido nos casos de corrupção não têm primado pela linearidade legal.

É fundamental existir um combate à corrupção sério, credível e consistente, mas para que tal aconteça é necessário que os juízes em Angola não caiam nos erros dos seus congéneres de outros países. A função de um juiz não é combater a corrupção ou combater a criminalidade. A função de um juiz é julgar de acordo com o direito e o bom senso determinados factos que lhe são apresentados. Se os juízes começam a “cortar a arestas”, para agradar à moda dominante ou ao poder relevante, o que vai acontecer é que quando a moda muda ou o poder se modifica a decisão judicial fica sem fundamento e acaba por ser revogada. Neste caso, os juízes caem em descrédito.

Por isso, em Angola preocupa alguma ligeireza com que os processos têm sido instruídos e prosseguidos. Os juízes não se devem ver como parte da máquina contra a corrupção, mas como julgadores imparciais. Será do julgamento independente dos factos que surgirão as melhores decisões, e essas sim perdurarão no tempo. Há que perceber que a melhor forma de combater a corrupção é ter juízes imparciais e independentes, que sejam exigentes com o rigor dos raciocínios legais e a defesa das liberdades. O combate à corrupção em Angola exige condenações ou absolvições sólidas e inatacáveis.

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