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Gravidez: “Más experiências” em partos anteriores levam mulheres angolanas a escolher parto em casa

As mulheres angolanas escolhem cada vez mais ter os filhos em casa devido a más experiências anteriores nos hospitais, incluindo abusos físicos e verbais, revela um estudo que contabiliza em quase 50% os partos feitos no domicílio.

O relatório “políticas públicas inclusivas numa perspetiva de género”, da organização não-governamental angolana Mosaiko, resulta de 149 entrevistas em grupos e de inquéritos conduzidos, entre junho de 2019 e novembro de 2020, junto de 4.692 agregados familiares em 15 municípios nas províncias do Uíge, Luanda, Benguela, Huambo e Huíla.

“Há um número significativo de mulheres que estão a escolher não ter os seus partos nas unidades hospitalares. É chocante e é transversal, tanto no meio rural como no meio urbano”, disse à Lusa Verónica Pereira, coordenadora do gabinete de comunicação da Mosaiko, explicando que as mulheres preferem ter os partos no domicílio após uma primeira má experiência numa unidade hospitalar.

Essa má experiencia, explicou a investigadora, tem a ver com “o abuso verbal a que são sujeitas nos meios hospitalares por parte de médicos, enfermeiros e pessoal auxiliar”, assim como com a corrupção e a chantagem que é feita.

“Há verdadeiras violações de direitos humanos nas unidades hospitalares (…) e numa fase em que as mulheres estão mais vulneráveis”, lamentou, em entrevista à Lusa por telefone.

Segundo o estudo, tendo como referência o ano da última gravidez, 49,6% dos partos foram feitos no domicílio, contra 42,8% numa unidade hospitalar pública.

Os números mostram que os partos no domicílio são mais frequentes nas zonas rurais, onde 71,2% dos partos foram realizados em casa, mas mesmo nas zonas urbanas são 29,0% do total.

Desde o período 1995/99, regista-se uma redução da proporção de partos feitos em casa e um aumento dos nascimentos em unidades de saúde, mas a partir de 2014, a tendência inverteu-se.

A Mosaiko recorda no documento que, para a Organização Mundial de Saúde, o parto numa unidade de saúde é estrategicamente importante para reduzir a mortalidade materna, principalmente quando o parto é assistido por profissionais de saúde qualificados.

Sem cuidados médicos, sublinha, as gestantes correm maior risco de morrerem por hemorragia, obstrução durante o trabalho de parto, eclampsia, consequências de malária e outras doenças.

A maioria das mortes e morbidades maternas acontece logo após o parto e esse período também é perigoso para os bebés: 30% das mortes infantis acontecem durante as quatro primeiras semanas de vida e a maioria nos primeiros dias, logo depois do parto.

Segundo o relatório, a maioria das mulheres escolhe ter os filhos em casa “não apenas pela ausência de serviços nas imediações, mas também por um conjunto de factores relacionados com o abuso físico, discriminação e abandono, cuidado não confidencial, negligência clínica e abuso verbal, psicológico e indelicadeza da equipa de serviço”.

As mulheres entrevistadas, particularmente nas áreas urbanas, mostram que precisam de garantias de que serão tratadas com dignidade e respeito durante o parto, relata o estudo.

No município de Viana, exemplificam os autores do relatório, mulheres que tiveram partos recentes descreveram que a equipa médica usou linguagem abusiva, negou serviços e demonstrou ausência de compaixão.

Apesar destas queixas, “não há uma responsabilização direta” dos profissionais de saúde, porque muitas vezes as vítimas não recorrem à justiça ou não têm onde recorrer, disse Verónica Pereira.

“Na verdade é muito raro termos médicos que sejam afastados ou sancionados de alguma forma porque tiveram uma má conduta”, contou.

O acesso à justiça é outra das áreas abordadas pelo relatório da Mosaiko, que conclui que 53% das mulheres entrevistadas não recorrem a ninguém, “ou seja, ficam em silêncio quando estão envolvidas em conflitos”, nomeadamente relacionados com roubos e furtos, violência doméstica ou paternidade, disse a investigadora.

Verónica Pereira explica esta situação com a falta de conhecimento sobre os seus direitos e as instâncias a quem recorrer, mas também “com o facto de elas próprias sentirem que nessas instâncias e nesses meios do recurso elas não são bem-vindas”.

Muitos tribunais e esquadras de polícia “são muito hostis à mulher”, nomeadamente em casos de violência doméstica, exemplificou.

Já é difícil uma mulher recorrer à justiça porque muitas vezes a própria família tende a aconselhá-la a suportar a violência, porque é algo culturalmente aceite.

“Depois, quando consegue ir a uma esquadra, os agentes da polícia dizem que esse é um assunto que deve ser resolvido em casa ou em família”, disse Verónica Pereira.

A Pesquisa Social sobre Políticas Públicas Inclusivas numa Perspectiva de Género enquadra-se no projecto Promoção da Advocacia de Políticas Públicas Inclusivas em Angola (PAPPIA), implementado pelo Mosaiko – Instituto para a Cidadania, em parceria com a Fundação Fé e Cooperação (FEC), co-financiado pela União Europeia e pelo Camões – Instituto de Cooperação e da Língua.

 

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