O Congresso do MPLA é a altura oportuna para se proceder a uma reflexão e correcção da política económica em curso. Essa correcção é necessária para libertar potencial da economia angolana e entrar numa rota de crescimento e prosperidade para todos.
O governo tem promovido um programa de reformas assinalável, que tem granjeado alguns sucessos, como é o caso da liberalização cambial, ou do controlo da dívida pública, bem como o programa de privatizações. No entanto, a economia angolana encontra-se condicionada por dois espartilhos cuja influência urge rever e alterar. Esses espartilhos são o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a China.
Comecemos pelo FMI. A chamada desta organização internacional foi um acto adequado de João Lourenço para obter uma ajuda na necessária “arrumação” das finanças públicas e certificação de qualidade das políticas públicas a seguir. Nessa medida, obteve os resultados que pretendia. Na última avaliação que o FMI fez do comportamento das autoridades públicas angolanas, declarou: “As autoridades [angolanas] continuam a fortalecer as finanças públicas e a dinâmica da dívida. Alcançaram um forte ajuste fiscal em 2020 e estão a caminho de fazer o mesmo em 2021.”
Aqui temos um bom elogio do FMI à política económica angolana. No entanto, são precisamente os termos do elogio e o restante que consta da declaração do FMI que constituem o espartilho redutor que mencionamos.
A política do FMI implica uma diminuição das despesas, um aumento dos impostos e uma diminuição da massa monetária em circulação. É este o conselho do FMI, que Angola tem adoptado.
Ora, é este simultaneamente o problema. Ninguém duvida de que em 2017 as finanças públicas angolanas necessitavam de uma forte intervenção. Lembremo-nos da famosa afirmação do presidente João Lourenço acerca dos cofres vazios que tinha encontrado. No entanto, para um país como Angola, “arrumar a casa” em termos de finanças públicas não pode significar entrar num esquema de pura austeridade (cortes de despesa e aumentos de impostos). A austeridade pode matar a economia, como efectivamente está a fazer a Angola, que se encontra desde há seis anos em recessão. Se era necessário colocar “travões” e inverter o descalabro, o certo é que a perspectiva tem de ser outra.
O que realmente interessa em Angola – uma economia frágil, com acentuada pobreza, longe do seu produto potencial – não é diminuir o dinheiro que se gasta. Na verdade, deve-se gastar dinheiro, para ter saúde, educação e justiça. O que é importante é a forma como o dinheiro se gasta, o modo como é gasto o dinheiro. Como refere a reputada economista Mariana Mazzucato: “O modo como é feita a organização desse dinheiro [é que é importante]. A mesma quantidade de dinheiro mal-usada não nos levará ao mesmo resultado. É preciso ter um sistema de inovação apropriado, uma organização adequada.”
É este precisamente o ponto que defendemos e que deve ser invertido na política financeira do governo. Em Angola, a austeridade não deve ser sinónimo de cortes, mas de uma racionalização e de um uso eficiente dos dinheiros públicos. Temos o exemplo, que já foi levantado nas colunas do Maka Angola por Rafael Marques, da compra pelo ministro dos Transportes, por 90 milhões de dólares, de um edifício que estava à venda por 45 milhões de dólares. Isto é um uso descabido dos dinheiros públicos.
Contudo, é necessário gastar mais dinheiro para combater a pobreza ou investir no sistema de saúde e educação, bem como na defesa nacional. Em Angola, ao contrário do que pensam muitos, desde 2013 não se fazem investimentos avultados nas forças armadas, que são fundamentais para garantir a integridade territorial e a paz na zona austral de África.
Neste aspecto, há que deixar a política errada proposta pelo FMI e inovar na abordagem às finanças públicas, criando mais investimento e emprego, racionalizando a despesa, mas não a cortando em termos reais. De novo, Mariana Mazzucato deve ser citada:
“Cortar, cortar e cortar no Estado, como tem acontecido em países como o Reino Unido, Portugal ou Itália não é solução para resolver os problemas deste século. Pelo contrário, produz uma externalização de funções e obrigações de Estado e uma dependência cada vez maior do sector privado, até ao nível mais alto, o das decisões, como acontece quando as políticas emanam directamente das empresas de consultoria. O processo deve ser o contrário deste. É necessário dar aos funcionários públicos a possibilidade de serem criadores e geradores de valor.”
É exactamente este o ponto da reforma da Administração Pública e das Finanças angolanas.
Nesta medida, há que inverter a metodologia. Depois do “travão” a fundo, há que começar a conduzir o veículo público com inteligência e rigor, mas investindo e gastando bem.
O segundo espartilho com que se defronta e economia angolana é a China. A China funciona, neste momento, como um constritor do crescimento angolano por razões diferentes do FMI.
O primeiro problema é a dívida pública à China. Os números são conhecidos. Cerca de 45% da dívida pública externa é à China, sendo que o incremento mais recente dessa dívida se deu em 2016, quando Isabel dos Santos assumiu a presidência da Sonangol e foi pedido um empréstimo de 10 mil milhões à China para “limpar” as contas da empresa.
É evidente que o serviço desta dívida pesa nas contas angolanas e que, devido ao seu peso relativo e a alguma obscuridade histórica na sua contracção, deveria ser negociado um pacto com a China que levasse a um misto de redução e prolongamento da dívida para longo prazo.
Um segundo aspecto relevante é a excessiva dependência da procura chinesa do petróleo angolano. Segundo os dados contidos no último relatório de contas da Sonangol, aproximadamente 66% das vendas da Sonangol vão para a China. A China domina as compras de petróleo bruto. Este facto, a que se associa a ausência de países ocidentais, leva, segundo alguns peritos londrinos de petróleo que consultámos, a permitir à China apenas licitar compras por valores mais baixos do que aqueles que estão estabelecidos no mercado petrolífero. Ou, dito de outro modo, a posição de domínio de mercado que a China tem em relação ao petróleo angolana implica que esta obtenha petróleo a preços abaixo do mercado. Na verdade, tal resulta claro das teorias de mercado. É a concorrência que permite alcançar preços de equilíbrio que contentam a procura e oferta; a falta de concorrência faz com que um dos actores tenha poder sobre o outro. Nesse sentido, também aqui é fundamental encontrar novos compradores ou encontrar uma relação mais competitiva com a China. São estes os pontos necessários de correcção/inflexão da política económica do governo para conduzir o país à prosperidade para todos.