Empresas próximas da empresária receberam 20 milhões de dólares da Sonangol dias antes da demissão dela
Cerca de 20 milhões de dólares pagos pela petrolífera angolana Sonangol por consultoria foram parar a empresas ligadas à empresária Isabel dos Santos, enquanto era presidente do Conselho de Administração da maior empresa do país.
O contrato que obrigou a Sonangol a pagar os serviços de consultoria, passados e futuros, foi assinado dias antes da filha do antigo Presidente José Eduardo dos Santos ser afastada da empresa.
O dinheiro saiu de um montante de 131 milhões de dólares que a companhia offshore Ironsea/Matter, sediada no Dubai e usada como intermediária nos pagamentos de serviços de consultoria à Sonangol, recebeu da empresa.
Além dos 20 milhões que depois foram parar a empresas ligadas a Santos, 68 milhões de dólares destinaram-se a outras consultoras internacionais: BCG (31,2 milhões), PwC (21,4) e McKinsey (15,4).
Ainda foram pagos 5,3 milhões de dólares ao escritório de advogados Vieira de Almeida.
Estas revelações foram feitas pelo jornal português Expresso na sua edição desta sexta-feira, 12 Fevereiro, e a estação televisiva de Portugal SIC apresentará uma reportagem alargada na sua emissão da noite.
As fatias do bolo
No bolo de 20 milhões de dólares que foram distribuídos pela Matter por várias pequenas consultoras e empresas em Portugal, destacam-se aquelas que têm relações directas com Isabel dos Santos: houve 1,9 milhão de dólares transferidos para a Fidequity e para a Santoro, sendo que ambas pertencem à empresária e ambas, mais uma vez, eram dirigidas por Mário Leite da Silva.
Outros 3,4 milhões de dólares foram transferidos para a sucursal portuguesa da YouCall, uma empresa angolana de recursos humanos em que Isabel dos Santos detinha uma quota de 70% e Paula Oliveira os restantes 30%.
Esse valor faz parte de um total de 6,2 milhões de dólares pagos pela Matter a três companhias ligadas à accionista portuguesa da companhia offshore do Dubai.
As outras duas, a SDO Consultores e a PCFCNO, são controladas apenas por Paula Oliveira e receberam 1,1 milhão e 1,7 milhão de dólares, respectivamente.
A PCFCNO, que teve direito à maior fatia, representa o nome completo da empresária, Paula Cristina Fidalgo Carvalho das Neves Oliveira, e é uma empresa com apenas um funcionário e que foi incorporada na ilha da Madeira em Agosto de 2017, três meses antes de receber o dinheiro do Dubai.
A investigação revela ainda que também foram pagos através do Dubai 11,5 milhões à Odkas, uma outra consultora sediada na Madeira e que é detida em 49% pela mulher de Mário Leite da Silva, tendo prestado serviços relacionados com o software de gestão (SAP) da Sonangol.
Neste emaranhado financeiro, boa parte do dinheiro da Sonangol saiu de uma conta da petrolífera no Eurobic em Lisboa, passou pela conta da Matter no Dubai e voltou depois para a capital portuguesa, tendo sido distribuída por uma série de contas em diversos bancos.
Na altura, Isabel dos Santos disse ter preferido recorrer a uma empresa intermediária no Dubai, porque dessa forma poupou dinheiro à Sonangol.
Contrato assinado à pressa
O Expresso e a SIC revelam que o contrato entre a Matter e a Sonangol “foi forjado em Londres, na subsidiária britânica da petrolífera angolana, a 10 de Novembro de 2017, cinco dias antes de Isabel dos Santos ter sido despedida da Sonangol pelo então recém-nomeado Presidente angolano João Lourenço”.
O contrato obrigava a Sonangol a pagar à Matter todos os serviços de consultoria passados e futuros fornecidos à petrolífera, sem limites de valor.
Este contrato, bem como as transferências bancárias e outros factos, incluindo quase 58 milhões de dólares transferidos para o Dubai a 16 de Novembro de 2017, no dia a seguir ao afastamento da filha de José Eduardo dos Santos, levaram o Ministério Público angolano a constituir como arguidos Isabel dos Santos, o marido Sindika Dokolo, falecido em Outubro passado, o gestor Mário Leite da Silva, amiga Paula Oliveira e um antigo funcionário da PwC, Sarju Raikundalia, que se tornou administrador financeiro da Sonangol e que foi quem protagonizou o contrato em Londres.
Silêncio de Isabel dos Santos
Contactado por aqueles meios de comunicação, Isabel dos Santos preferiu o silêncio, enquanto Carlos Russo, accionista maioritário e administrador da Odkas, nega que a consultora tenha sido seleccionada pelo facto de a sua sócia ser casada com o administrador da Matter.
Paula Oliveira enviou um esclarecimento de 22 páginas, em que nega ter sido “testa de ferro de quem quer que seja”, e garantiu que “a prestação de serviços à Sonangol, quer directamente quer através da Matter, inseriu-se numa lógica puramente empresarial, racional e de aproveitamento de uma oportunidade de negócio muitíssimo atraente”.
A empresária reitera que, “todo o dinheiro que a Matter recebeu da Sonangol era-lhe devido” e “a insinuação de que não foram prestados os serviços que foram faturados pela Matter à Sonangol é não só insultuosa” como “é profundamente falsa”.
Por seu lado, Mário Leite da Silva assegura que não houve nada de errado no esquema usado e que “no final a Sonangol ficou a ganhar e muito com a intervenção da Matter”.