O Jurista angolano e membro da Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (Civicop) António Ventura criticou hoje o “desvio completo” dos princípios e fundamentos da criação deste órgão.
António Ventura, que foi um dos oradores da mesa-redonda com o tema “Por um Jornalismo Plural e ao Serviço da Democracia”, promovida pelo Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), disse que durante muito tempo foi membro da Civicop e que o que tem ocorrido nos últimos tempos revela uma alteração na metodologia e forma de trabalho.
“Por razões éticas, algumas questões não posso não trazer aqui, mas posso afirmar com toda a convicção que o que nós temos estado a ver, o que tem sido feito na TPA [Televisão Pública de Angola] é um desvio completo aos princípios e aos fundamentos, que orientaram não só a criação da Civicop, mas sobretudo a metodologia e a forma de trabalho, disso eu não tenho dúvida”, referiu.
Em causa estão ações desenvolvidas pela Civicop recentemente, em particular a busca de restos mortais de dirigentes da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), na Jamba, província do Cuando Cubango, antigo bastião do maior partido político da oposição angolana enquanto o país esteve em guerra, informação que tem sido acompanhada e divulgada pela estação televisiva nacional e retomada pelos demais órgãos de comunicação social públicos.
“Dificilmente membros da Civicop aparecem a falar quando a TPA faz aquelas reportagens, todos os outros só são comentaristas de serviço, não são membros da Civicop, outros até são técnicos”, sublinhou António Ventura, considerando que “há uma espécie e sequestro neste domínio em relação às competências da Civicop”.
A missão tem sido liderada pelo chefe do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE), Fernando Garcia Miala.
Esta semana, a TPA divulgou, através de uma fonte não identificada, que os corpos de dois dirigentes da UNITA, Tito Chingunji e Wilson dos Santos, foram queimados e as ossadas trituradas para que não se pudesse ter qualquer vestígio dos cidadãos em causa, por orientação expressa de Jonas Savimbi.
Em 2019, o Presidente angolano, João Lourenço, criou a Civicop, encarregue do plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos, que ocorreram em Angola entre 11 de novembro de 1975 e 04 de abril de 2022, e dois anos depois pediu desculpas às famílias, em nome do Estado angolano.
No quadro desta iniciativa foram já entregues às famílias as ossadas de outros políticos nacionais, que perderam a vida nas várias fases do conflito político e militar de Angola.
O jurista angolano António Ventura defendeu igualmente um jornalismo de compromisso com a cidadania, considerando que Angola tem uma imprensa “cada vez mais propagandista, manipuladora, que se vai distanciando cada vez mais dos factos reais”.
“É só olharmos como é tratada a economia, a questão dos direitos de liberdades fundamentais, mas sobretudo é a consequência que aqueles que exercem a liberdade de expressão sofrem quando o modo de exercer essa liberdade não obedece o direcionamento que é dado pelos políticos”, referiu António Ventura, apontando como consequências os processos judiciais contra jornalistas, perseguições e até mortes.
“O mesmo jornalista que diz que as estradas são boas, se chover em muitos casos ele não consegue chegar a casa”, frisou.