O Major Pedro Lussati, principal arguido de um esquema fraudulento envolvendo militares da Casa de Segurança do Presidente angolano, transferia alegadamente dinheiro para Portugal através de empresas do grupo Irmãos Chaves, segundo a acusação do Ministério Público.
O grupo empresarial da Madeira, que opera em Portugal e em Angola em áreas como construção, imobiliário, saúde, agricultura e ‘rent-a-car’, aparece referenciado no processo através da empresa Prime Talatona, em que Pedro Lussati é sócio, juntamente com José António Figueira Chaves, um dos quatro irmãos Chaves.
Segundo o despacho de acusação, o dinheiro de Lussati circulava através de várias empresas entre as quais a Insulcar e outras ligadas ao grupo Irmãos Chaves e terá sido através destas que, alegadamente, terá transferido somas para Portugal.
O documento refere vários depósitos bancários em contas da empresa Prime Talatona, e diz que o esquema de transferência de dinheiro para o estrangeiro contava com a participação de José António Figueira Chaves.
Segundo a acusação foram feitos vários depósitos em numerário na sua conta bancária, no banco Caixa Angola, de 22 de maio de 2018 a 01 de maio de 2021, através da Prime Talatona, em Angola, e Insulcar-Rent-a-Car e Irmãos Chaves em Portugal.
Edson Rosário, Denise Santos, Dorivaldo Santiago e Ketzia Lima tratavam de tirar o dinheiro de Angola e, em Portugal, transferiam-no para contas bancárias tituladas por Pedro Lussati e a sua mulher, Marisa Manuel António.
Em declarações à Lusa Fernando Chaves, irmão do empresário José António Figueira Chaves, confirmou que Lussati é sócio da Prime Talatona, mas rejeita ter sido cometida qualquer ilegalidade.
“Fomos arrastados para uma situação que data de 2013 porque o meu irmão é sócio do Lussati”, disse Fernando Chaves, explicando que a Prime Talatona foi criada nessa altura com o objetivo de construir edifícios de habitação e que os movimentos de dinheiro são relativos a vendas de apartamentos.
A relação com Lussati começou quando o major comprou um apartamento num condomínio e, mais tarde, tornou-se sócio, numa altura em que a lei angolana impunha esta obrigatoriedade para quem queria investir no país.
Sublinhando que os Irmãos Chaves não são arguidos no processo e não estão sequer arrolados como testemunha, garantiu que toda a documentação foi colocada à disposição da Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana, incluindo extratos de contas bancárias e contratos de compra e venda, e lamentou que o grupo madeirense esteja a ser envolvido numa “novela mexicana” que “mancha a imagem” dos empresários madeirenses.
“Na altura, as coisas faziam-se assim, era banal. Nos negócios, quem estavam envolvidos eram os militares, os generais. Em 2013, o Lussati não tinha processo nenhum. Se eu sabia que ele andava em negócios menos claros? Não, nem tinha forma de o saber, não fazíamos interrogatório para saber onde tinha ido buscar o dinheiro”, declarou Fernando Chaves.
O mesmo responsável confirmou que foram feitas duas transferências — que “não tinham nada a ver com a Prime” – através de empresas do grupo para contas de Lussati, em Portugal, explicando que o major angolano tinha identificado uma oportunidade de negócio para adquirir uma casa e foram feitas “para facilitar” acesso do sócio Lussati aos fundos em Portugal, porque “ele não tinha hipótese de fazer essas transferências”.
Sobre estas transferências, de valores aproximados de 8.000 e 600 mil euros, adiantou que já foram dados esclarecimentos, há cerca de um mês à PGR portuguesa, que quis saber a origem do dinheiro.
Fernando Chaves admitiu que o caso está a afetar a empresa em termos reputacionais, mas rejeitou o envolvimento em “qualquer esquema de lavagem de dinheiro”.
Questionado sobre a sociedade com Pedro Lussati, afirmou que se mantém enquanto o processo decorrer em tribunal e lamentou a escolha do “sócio errado”, que se vê agora a braços com a justiça angolana e que está a viver “um período dramático”.
“Pedro Lussati foi uma má opção, hoje pode-se dizer isto, mas na altura não era. Estamos de consciência completamente limpa, estamos tranquilos, vamos aguardar. Isto é um problema deles, arrastaram-nos para o meio disto e vamos tentar sair sem ferimentos, não precisamos destas trapalhadas”, reforçou Fernando Chaves.
O megaprocesso envolve 49 réus e cerca de 200 declarantes que irão testemunhar sobre a Operação Caranguejo, um esquema que envolvia pagamentos fraudulentos a partir da folha salarial da Casa de Segurança, através do qual terão sido desviados do erário público 62 milhões de dólares (perto de 59 milhões de euros).
O início do julgamento está marcado para as 09:00 de terça-feira e vai decorrer no Centro de Convenções de Talatona, em função do número de intervenientes envolvidos no processo, entre arguidos, declarantes, peritos e testemunhas.
Entre os arguidos, encontram-se oficiais das Forças Armadas Angolanas (FAA) e civis, acusados de peculato, associação criminosa, recebimento indevido de vantagem, participação económica em negócio, abuso de poder, fraude no transporte ou transferência de moeda para o exterior, introdução ilícita de moeda estrangeira no país, comércio ilegal de moeda, proibição de pagamentos em numerário, retenção de moeda, falsificação de documentos, branqueamento de capitais e assunção de falsa identidade.
O major angolano Pedro Lussati, tido como o cabecilha do grupo, foi detido na posse de milhões de dólares, euros e kwanzas guardados em malas e caixotes, sendo igualmente proprietário de mais de uma dezena de viaturas.
Da longa lista de testemunhas, que serão ouvidas nos meses de julho e agosto, constam os nomes de Manuel Vieira Dias “Kopelipa” e Higino Carneiro, entre outros generais de topo das FAA.
Na sequência destas detenções foram exonerados vários oficiais ligados à Casa de Segurança do Presidente angolano, incluindo o general Pedro Sebastião, então ministro de Estado e chefe de Casa de Segurança de João Lourenço, que foi substituído no cargo pelo general Francisco Pereira Furtado.