Numa carta dirigida a várias instituições internacionais, à qual a Lusa teve hoje acesso, a OMUNGA, organização de defesa dos direitos humanos, sublinha que mais uma vez a polícia recorreu à força para reprimir uma manifestação pacífica, convocada para sábado passado por um grupo de cidadãos angolanos, com o objetivo de pedirem o fim do custo elevado de vida e protestar contra a decisão do executivo angolano de adiar por tempo indeterminado a realização de eleições autárquicas no país.
A OMUNGA admite que o país vive atualmente em estado de calamidade pública devido à covid-19, decretado pelo Presidente da República, mas alerta que o mesmo “não substitui o Estado de Direito e democrático, artigos 2.º e 58.º, ambos da Constituição da República de Angola”.
“Ademais, o direito à manifestação no confronto com as normas que configuram o Estado de Calamidade Pública, sempre prevalecerá sobre este por força da sua eminente dignidade constitucional”, refere o documento.
Nesse sentido, a organização considera que “não é aceitável ao que se assistiu [sábado], 24 de outubro, na província de Luanda, num Estado democrático e de Direito, a atuação ou abordagem policial deve sempre, para além da sua legalidade, pautar-se pela lógica da adequação e proporcionalidade dos meios”.
Para a OMUNGA, é igualmente preocupante e condenável que a polícia tenha feito disparos e atingido mortalmente um cidadão, que em vida se chamou “Mamã África”, até então membro do recente Núcleo Universitário criado para produzir reflexões sobre o país e os grandes desafios da juventude.
“Os familiares e amigos confirmam a morte do jovem, sendo assim, mais uma vida que se perde fruto dos excessos da polícia na relação com os cidadãos sob pretexto de fazer valer as regras ou as medidas de combate à pandemia da covid-19”, lê-se na carta.
No domingo, o secretário de Estado do Ministério do Interior para o Asseguramento Técnico, Salvador Rodrigues, disse que não houve o registo de nenhuma morte durante a ocorrência, que 103 pessoas tinham sido detidas e seis polícias ficado feridos, além da destruição de alguns meios da polícia.
“É por demais evidente que o comportamento das autoridades angolanas particularmente da polícia nacional viola uma série de disposições legais quer nacionais e internacional, mormente a Constituição da República (CRA), o decreto presidencial sobre o Estado de Calamidade Pública, a Carta Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e outros tratados internacionais ratificados por Angola”, observa a OMUNGA.
A organização considera também que a conferência de imprensa dada pela comissão multissetorial chefiada pelo ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, para atualizar as medidas excecionais e temporárias “provou o quão débil é a estratégia de comunicação do executivo angolano, deixando transparecer o uso da força como único recurso válido para o cumprimento das medidas excecionais”.
“Infelizmente, os discursos musculosos por parte dos nossos governantes são responsáveis e incitadores de uma cultura de violência que faz carreira nas hostes da Polícia Nacional, basta recordar a célebre frase, “a polícia não vai distribuir rebuçados”. Foi assim que muitas vidas se perderam desde o início da pandemia, vítima da violência policial”, realça.
À comunidade internacional, a OMUNGA apelou a “prestarem mais atenção às violações dos direitos humanos perpetrados pelo Governo de Angola”, solicitando no documento a libertação imediata dos cidadãos que se encontram detidos e nalguns casos com paradeiro incertos.
O secretário de Estado do Ministério do Interior para o Asseguramento Técnico, Salvador Domingos, disse que entre os detidos estão dirigentes da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), maior partido da oposição angolana, que apoiou a manifestação convocada pela sociedade civil.