Manuel Chang foi detido em 29 de dezembro de 2018 no aeroporto de Joanesburgo, a caminho do Dubai, pelo seu presumível envolvimento na “cabala” multimilionária em Moçambique.
No fim deste mês, fará dois anos que o ex-ministro das Finanças de Moçambique Manuel Chang está preso, sem julgamento, na África do Sul a aguardar extradição por alegado envolvimento em dívidas ocultas de mais de 2 mil milhões de euros.
Aos 63 anos, Manuel Chang foi detido em 29 de dezembro de 2018 no Aeroporto Internacional O. R. Tambo, em Joanesburgo, a caminho do Dubai, com base num mandado de captura internacional emitido pelos Estados Unidos em 27 dezembro, pelo seu presumível envolvimento na “cabala” multimilionária no vizinho país lusófono.
Chang foi ministro das Finanças de Moçambique durante a governação de Armando Guebuza, entre 2005 e 2010, e avalizou dívidas de 2.200 milhões de dólares secretamente contraídas a favor da Ematum, da Proindicus e da MAM, as empresas públicas referidas na acusação norte-americana, alegadamente criadas para o efeito nos setores da segurança marítima e pescas, entre 2013 e 2014.
A mobilização dos empréstimos foi organizada pelos bancos Credit Suisse e VTB da Rússia.
“Este caso tem um impacto significativo nas finanças de empresas, bancos, instituições públicas e sociedades”, vincou a juíza sul-africana Sagra Subroyen, em 15 de fevereiro de 2019, ao rejeitar o pedido de liberdade condicional durante a leitura de uma longa sentença, em que fez a radiografia de “uma cabala elaborada”, considerando que o arguido demonstrou ser um indivíduo “conservador, pedante e desconfiado” durante a negociação do seu pedido de caução, apesar da aparente “vida de luxo que se recusou a justificar”.
A juíza afirmou que o arguido é acusado pelos Estados Unidos de ter recebido 12 milhões de dólares em subornos – sete milhões pelo “sucesso” dos empréstimos para as empresas públicas, e 5 milhões através de duas empresas-fachada em Espanha, e que “não conseguiu provar o motivo de tais transações financeiras”, nem sequer recordar os detalhes das visitas a Portugal, onde esteve dois meses antes de ser preso na África do Sul.
Washington e Maputo solicitaram a extradição do ex-governante moçambicano junto das autoridades sul-africanas, tendo a detenção do dirigente da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), o partido no poder em Moçambique desde 1975, desencadeado outras detenções, entre as quais o filho do ex-Presidente Guebuza.
“O caso é inédito [na África do Sul], até do ponto de vista de direitos humanos num Estado de direito, dois anos é problemático porque o homem não foi julgado e está em detenção simplesmente a aguardar a decisão final para a sua extradição”, sublinhou à Lusa o jurista sul-africano André Thomashausen.
Desde janeiro de 2019, quando Maputo começou por solicitar a Pretória a extradição de Chang para “prestar declarações como testemunha”, as autoridades moçambicanas têm repetidamente apresentado novos argumentos e alterado as circunstâncias do caso, pelo que, este ano, Manuel Chang passou a ser arguido num processo crime, 16 meses depois do pedido original para a sua extradição.
“É curioso que demorou esse tempo todo para entender que a Lei da extradição requer sempre que uma pessoa seja constituída arguida. Não existe extradição de testemunhas”, referiu o jurista.
O advogado de Manuel Chang, o sul-africano Rudi Krause, defendeu por seu lado à Lusa que dois anos depois “a posição legal não se alterou de todo”, salientando que a extradição do ex-governante deveria ter sido “imediata”.
No último dia no Governo, o anterior ministro da justiça sul-africano Michael Masutha, nomeado pelo ex-presidente Jacob Zuma, decidiu repatriar Manuel Chang em 21 de maio de 2019, “para ir a julgamento em Moçambique”, mas a decisão foi de imediato revogada pelo seu sucessor Ronald Lamola, nomeado pelo Presidente Ramaphosa.
Antes do início do confinamento da pandemia da covid-19, em março deste ano, os Estados Unidos voltaram a acusar Moçambique de pretender com a extradição de Chang proteger Guebuza e altos quadros da Frelimo, suspeitos de terem recebido 150 milhões de dólares [138,1 milhões de euros] em “luvas”, “incluindo 10 milhões de dólares para o partido, e 60 milhões de dólares para Armando Guebuza (ex-Presidente) e o seu filho”.
Segundo Thomausen, “há novos interesses em jogo” que dificultam o desfecho do caso, uma vez que “por detrás da solidariedade entre o ANC e a Frelimo, existem interesses económicos corruptos muito sérios, porque uma grande parte das dívidas ocultas foi depois canalizada através da África do Sul”.
“Duvido muito que Manuel Chang consiga manter o seu silêncio porque também já deve estar farto de ser a pessoa que fica com todas as culpas, ficou preso já dois anos, só para salvaguardar os interesses dos seus camaradas”, frisou.
Em causa, refere a mesma fonte, está agora a alegada “privatização” da Polícia da República de Moçambique (PRM) e das Forças Armadas e de Defesa de Moçambique (FADM), no âmbito de uma “militarização” em larga escala na província de Cabo Delgado, contra o alegado “terrorismo ‘jihadista’” no norte de Moçambique, que divide os Estados-membros da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e da União Africana (UA), presidida atualmente pelo Presidente Ramaphosa, quanto a uma possível intervenção na resolução do conflito.
“Poderia até dizer-se que abre um novo episódio de dívidas ocultas, porque esta militarização de Cabo Delgado, agora está a produzir encomendas volumosas de equipamento aqui na África do Sul, a favor de um empresa de armamento privada, que é muito bem conhecida e tem ligações intrínsecas com o ANC, financiou desde 1994 todo o tipo de despesas pessoais de dirigentes e ministros do partido no poder, evidentemente está em vias de receber, ou já recebeu, uma encomenda que ronda os 100 milhões de dólares”, salientou.