A nossa entrevistada justifica a sua afirmação, argumentando que um Estado que depende de um aparelho de Segurança vasto, com fins partidários, controlado pela Presidência (da República), e com recursos para poder “controlar” qualquer situação que ponha em risco a Segurança Nacional, não irá deixar que a população se manifeste em prol de melhores condições de vida ou por eleições livres.
Paula Cristina Roque sublinha que que a INDRA está mancomunada com o MPLA no que à realização dos processos eleitorais diz respeito. A “aliança” entre a empresa espanhola e o partido no poder, em Angola, teve início nas eleições de 2008. Ela sabe do que fala. Leia, com a devida atenção, a entrevista que se segue:
O jornalista e director do semanário “Folha 8” afirmou recentemente que o “MPLA não vai ganhar nem perder as eleições de 2022. Que leitura faz deste jogo de palavras?
É um jogo de palavras muito astuto. De facto, o MPLA não tem condições para ganhar as eleições dada a saturação popular e os erros de governação. Parece-me que existe uma vontade grande de alternância e de novas visões políticas para o País. Porém, o partido no poder vai fazer tudo para garantir uma vitória eleitoral – usando o aparelho do Estado, fundos públicos e privados, o aparelho de Segurança, a órgãos paralelos para implementarem uma estratégia para as eleições que garantem a derrota da oposição. O MPLA continua a acreditar que tem o “direito” histórico de governar Angola e qualquer evento, processo, ou entidade que ponha isso em risco terá de ser ou desarticulada, controlada, co-optada ou eliminada. Infelizmente tudo indica que haverá fraude eleitoral em 2022.
O Governo voltou a contratar a Indra, empresa espanhola, para tratar do processo eleitoral. Há uma forte suspeição sobre a mesma e um grande grau de contestação da Sociedade Civil e dos partidos na oposição. Angola realizará, daqui a sete meses, eleições sob o manto da suspeição? Por que?
A INDRA está associada a várias irregularidades de eleições passadas – embora nunca fossem provadas, de forma concreta – e por isso há um grau elevado de suspeição. Desde 2008 que a INDRA tem desempenhado um papel na logística e funcionamento do processo eleitoral que deram vitória ao MPLA com pouca transparência no destino dos milhões de boletins de votos sobresselentes, e com nenhuma monitorização e fiscalização dos partidos da oposição e sociedade civil. Ou seja, parece haver uma conivência grande entre o MPLA e a INDRA que não favorece confiança no processo eleitoral – para que as eleições possam ser verdadeiramente justas e transparentes. Existem muitas empresas mundialmente que poderão assistir no processo eleitoral e nenhuma chegou a ganhar o concurso publico. Porque?
Qual é a análise que faz da situação política, económica e social de Angola a escassos meses das eleições?
Em meu ver a situação está muito tensa. Pelo que oiço e leio da situação – pois a última vez que estive em Angola foi em Novembro de 2019 – existe uma deterioração significativa nos níveis de pobreza, na fome, na consternação e na necessidade de manifestação. A pandemia acelerou exponencialmente o decréscimo da economia e da qualidade de vida dos cidadãos – a nível mundial – mas que se reflete claramente em Angola. Quando existe desconfiança, medo, e falta de soluções consensuais para problemas sociais e económicos começamos a ter uma situação que poderá resultar em tensões políticas muito graves. Teremos de evitar a todo o custo que haja instabilidade, mas as condições estão presentes.
Com que “olhos” a Comunidade Internacional vê o desempenho da Administração Lourenço?
A Comunidade Internacional está interessada em defender os seus interesses, principalmente. Porém, houve uma grande esperança e otimismo em 2017 quando João Lourenço começou a combater a corrupção, negociou a ajuda com o FMI, quando começou a implementar reformas importantes no sector petrolífero, e quando abriu o espaço político e social. O Presidente teve coragem. Em 2022 o cenário é outro. Existe preocupação com a falta de soluções para os problemas da população; existe preocupação com a forma direcionada do combate à corrupção, existe preocupação com a credibilidade e integridade das eleições. Mas o bottom line – e que a Comunidade Internacional vai trabalhar com quem estiver na Presidência – chegue lá de forma irregular ou democraticamente.
As promessas feitas por João Lourenço nas eleições de 2017 foram incumpridas. Crê que o povo passar-lhe-á, ainda assim, mais um cheque em branco nas eleições de 2022?
Sim, não foram cumpridas. Algumas promessas foram demasiado ambiciosas e fizeram parte da retórica eleitoral para cativar o voto; outras foram penalizadas pela pandemia, e muitas foram resultado de falta de vontade política e capacidade económica. O povo quer resultados e não promessas, vierem de onde vierem. Um “cheque em branco” nunca será uma coisa boa em Angola, porque não gera a necessidade de prestar contas e de responsabilização ao eleitorado. Não haverá “cheque em branco” em 2022.
As sociedades civil e política angolana perderam confiança nos tribunais. Será que decorre do facto de o Tribunal Constitucional ser dirigido por uma pessoa que vem da direção do MPLA, mais concretamente, do seu Bureau Político? O que fazer para acabar com esta suspeicao?
Os tribunais em Angola têm estado ao serviço do MPLA e do Executivo, ao invés de haver a separação de poderes e órgãos de um Estado de direito. Ao servirem interesses políticos e cumprirem “Ordens Superiores”, o descrédito mantém-se. Teria de haver um processo alargado de nomeação de juízes e com o princípio de não poderem pertencer a nenhum partido. O Parlamento deveria vetar os candidatos e aconselhar o Presidente – pois, na realidade, o Presidente tem o poder quase absoluto de nomear tudo e todos.
Pode-se dizer que Angola voltou, com a Administração Lourenço, ao Regime de Partido Único?
Esta situação de “partido único” foi estratégia de José Eduardo dos Santos, não de João Lourenço. Estamos perante uma continuidade.
Os ataques feitos a Adalberto Costa Júnior, líder da UNITA, revelam o quê, na sua opinião?
Os ataques ao Adalberto da Costa Júnior revelam uma insegurança da parte do MPLA. Quanto mais inseguro o partido no poder se sentir em não poder garantir o seu poder hegemónico, mais erros irá cometer – inclusive usar os tribunais e Serviços de Informação para atacar o presidente da UNITA. O MPLA tem muito apoio ainda no País e não tem necessidade de fazer este tipo de jogo. Deveria concentrar-se em governar melhor.
Justifica-se hoje a PR ter um Gabinete de Accão Psicológica (GAP)? Qual é o seu propósito e até que ponto é que prejudica a construção de um Estado de Dto democrático?
O GAP faz parte de um aparelho e mentalidade de guerra de influência soviética. A subversão, a necessidade de influência à opinião pública, de manter um grau de vigilância e de garantir o patriotismo – implica que estruturas e práticas como as do GAP e outros farão parte do universo do poder presidencial. Não servem interesses democráticos nem estruturas do Estado, mas sim partidários.
Perante a instabilidade política e social que se vive, que recomendações tem para a Sociedade Civil e os partidos na oposição, uma vez que, nesta altura, a “Espada de Dâmocles” parece pairar sobre as suas cabeças?
A história de Dâmocles lembra-nos que com grande poder vem grande responsabilidade. A realidade atual em Angola é tão difícil que se a oposição ganhar as eleições e for capaz de tomar posse do Governo, irá enfrentar muitas dificuldades e muitos obstáculos. Como Dâmocles que quis ser imperador sem perceber os riscos e as ameaças e “inimigos” de quem detém o poder – a sociedade civil, a oposição e as igrejas devem todos manter uma postura de princípios, de ética, de integridade porque o poder não é nada fácil de ter. Como a situação está volátil em Angola mais responsabilidade tem de tentar garantir que não haja convulsões. Mas, por outro lado, também não devem deixar de lutar democraticamente por uma Angola melhor.
O MPLA corre o risco de se transformar numa FNLA ou mesmo de desaparecer caso um dia perca as eleições? Ou precisa de refundar-se?
Não, o MPLA fará sempre uma parte importante da política de Angola. Como disse há pouco – o partido ainda tem muito apoio no País, de populações que não se reveem nem na UNITA, nem nos outros partidos da oposição. Mais ainda, o MPLA tem quadros brilhantes, que têm muito a contribuir para o País. Não se deve querer a extinção política de ninguém em Angola porque há espaço e necessidade de haver mais do que uma voz política.
A situação económica mundial e a pandemia Covid-19 não tem jogado a favor da Administração Lourenço ou a situação do País decorre da falta de uma visão holística do País por parte do PR João Lourenço?
Acho que é uma combinação das duas coisas.
A inviabilização da candidatura independente do engenheiro António Venâncio a presidente do MPLA diz alguma coisa sobre a alegada democracia interna no MPLA?
Internamente no MPLA não há democracia partidária; as estruturas de liderança coletiva foram enfraquecidas ao longo dos anos. O engenheiro António Venâncio teve muita coragem em candidatar-se e muitos outros deviam de ter tido a capacidade de o fazer também. Mas como existem divisões dentro do MPLA, há agora uma necessidade maior de mostrar unidade para poder vencer as eleições. Sem dúvida que a UNITA bate o MPLA em relação ao processo democrático de eleger um líder.
Os distúrbios que acontecem em Luanda, às vésperas das eleições visam infundir medo e intimidar a oposição?
Quaisquer “distúrbios’ orquestrados, que poderão agora existir na véspera das eleições, serão para demonstrar o poder do Estado securitário. Estamos a viver um momento perigoso, pois um Estado que depende de um aparelho de Segurança vasto, com fins partidários, controlado pela presidência, e com recursos para poder “controlar” qualquer situação que ponha em risco a Segurança Nacional – não irá deixar que a população se manifeste em prol de melhores condições de vida, ou por eleições livres. Poderemos ver o uso desproporcional de força para demonstrar a todos que irem à rua acarreta graves riscos.
PERFIL
Paula Cristina Roque é analista independente, que conta com 18 anos de experiência em Análise de Conflitos e Segurança Humana em África. De 2001–2019, foi Conselheira para a África Subsariana com a “Crisis Management Initiative”, uma organização para a construção de paz afecta ao antigo Presidente Martti Ahtisaari. É Conselheira Externa Sénior, co-fundadora do Centro de Sudão do Sul para Estratégia e Estudos de Política em Juba. Foi, antes, sénior analista para África Austral – cobrindo Angola e Moçambique – com a “International Crisis Group”.
De 2008–2010 foi investigadora sénior para o Corno de África com “Security Studies”, em Pretoria, África do Sul. Antes trabalhou sobre a China como coordenadora de Investigação para África no “South African Institute for International Affairs”.
Obteve o doutoramento em Estudos de Desenvolvimento pela Universidade de Oxford, no Reino Unido. Possui o grau de Mestre em Direitos Humanos pela London School of Economics e Licenciatura em Antropologia Social, no ISCTE em Lisboa-Portugal. Publicou o livro “Governing in the Shadows: Angola’s Securitized State”, publicado pela editora Hurst/AIA, em Outubro de 2021.