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Por um País para todos: “O povo não sonha” – Alexandra Simeão

Se fosse possível concretizar o teu sonho o que pedirias? “Mãe, me deixa já só embora com os meus dias que já lhes conheço e onde aprendi a fintar a desgraça. Sonhar não é direito dos pobres”. A pergunta foi feita por mim, na via pública, a uma mulher que vendia na rua depois de lhe ter perguntado quantos filhos tinha, pois estava grávida e ainda tinha um pequenino sentado no chão. Continuei a tentar perceber se a pergunta podia ser respondida por outras pessoas, noutras condições. E a resposta da caixa de um supermercado de Luanda foi “Dona, de que adianta sonhar se os sonhos nunca lhes vemos?” A do jovem segurança à entrada do banco foi “Xé, minha kota eu nunca sonhei, nem sei como é que isso se faz?” A do jovem de 13 anos que pede esmola na via pública “Mãe, eu já só quero comer qualquer coisa todos os dias. Os sonhos, Deus já não ouve”.

Fiquei calada durante o resto do dia. Nada era novidade nestas palavras. O dia-a-dia da maioria dos angolanos é uma luta. Mas olhar para uma pessoa e perceber que ela não tem sonhos é assumir a derrota colectiva de um povo que não tem ninguém que lhe valha. O que faz um povo sonhar? Os sonhos nascem da confiança no futuro. Quando vemos que os nossos planos se concretizam. Quando somos recompensados por anos de estudo e encontramos um emprego que consegue pagar uma vida com dignidade. Quando vemos que os nossos filhos têm oportunidade de ir mais longe do que nós fomos, porque a escola pública tem qualidade. Quando olhamos para onde viemos e para onde estamos e sentimos orgulho da dor e dos sacrifícios que tornaram o presente mais feliz. Quando não enterramos todos os dias os nossos filhos. Quando trabalhamos uma vida inteira e olhamos para o resultado e vemos segurança traduzida em bem-estar, em qualidade de vida que é responsável pela felicidade das famílias. Quando falamos com o Estado e ele nos responde, nos apoia e nos respeita.

Angola tem os mesmos problemas há 46 anos. Ter os mesmos problemas durante quatro décadas e não ser capaz de os resolver, de forma definitiva e sustentável, é uma derrota não apenas do Governo, mas também a derrota do povo que perde a esperança. O povo torna-se avulso, independente, não espera nada, não pede nada, vive para jantar. O resto perde o sentido. A sua vida é uma redundância permanente. O OGE e as políticas públicas não atingem a maioria, porque nunca foi séria, nem consequente, a intenção de “resolver os problemas do povo”.

E perante esta dolorosa existência, o povo vê as malas de dinheiro – do seu dinheiro – a serem abertas ao vivo na televisão como se fosse uma novela mexicana de quinta categoria. Na verdade, o problema não está naquelas e noutras malas. O problema está no facto de as nossas instituições terem perdido o sentido de Estado e se terem tornado militantes. Militantes que olhavam para o lado e fingiam que não viam o que estava a acontecer e como um enorme grupo de predadores desviou o futuro de milhões de angolanos. O problema está nos que aplaudiam os que cometiam os erros. Naqueles que ainda hoje em funções queriam “replicar” personagens por serem únicas e sem as quais o País não sobreviveria e que hoje os acusam. Nos que nos fizeram crer que o “oxigénio” que respirávamos era fruto da “arquitectura da paz”. Nos que nos diziam que a corrupçãonão existia. Nos que jantavam à mesa com os 40 ladrões e apanhavam as moedas que caiam no chão. Nos que idolatravam os maus exemplos como se fossem deuses. Nos que venderam e vendem a alma ao diabo por trinta dinheiros por mais um carro, uma casa na Europa ou um relógio de ouro.

O País está de rastos. A diversificação não aconteceu. O desemprego é tão mau que o INE (Instituto Nacional de Estatística) nem consegue apresentar a sua avaliação trimestral. Os planos são redundantes e sem sustentabilidade. A Ciência continua a não ser ouvida. O Governo tornou-se perito em apagar fogos. Sempre que surge a notícia vai lá desenfreado, com a TPA a tiracolo, a tentar mitigar o indesculpável. É assim com as mortes nos hospitais, é assim com a seca no Sul, é assim com a fome e é assim com o desemprego. Continuam a tirar das velhas cartolas planos peritos em falhar. Numa cidade com 10 milhões de habitantes a solução são uns triciclos e uns carrinhos de mão para a recolha do lixo porta-a-porta. Não temos um único serviço de saneamento que funcione e quando pensamos que o novo plano será um sucesso vemos que a montanha pariu mais um caranguejo.

A falta de patriotismo de todos aqueles servidores públicos que colocaram e colocam o “seu dinheiro” a salvo noutros países é demonstrativa da ausência de confiança na economia nacional, nas suas instituições e no futuro de Angola. São estes os grandes responsáveis pelo sentimento de insegurança nacional. O papel dos governos é vital para o fortalecimento da pátria. E para isso é imprescindível que haja coerência, que se construam exemplos de boas práticas para que o processo de reconstrução e reconciliação, em todos os sentidos, seja efectivo e produza efeitos duradouros.

Não podemos continuar a ver crescer uma nação desconfiada, insegura e órfã de um sentimento de pertença. Sem justiça social e sem sabedoria para desenhar caminhos sustentáveis e eficazes a Pátria não se constrói. Um povo sem sonhos não edifica. Um povo sem sonhos não educa. Um povo sem sonhos não tem caminho. Um povo sem sonhos não sobrevive e não tem futuro. Nenhum país vive sem o seu povo. Angola é o POVO. E para Angola crescer o seu Povo tem de ser capaz de sonhar.

 

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