Milhões de pessoas correm risco de vida no sul de Angola devido à seca que está a devastar a região, alertou a Amnistia Internacional
Milhões de pessoas estão em risco de vida e muitas já abandonaram as suas casas no sul de Angola devido à seca agravada pelas alterações climáticas que está a devastar aquela região, alertou quarta-feira a Amnistia Internacional.
A organização humanitária referiu que a criação de fazendas para o comércio de gado em terras comunitárias expulsou comunidades pastorícias das suas terras desde o final da guerra civil, em 2002, o que causou em grande parte da população insegurança alimentar.
Esta insegurança abriu caminho para uma crise humanitária, devido à seca extrema que dura há mais de três anos e à medida que a comida e a água são mais escassas milhares de pessoas já deixaram as suas casas à procura de refúgio na vizinha Namíbia, destacou a organização, em comunicado.
“Milhões de pessoas no sul de Angola estão à beira da fome, presas entre os efeitos devastadores das mudanças climáticas e desvio de terras para a pecuária comercial”, sublinhou o diretor da Amnistia Internacional para a África Oriental e Austral, Deprose Muchena.
O responsável frisou que a pior seca em 40 anos “atingiu comunidades tradicionais que lutavam para sobreviver desde que foram desalojadas de vastas áreas de pastagem”.
“O Governo angolano deve assumir a responsabilidade pelo seu próprio papel nesta terrível situação, garantir soluções às comunidades afetadas e tomar medidas imediatas para resolver a insegurança alimentar nas áreas rurais das províncias do Cunene e Huíla”, atirou.
Em 2019, a Amnistia Internacional já tinha alertado que o Governo angolano tinha desviado pastagens comunitárias naquelas regiões para criadores de gado comerciais, o que impede o acesso a pastagens de qualidade e, portanto, mina a resiliência económica e social das comunidades pastorícias e a sua capacidade de produzir alimentos e sobreviver às secas.
De acordo com o Governo, 67% das pastagens no município de Gambos estão ocupadas por criadores comerciais de gado.
Segundo a organização não governamental (ONG) Associação Construindo Comunidades (ACC), que distribui cabazes naquela região, famílias de pastores tradicionais do município de Gambos, província de Huíla, estão a passar fome.
E acrescentou que dezenas de pessoas morreram de desnutrição desde 2019, maioritariamente idosos e crianças vulneráveis, e que as pessoas estão a recorrer ao consumo de folhas para sobreviverem.
Os angolanos das províncias do Cunene e Huíla têm sido especialmente atingidos pela persistente seca, depois da época de chuva de 2020/2021 ter sido anormalmente seca, o que significa que a situação deverá piorar nos próximos meses.
De acordo com o Programa Mundial de Alimentos (PMA), a falta de chuva entre novembro de 2020 a janeiro de 2021 resultou na pior seca dos últimos 40 anos.
As autoridades da Namíbia registaram um total de 894 angolanos nas regiões de Omusati e Kunene em março de 2021, após os relatos de um grande número de famílias pastorícias das províncias de Huíla e Cunene que abandonaram as suas casas à procuram de refugiu no norte do país vizinho.
Em maio de 2021, ONG’s angolanas relataram que mais de sete mil angolanos, principalmente mulheres com filhos, tinham fugido para a Namíbia, e que o número ainda estava a aumentar.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) referiu que “a frequência e intensidade das secas aumentou em algumas regiões”, incluindo na África Austral desde os níveis pré-industriais devido ao aquecimento global e que “a frequência e intensidade das secas estão projetadas para aumentar particularmente na região do Mediterrâneo e na África Austral”.
Em maio de 2021, o Programa Alimentar Mundial (PAM) estimava que seis milhões de pessoas em Angola tinham alimentos insuficientes, principalmente no sul do país e que mais de 15 milhões utilizavam estratégias de sobrevivência baseadas em crises ou emergências, como economizar ou reduzir despesas não alimentares.
A Amnistia Internacional apelou ainda, no comunicado, às autoridades angolanas e à comunidade internacional para intensificarem os seus esforços de socorro, incluindo o fornecimento de assistência alimentar de emergência sustentada e regular e acesso a água limpa e segura para uso doméstico e consumo nas áreas rurais das províncias do Cunene e Huíla.
“A situação no sul de Angola é um aviso gritante de que as mudanças climáticas já estão a causar sofrimento e morte. A comunidade internacional, especialmente os estados mais ricos e os maiores responsáveis ??pela crise climática, deve tomar medidas imediatas para cumprir as suas obrigações de direitos humanos”, sublinhou Deprose Muchena.