O general Lukamba Paulo “Gato” foi, na qualidade de secretário-geral da UNITA, a figura mais alta na hierarquia do partido, em 2002, após a morte do vice-presidente, António Dembo, e do líder, Jonas Savimbi.
O general Lukamba Paulo “Gato” foi, na qualidade de secretário-geral da UNITA, a figura mais alta na hierarquia do partido, em 2002, após a morte do vice-presidente, António Dembo, e do líder, Jonas Savimbi.
Senhor general, qual é, para si, a importância do 4 de Abril de 2002?
Eu acho, francamente, que o dia 4 de Abril de 2002 devia ter sido melhor aproveitado, para que o país marcasse uma verdadeira viragem, que definisse, sem equívocos, um período histórico antes e um depois. Partimos, como Estado, em 1975, com grandes divisões que fracturaram profundamente o nosso tecido social, com consequências desastrosas para a terra e para os homens do nosso lindo e rico país.
Os dirigentes do país não resistiram à tentação de agudizar e consolidar a hegemonia de uns sobre os outros, tendo sido assim desperdiçada uma flagrante oportunidade para que, juntos, pudéssemos examinar as causas dos nossos conflitos cíclicos e dizermos, em uníssono, um vigoroso “basta” e passarmos tudo para o arquivo, como matéria de referência e importância para a História do país.
Os acordos, assinados em 2002, entre o Governo e a UNITA, estão a ser respeitados? Se não, que aspectos estão a ser violados?
O Memorando de Entendimento do Luena é um complemento aos Acordos de Bicesse, Lusaka e parte do Ordenamento Jurídico do país. Por isso, seria de cumprimento rigoroso e integral. As partes signatárias do Acordo têm, obviamente, direitos e obrigações. Para a UNITA, o essencial das suas obrigações era a desmilitarização e desmobilização das suas forças militares, operação que levamos a cabo com muito rigor e responsabilidade, desde que, unilateralmente, decretamos o cessar-fogo, no dia 13 de Março de 2002, pouco menos de 30 dias desde a morte do presidente fundador da UNITA.
A reinserção social condigna das tropas desmobilizadas, as pensões de reforma para os oficiais subalternos, capitães, oficiais superiores e generais e a devolução do património da UNITA, assim como a participação de membros da UNITA nos Conselhos de Administração das Empresas Públicas eram da responsabilidade do Governo. Se quisermos proceder a um balanço exaustivo, não será difícil constatarmos a existência de um grande défice no cumprimento das obrigações do Governo.
O país alcançou a paz definitiva há 19 anos, mas há quem diga que a reconciliação nacional ainda não é um facto entre os angolanos. Tem a mesma opinião?
Mesmo um observador menos atento a estas coisas pode perceber claramente que, no que concerne à Reconciliação Nacional, Angola ainda tem uma longa caminhada a fazer. Sem prejuízo para o espaço dedicado às nossas disputas políticas, que se deseja tenham urbanidade e lisura, reconciliar é voltar à harmonia nacional com instituições sólidas e políticas públicas atentas ao clamor do cidadão comum. Reconciliar é fazer a grande abertura que dê, a cada cidadão angolano, uma janela de oportunidades iguais para todos e olhar para o adversário político como um irmão e nunca como inimigo a abater.
Reconciliar é despartidarizar a Administração Pública, ter a cultura da tolerância e do diálogo e assumir, com coragem e naturalidade, a possibilidade de alternâncias num Estado que se quer Democrático e de Direito. Reconciliar é procurar buscar os mais amplos consensos na abordagem das grandes questões de interesse nacional. Reconciliar é saber dar e receber, é desenvolver a cultura do respeito pela legalidade, transparência e prestação de contas na gestão da “Polis”.
Que avaliação faz do momento político no país?
A pequena nesga da esperança que transpareceu aos angolanos em 2017, quatro anos depois, transformou-se em desespero das populações. Afinal, estava em perspectiva um período de transição. O bom senso aconselhava os dirigentes a uma nova era, a uma nova forma de ser e estar em política, tendo como principais ferramentas o diálogo, a concertação na busca permanente de consensos nas questões mais fracturantes da sociedade. Quatro anos passaram-se de forma transiente e estamos aqui e hoje em condições de estabelecer um balanço objectivo concreto da acção governativa do Executivo no período em análise. Há razões para afirmar-se que a situação actual do país inspira ainda muitos cuidados.
Ela inspira-nos a justo título ao exercício de cidadania de representar Angola fazendo do diálogo a pedra de toque. Queria aproveitar hoje, 19 anos depois, esta oportunidade que este dia histórico me proporciona para lançar um veemente apelo a todos os que, de perto ou de longe, directa ou indirectamente, contribuíram para que o nosso país vivesse este momento de esperança por dias melhores, com o alcance da paz, em particular aqueles que foram os nossos principais interlocutores no nosso longo e complexo processo de Paz, nomeadamente: Sua Excelência Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço, na altura meu homólogo, secretário-geral do MPLA, Sua Excelência Fernando da Piedade Dias dos Santos, Presidente da Assembleia Nacional, na altura ministro do Interior e coordenador da Comissão Interministerial para o Processo de Paz, o mais velho Lopo Fortunato do Nascimento, os generais França Ndalu, Higino Carneiro e outros, para que unamos sinergias no sentido de impedirmos, por todos os meios legais, políticos e morais, que os oportunistas de última hora falem com tanta ligeireza e irresponsabilidade sobre a guerra e seus efeitos mais do que nefastos, que muitos ignoram por absoluto.
É um apelo à paz?
Somos chamados a preservar a Paz que alcançamos à custa de enormes sacrifícios consentidos por todos os angolanos que pagaram por este bem supremo um preço extremamente pesado. Tenhamos sempre em conta que o nosso país tem apenas 45 anos, desde que se tornou independente, dos quais 27 foram de uma violenta guerra fratricida.
As nossas disputas políticas, decorrentes da concorrência entre os projectos de sociedade com vista a edificar Angola, por mais acirradas que sejam, nunca devem ofuscar o nosso sentimento de fraternidade e a nossa vontade comum de fazermos do nosso país um bom lugar para se viver e trabalhar.
Deixo aqui um desafio no sentido de que os angolanos aprimorem, durante os próximos 45 anos, todos os mecanismos capazes de fazer com que o diálogo franco e fraterno se substitua às desconfianças patológicas que minaram gravemente, e durante anos, a harmonia no nosso seio. Deixemos para as futuras gerações um legado de concórdia, desenvolvimento e justiça social.
Até à morte do presidente fundador da UNITA, o senhor era o secretário-geral do partido. Ainda chegou a concorrer à liderança do partido, no congresso imediatamente a seguir. Mas, de lá para cá, parece estar afastado dos órgãos de direcção do partido. É uma opção ou uma imposição?
As organizações têm de prever e saber lidar com a chamada transição geracional para que possam, a cada momento, identificar os anseios, as expectativa e frustrações das novas gerações. Desta forma, pode-se facilmente manter um fio condutor, combinando a experiência dos mais velhos com a energia e a capacidade inovadora da juventude. Eu, pessoalmente, mantenho-me bastante activo, tanto a nível de base, no órgão em que milito, como ao nível da direcção do partido. Por opção, aí sim, no meu modus operandi, escolhi a circunspecção, porque chegou, de facto, a hora do render da guarda.
Perfil
Natural do Huambo, Lukamba Paulo “Gato” aderiu à UNITA em 1974 e exerceu as seguintes
Funções:
– Secretário-geral da JURA, organização juvenil do partido;
– Director do Gabinete do Presidente fundador;
– Representante da UNITA em França e secretário das Relações Exteriores;
– Chefe adjunto da delegação da UNITA na Comissão Conjunta Política e Militar (CCPM);
– Secretário-geral da UNITA;
– Coordenador da Comissão de Gestão do Partido, depois da morte do Presidente fundador;
– É, actualmente, deputado e vice-presidente da 3ª Comissão da Assembleia Nacional, que trata de assuntos de Relações Exteriores, Cooperação Internacional e Comunidades Angolanas no Estrangeiro.