Diversificação da matriz energética e acesso universal à eletricidade foram hoje identificados pelo ministro angolano da Energia e Águas, João Baptista Borges, num seminário organizado pela presidência portuguesa da União Europeia (UE), como desafios “prioritários” a ultrapassar por Angola.
“Temos o grande desafio de aumentar o acesso da população à eletricidade, recordando que Angola tem uma taxa de acesso de 40% da população”, afirmou João Baptista Borges.
O governante falava no seminário virtual “Angola+Verde: Oportunidades e Desafios de uma transição verde em Angola”, uma de 27 ‘Green Talks’ dedicadas a outros tantos países africanos, organizadas pela presidência portuguesa do Conselho da EU no âmbito do Fórum de Alto Nível UE-África de Investimento Verde, agendado para 23 de abril.
A forma como Angola quer fazer o “caminho da universalização do acesso à eletricidade” é o da “diversificação da matriz energética do país”, sublinhou Baptista Borges.
“Recentemente lançámos um projeto importante que se resume à construção de cerca de 300 megawatts [MW] de capacidade solar, que vão permitir diversificar as fontes da nossa matriz e fazer face à realidade de largas estiagens, que afetam a disponibilidade hídrica e energética”, ilustrou.
Outra das preocupações de Luanda relaciona-se com “necessidades de formação, de capacitação e principalmente de adaptação das soluções tecnológicas aos hábitos e costumes das populações”, disse o ministro.
“Precisamos da experiência de Portugal e de outros países que integram a União Europeia, que estão num estado de desenvolvimento mais avançado, com o acesso universal à eletricidade, mas com preocupações de outra natureza em relação à sustentabilidade ambiental”, afirmou.
Angola está interessada não apenas em receber a transmissão de “boas práticas”, mas sobretudo de “soluções que possam ajudar a regulamentar melhor o domínio do acesso às energias renováveis, a melhorar a [sua] legislação”.
“Temos hoje uma particular preocupação com a atração do investimento privado, considerando que o Estado não vai, por si só, fazer face a todas as necessidades. Mas, para isso, é preciso que este seja um negócio atrativo e seguro para o investidor privado”, frisou o ministro angolano.
O secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Francisco André, que abriu o seminário, referiu que “os orçamentos dos Estados são limitados e as parcerias são fundamentais” para que os objetivos fixados pelos países no quadro da transição verde e da sustentabilidade ambiental sejam alcançáveis.
“Ao falar de transição verde, não falamos apenas de ambiente, mas também de oportunidades económicas e sociais no âmbito deste processo global de transformação e convergência”, acrescentou.
O governante português salientou a oportunidade que constitui o novo Instrumento de Vizinhança, de Cooperação para o Desenvolvimento e Cooperação Internacional (IVCDCI), dotado de 79,5 mil milhões de euros destinados à cooperação da UE com países terceiros, aprovado em meados de março.
“O ‘Europa Global’, aprovado há poucas semanas durante a presidência portuguesa, disponibiliza para o horizonte 2021-2027 um envelope próximo dos 30 mil milhões de euros só para África” e “cerca de 30% dos quase 80 mil milhões de euros destinam-se a combater os efeitos das alterações climáticas”, vincou Francisco André.
Legislação adequada, “qualidade da regulação e do Estado de direito” são “extremamente importantes” para o acesso a estes fundos, e para a “alavancagem” deste investimento potencial, sublinhou o vice-presidente do Banco Europeu de Investimento (BEI), Ricardo Mourinho Félix, que chamou a atenção para o facto do “investimento privado” — “fundamental” à transição verde – ser particularmente sensível às questões relacionadas com o risco.
Pietro Toigo, representante do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) em Moçambique e em Angola, considerou também como “muito importante” que o “sistema multilateral” — UE, BEI e os Estados europeus seus acionistas — “viabilizem instrumentos financeiros para a partilha de risco de vários tipos, que permitam a mobilizar capital privado, especialmente para a área da adaptação climática (…) e energias renováveis em estruturas de ‘project finance’, que são muito sensíveis a perceções de risco”.
Este orador alertou ainda para “uma tendência preocupante de acionistas do sistema multilateral retirarem apoio aos projetos de gás natural”.
“Achamos que, do ponto de vista do continente africano, pode ser um pouco perigoso empurrar [para] uma transição tão rápida”, notou o representante do BAD.
“O gás natural é um combustível relativamente limpo por comparação com o petróleo, e pode trazer a nível global alguns ganhos em termos de emissões, substituindo a geração a carvão e a petróleo nos países emergentes, na Ásia, Índia e China”, defendeu Toigo, lembrando que projetos como o do Gás Natural Liquefeito de Moçambique – o maior projeto no modelo de “project finance” de sempre em África — podem oferecer a alguns países em vias de desenvolvimento a almofada financeira que lhes permita “investir na resiliência climática” e na transição para economias baseadas nas energias renováveis.
O secretário de Estado para a Internacionalização encerrou o seminário com o convite a Luanda para que aproveite a oportunidade do “hidrogénio verde”. “Angola tem a oportunidade de posicionar-se como um país africano com grandes condições para desenvolver boas soluções de hidrogénio verde a partir do seu território”, sublinhou Eurico Brilhante Dias.
“Portugal tem vindo a fazer esse esforço e desenvolvido, até no quadro da UE, projetos de interesse europeu no quadro do hidrogénio verde, é uma tecnologia que conhecemos, que podemos partilhar”, propôs o secretário de Estado, referindo que o hidrogénio verde é apontado como o “suporte” do “desenvolvimento do novo transporte marítimo a partir de fontes renováveis e é a espinha dorsal do comércio internacional”.
Águas, resíduos, construção sustentável, serviços (na área da certificação energética, da consultoria), são “outras áreas prioritárias, onde há ‘know-how’ e parcerias”, em que Portugal aposta na sua relação com Angola, afirmou Eurico Brilhante Dias, chamando a atenção para “instrumentos bilaterais” como a Convenção Portugal-Angola, cujo ‘plafond’ foi aumentado “para 1,5 mil milhões de euros aquando da visita do primeiro-ministro de Portugal a Luanda”, em setembro de 2018.