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Portugal: “Angola não pode parar no tempo!” – 27 de Maio de 1977

Entender o gesto do Presidente João Lourenço – de homenagear as vítimas dos conflitos ocorridos no país de 11 de Novembro de 1975 a 4 de Abril de 2002; de pedir desculpas públicas e perdão pelas execuções sumárias que tiveram lugar no âmbito da tentativa de golpe de Estado de 27 de Maio de 1977; e de entregar às famílias as ossadas dos dirigentes da UNITA tombados em combate, na sequência da refrega pós-eleitoral de 1992, que eclodiu porque o partido de Jonas Savimbi decidiu rejeitar por via das armas os resultados das eleições – transcende a capacidade de quem parou no tempo.
 
E quem parou no tempo – felizmente são muito poucos, contam-se pelos dedos das mãos – prefere não olhar para o alcance, para a dimensão do gesto do Chefe de Estado. Quem parou no tempo ainda lança os mesmos anátemas que serviram de mote para que os angolanos se esquecessem da pertença a uma mesma pátria, do compromisso histórico de construir um país melhor para todos, livre das amarras do colonialismo, que durante séculos nos manietou e nos impeliu uns contra os outros.
 
Quem parou no tempo desconhece o sofrimento das vítimas dos conflitos. E não há melhor definição para o conceito de “vítimas dos conflitos” do que aquela enunciada pelo ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queiroz, que considerou que todos foram vítimas, directa ou indirectamente, independentemente do lado em que tenham (ou não) estado, em que tenham (ou não) participado nos confrontos. Já lá se vão 44 anos desde a intentona golpista, 29 desde as escaramuças pós-eleitoral de 92 e 19 desde o fim da guerra, e o que mais os angolanos desejam, de forma ardente, é ter um país reconciliado, organizado, politicamente estável e com a economia e a sociedade sempre a evoluírem.
 
A esmagadora maioria das pessoas que perdeu os seus entes queridos, dos sobreviventes das tragédias que ensombraram esse período da história do país, estava à espera que este momento chegasse, que lhe fosse devolvida a paz de espírito. Cada um tem a sua história e carrega na alma a marca do passado. Mas quem fez da dor a força para continuar a acreditar num país melhor, do sofrimento o poço de energia para enfrentar as adversidades da vida, sabe que o melhor tributo que se pode prestar a quem partiu prematuramente e nas circunstâncias trágicas em que o evento ocorreu é perdoar, estender as mãos à reconciliação e colocar o seu tijolo no edifício em construção que é esta Angola que queremos renovada. É a isso que o país nos convoca.
 
Xisolla Madeira Vieira Dias Mingas e Eunice Alves Bernardo Baptista, filhas de “Saydi” Mingas e de “Nito Alves”, dois comandantes do MPLA que estavam em campos opostos, irradiaram para Angola inteira a força do simbolismo que o gesto do Executivo tem. Xisolla e Eunice são duas jovens valentes que sabem que a melhor maneira de render homenagem aos pais, e transmitirem aos angolanos fé e esperança no futuro, é cultivarem o espírito de irmandade, de união.
 
Já foi muito o sangue derramado, já se esperou muito tempo por este momento para sarar as feridas das almas e, por isso mesmo, Angola não pode parar no tempo, a esgotar energias a discutir o sexo dos anjos. Deixemos aos historiadores a tarefa de, de forma desapaixonada, trazerem à luz do dia o que realmente aconteceu, na perspectiva de continuarmos a cimentar a reconciliação nacional e a reforçar o sentido de nação.
Todavia, qualquer que seja a conclusão a que os historiadores chegarem, o ensinamento que havemos de extrair do seu trabalho é o de que a ausência de diálogo construtivo, do respeito pelo próximo, de maturidade política, as fragilidades do processo de construção do novo Estado e as influências externas sobre os actores políticos nacionais foram factores decisivos, foram os ingredientes que permitiram que o rastilho dos diferentes conflitos pegasse fogo e se espalhasse pelo país no período entre 11 de Novembro de 1975 e 4 de Abril de 2002.
 
Hoje, já mais serenos, olhando para trás, para esse passado de lições amargas, de histórias que deixam a nossa alma amarfanhada, sabemos mais sobre nós e sobre a necessidade urgente de caminharmos juntos, de mãos dadas, para erguer um novo país. Os que pararam no tempo e que, por auto-exclusão, empreenderam uma cruzada para descredibilizar o processo – quais náufragos em alto mar, tentando ganhar alguma visibilidade que os possa guindar a um estatuto extra, com o objectivo de levantar outros voos – não sabem a figura triste que fazem diante da onda de ovação que percorre o país, como resultado da iniciativa do Presidente João Lourenço, de encerrar este capítulo da história de Angola e abrir uma nova era de convivência política, e a simpatia que granjeou além-fronteiras.
PS: 1.247.700 km2 é a superfície total de Angola. Um lapsus calamis levou a grafar, no texto anterior, 1.246.700 km2.
 
NR: Uma inadvertida alteração por forma a conformar o texto ao livro de estilo do Jornal de Angola levou a colocar, no antepenúltimo parágrafo, a expressão “Somos uma Nação subpovoado”. O termo subpovoado casa com a palavra país. Para que não fique em águas de bacalhau, eis as nossas desculpas aos leitores.
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