Na corrida à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, cargo para o qual concorrem 12 candidatos, o Jornal de Angola foi ouvir , no Cais Sodré, as propostas de Ossanda Liber, a angolana que promete levar aos lisboetas uma cidade mais humana, mais preocupada com o dia-a-dia das pessoas, se ganhar os votos da maioria dos 476.569 eleitores inscritos na capital portuguesa, no quadro das eleições autárquicas de 26 de Setembro, em Portugal, que envolvem 308 municípios e 3.092 freguesias do país
Lisboa conta com 476.569 eleitores, que vão decidir entre 12 candidatos quem será, a 26 de Setembro, o presidente da Câmara Municipal. Que projectos tem Ossanda Liber para ganhar o voto dos lisboetas?
Esta candidatura é a candidatura da integração, é a candidatura da inclusão social, é a candidatura da humanidade. Estamos no mundo e precisamos todos uns dos outros e precisamos, sobretudo, de ser mais humanos uns para com os outros. Basicamente, o que eu senti é que estava a faltar esta humanidade na Câmara Municipal de Lisboa. Apesar de não ser portuguesa, aqui é a cidade onde eu moro e faz todo o sentido eu participar na vida activa dos lisboetas, levando mais humanidade aos habitantes de Lisboa. Analisei as várias propostas que foram apresentadas e percebi que nenhuma delas tinha em conta as pessoas, então decidi participar para tornar Lisboa uma cidade mais inclusiva e interessada no quotidiano das pessoas.
O facto de não contar com o apoio de qualquer máquina partidária não será, à partida, uma desvantagem para a vossa candidatura?
Pelo contrário, isso dá-nos vantagem, porque na nossa candidatura não há dogmas, não há uma agenda partidária, porque as estruturas partidárias, que eu respeito e acho que devem continuar a existir, estão muito focadas em programas globais, em programas nacionais. A nível local, em que tem que se estar mais próximo das pessoas, em que se tem de conhecer bem o terreno de actuação política, eu penso que os grandes partidos pecam por isso mesmo. Por serem tão grandes e terem estruturas muito pesadas não conseguem estar suficientemente próximos das pessoas. A estrutura da nossa candidatura, embora pequena, está a ser muito bem recebida pelos lisboetas, porque no contacto directo as pessoas sentem que o único interesse que esta candidatura tem é realmente o bem-estar e a felicidade dos lisboetas.
Na imprensa aparece como franco-angolana. Isso não fragiliza a vossa candidatura?
Ser angolana não coloca qualquer problema, mas efectivamente, do ponto de vista formal, o que me permite concorrer é o facto de eu ser, também, francesa. Claro que há sempre quem, por ignorância ou por desconhecimento da situação, ache estranho que uma pessoa que não tem a nacionalidade portuguesa possa candidatar-se a uma eleição autárquica. Na minha óptica Portugal é um país muito avançado democraticamente, na medida em que o que é relevante aqui não é tanto o país de origem, mas o sentimento de pertença que as pessoas têm pela cidade. Eu tenho este sentimento de pertença. Eu vivo cá, os meus filhos estão a ser educados cá, o meu quotidiano é feito cá, é esta cidade que eu conheço bem e como o ordenamento jurídico o permite, eu acho que é aqui que faz todo o sentido candidatar-me à presidência da Câmara Municipal de Lisboa.
A mobilidade urbana foi o tema mais aceso no último debate dos 12 concorrentes à Câmara de Lisboa. Todos os 11 candidatos criticaram o plano de transportes públicos e ciclovias de Fernando Medina, o actual presidente da Câmara e candidato à sua própria sucessão, dizendo que está desadequado em relação às necessidades dos lisboetas. O que propõe a candidata Ossanda Liber?
Eu não sou contra o investimento em projectos sustentáveis de mobilidade, como é o caso das bicicletas. Não tenho nada contra. Eu acho fantástico. Pessoalmente não sou ciclista, mas os meus filhos andam de bicicleta todos os dias, adoram, deslocam-se de trotinete pela cidade. Além de ser saudável para eles, é muito bom para o ambiente. Agora, para dizer a verdade, o que está a acontecer é uma deturpação de prioridades. O que o actual executivo de Fernando Medina pretende é que os lisboetas deixem os carros em casa e se desloquem em transportes alternativos. O problema é que não se vai ao trabalho de bicicleta, não se leva os miúdos à escola de bicicleta. Nós temos sempre que nos deslocar de outros transportes. O que se está a fazer, de forma errada, é em vez de um processo de transição, em que se vai dando relevo aos novos modos de transportes, está-se a impor às pessoas que deixem os carros em casa quando ainda não há outras alternativas reais de mobilidade, que no caso seriam os transportes públicos. Neste momento, Lisboa não tem nem em frequência, nem em pontualidade, nem as rotas necessárias para assegurar que os lisboetas se possam deslocar exclusivamente de transportes públicos. Para a Câmara Municipal de Lisboa vamos sempre defender esse investimento na mobilidade sustentável, mas com respeito por aquilo que é a actual realidade, sem estar a pressionar os lisboetas.
O que tem como projectos no sector da habitação a candidata que já viveu em Luanda, Paris e agora Lisboa?
É verdade que eu vivi nestas três cidades. Cresci em Lu-anda, vivi em Paris e agora vivo em Lisboa. Na verdade, são três realidades completamente diferentes, mas que me permitem projec-tar para Lisboa uma cidade ideal. O drama da habitação é que Lisboa teve um crescimento incrível nos últimos anos. Há muita gente de Portugal e do estrangeiro, essencialmente de países europeus, a vir morar em Lisboa, tendo como resultado menos casas. A nossa proposta, para resolver isso, é uma combinação de várias medidas. Não sei se sabe, o Município de Lisboa é o maior proprietário imobi-liário da cidade, é detentor de 26 mil fogos. Portanto, é um património muito grande. E essas casas, no fundo, são dos lisboetas. Se forem requalificadas e colocadas no mercado a preços acessíveis, irão seguramente ajudar imenso a resolver o problema. Uma outra opção seria a requalificação dos bairros sociais para equipará-los aos outros bairros de classe média. Não temos que continuar a ter bairros sociais. Temos que misturar as populações para criar coesão social e, com isso, acabar com as desigualdades sociais. Por outro lado, isso iria permitir colocar mais casas em Lisboa para as pessoas interessadas em viver na cidade em condições dignas.A partir do momento em que começarmos a implementar todas essas medidas, os senhorios, que hoje não se sentem suficientemente protegidos em caso de incumprimento dos inquilinos e colocam as casas em arrendamento local, que é aquele alojamento de curta duração, optariam pelo mercado de arrendamento de longo prazo.
Com que dinheiro se faria isso?
A Câmara Municipal de Lisboa tem fundos e nós propomos que se dedique parte desse dinheiro na criação de um seguro que garanta protecção ao senhorio sem ter de recorrer aos tribunais, em caso de incumprimento por parte do inquilino. É um pacote de medidas que, nós acreditamos, ajudaria, a médio prazo, a resolver o problema da habitação em Lisboa.
Quem assessora Ossanda Liber nesta corrida à Câmara Municipal de Lisboa?
Eu encabeço o movimento, dou a cara, mas na verdade somos 78 pessoas de um movimento cívico, que todos os dias sai à rua para levar as nossas propostas aos lisboetas.
O nome Ossanda Liber poderá dizer muito pouco a muitos angolanos, embora seja se-guida no Instagram por cinco mil pessoas. Quem é, afinal, a angolana que concorre à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, a capital de Portugal e antiga potência colonial de Angola?
Nasci há 43 anos na Maternidade Lucrécia Paim, em Luanda, onde vivi até à altura em que, por razões amorosas, saí de Angola para viver na Europa. Vivo em Portugal há cerca de 20 anos. O meu pai, Nené Filipe, é médico, e a minha mãe, Maria José, é psicóloga. Sou angolana de origem e francesa por casamento. Os meus quatro filhos nasceram todos em França, mas depois acabámos todos por vir viver em Lisboa porque é o sítio que mais agrega a comunidade angolana e permite um maior contacto com a minha família aqui e em Angola.
Defende, no manifesto de candidatura, uma Lisboa inclusiva e de todos. Está a falar dos direitos dos migrantes de bairros degradados de Lisboa como Chelas e Madredeus, onde vivem centenas de angolanos e de outros cidadãos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa?
Sim. A imigração foi, aliás, o primeiro propósito deste movimento. Quando criámos o movimento tínhamos como foco a inclusão social dos imigrantes, por todos os motivos que nós conhecemos, mas quando chegámos à rua percebemos que não eram só os imigrantes que se sentiam desintegrados, havia muitas outras comunidades segregadas, o que nos levou a ampliar o âmbito do projecto. No que respeita aos imigrantes concretamente, há aqui esta questão preocupante da habitação. Esses bairros sociais, que albergam imigrantes e não só, não deviam existir nas actuais condições, deviam ser requalificados, mantendo, obviamente, aquilo que são os custos que as pessoas hoje incorrem para lá estarem. Daí o papel da Câmara Municipal de Lisboa renovar esses edifícios para acabar com as discrepâncias sociais e todo o mundo se sinta bem.
Entre os mais fortes concorrentes à presidência da Câmara Municipal de Lisboa estão Fernando Medina, do Partido Socialista, e Carlos Moedas, do Partido Social Democrata (PSD), os dois grandes partidos da vida política portuguesa. A candidata Ossanda Liber não receia ser esmagada por estes dois colossos?
Eu acredito que sim. A verdade é que nós temos feito um caminho incrível de crescimento. Na semana passada houve um debate na RTP que levou a nossa mensagem a milhões de pessoas e isso fez com que o retorno comece a haver. Os lisboetas receberam a nossa mensagem e dizem-se disponíveis para apostar em nós. Por isso nos sentimos em igualdade de circunstâncias. O nosso projecto é um projecto inovador, é um projecto único, é um projecto humano, é um projecto que apela àquilo que é a nossa natureza enquanto seres humanos e eu acredito que os lisboetas estão a perceber isso é vão demonstrá-lo no dia 26.
Ossanda Liber tem tido a cobertura justa da imprensa na presente campanha?
Está a chegar aos poucos. A imprensa escrita começou por reagir primeiro, mas desde o debate da semana passada na RTP começámos a atrair mais imprensa para nós. As televisões, sobretudo as comerciais, regem-se por interesses editoriais próprios e nós compreendemos isso, mas com a nossa campanha enérgica estamos a conseguir vencer tudo isso. Hoje (sexta-feira), por exemplo, vêm até aqui ao Cais Sodré a TSF, a TVI e outros ór-gãos de comunicação cobrir a nossa campanha. Sentimos que a comunicação social está a dar-nos a relevância que nós merecemos.
O Estado paga a vossa campanha eleitoral?
Não, não! O Estado só eventualmente nos reembolsa se nós ganharmos algum mandato, seja na Câmara Municipal, seja na Assembleia Municipal. Por enquanto somos nós mesmos que juntamos algum dinheiro para custear as despesas da nossa campanha.
Com quantos votos consegue assegurar lugares na Câmara Municipal e na Assembleia Municipal?
Onze mil para a Assembleia Municipal e para a Câmara Municipal, dependendo a taxa de abstenção, entre onze mil e 13 mil.
O que tem a dizer aos potenciais eleitores da diáspora em Lisboa?
À diáspora em Lisboa temos a dizer que este movimento também é deles. É absolutamente deles. Eu sei que muitos não têm votado, não se sentem representados. Desta vez não há desculpas. Têm uma representação. O nosso movimento é aberto. É a nossa oportunidade de lisboetas, vindos de Angola, Brasil, Guiné-Bissau, Cabo-Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Timor-Leste e de outras latitudes geográficas, terem uma porta aberta na Câmara Municipal para irem ao encontro daquilo que são as suas preocupações, seja de integração, seja de vivência em Lisboa.