O relatório da Pangea revela um conhecimento minucioso da nova arquitetura do poder do país e coloca o Presidente angolano no radar da justiça dos EUA. Paradoxalmente, esta possibilidade constitui a maior fragilidade do documento.
O relatório divulgado pela Pangea Risk que coloca João Lourenço no radar da justiça norte-americana constitui a maior peça de artilharia até agora disparada contra o atual Presidente angolano.
O documento atinge a sua principal finalidade, a de pôr em causa a credibilidade de João Lourenço e a de insinuar o seu envolvimento em escândalos de corrupção, um mal que o atual inquilino do Palácio da Cidade Alta prometeu combater desde que tomou posse como Presidente.
A análise da Pangea, uma consultora com sede nas Maurícias, retrata o novo núcleo empresarial que gravita à volta de João Lourenço de forma minuciosa, o que revela um conhecimento sólido dos bastidores da governação, mas dá um salto maior que a perna ao avançar que as autoridades norte-americanas poderão tomar medidas de natureza criminal.
Segundo a consultora “a família [de João Lourenço] está a ser investigada por numerosas violações do FCPA (lei sobre Práticas de Corrupção no Exterior), transações bancárias ilegais, fraudes bancárias para a compra de imóveis nos Estados Unidos, e uma conspiração para defraudar o Departamento de Justiça dos EUA pela família Lourenço”.
Todavia, a realidade é que as autoridades dos EUA nunca encetaram um procedimento judicial baseado na FCPA contra membros de um governo em exercício. Acresce que a administração Biden se encontra há pouco tempo em funções, circunstância que torna improvável a tomada de qualquer decisão relativamente a um país periférico no contexto das prioridades da Casa Branca. Fontes ouvidas pelo Negócios, salientam também que a Pangea Risk (antiga EXX Africa) tem uma reputação duvidosa no mundo corporativo.
A entrevista da embaixadora dos EUA e o mal-estar
Apesar desta evidência, a constatação de que o relatório abalou o Governo de Angola ficou patente na necessidade de a Rádio Nacional de Angola (RNA) ter emitido a 19 de fevereiro uma entrevista que havia sido realizada 17 dias antes à embaixadora dos EUA em Angola. Nessa conversa, Nina Maria Fite afirma que “a administração Biden vai dar todo o apoio ao Presidente João Lourenço, no combate à corrupção” e sublinha os “avanços impressionantes na continuação de uma agenda anticorrupção” por parte do Governo angolano. Ora, de acordo com o Novo Jornal, o facto de a entrevista só ter ido para o ar depois de conhecido o relatório da Pangea Risk causou mal-estar junto da embaixada dos EUA em Angola por se considerar que a mesma foi “descontextualizada”.
No entanto, há outro aspeto que merece ser destacado. A Pangea avisa que as supostas práticas de fraude, corrupção e peculato “deverão ter impacto nos investidores estrangeiros em Angola e frustrar as relações do país com doadores e credores nos próximos meses”, enquanto, a embaixadora norte-americana, na referida entrevista à RNA, revela que estará para breve o anúncio de um grande investimento privado dos EUA em Angola. Será apenas coincidência que um relatório alerte sobre investimentos em risco quando está um em vias de ser anunciado?
No balanço, é incontestável que o documento da Pangea Risk embaraça João Lourenço e sinaliza que os seus adversários estão longe de ter atirado a toalha ao chão. Uma pressão que se poderá acentuar com o aproximar das eleições gerais em Angola que se deverão realizar em setembro do próximo ano.