Medina revela que Portugal nunca teve de pagar por incumprimento de Angola na linha de crédito de 1,5 mil milhões ao Estado angolano, que vai ser alargada esta semana em mais 500 milhões.
O Estado português nunca foi chamado a fazer “qualquer pagamento” por incumprimento de Angola ao abrigo da linha de crédito de 1,5 mil milhões de euros dada por Portugal a Luanda. Essa linha vai ser aumentada em 500 milhões de euros esta semana, para um total de dois mil milhões.
“Desde 2004 e até agora não houve incumprimento de qualquer pagamento por parte de Angola ao abrigo da Convenção”, disse ao ECO fonte oficial do Ministério das Finanças, explicando que, no âmbito do acordo, “não há desembolso de qualquer quantia a favor da República de Angola ou empresa que naquele país preste a sua atividade comercial”.
O que acontece, segundo o Ministério das Finanças, é que “o Estado português emite uma garantia pessoal de Estado ao Estado angolano e este último emite uma garantia à instituição de crédito que irá financiar o projeto a realizar por uma empresa portuguesa”. Nos termos da Convenção, o Estado compromete-se a conceder, através da COSEC, “a cobertura de riscos de créditos inerentes à exportação de bens de equipamento e serviços de origem portuguesa destinados à República de Angola e esta compromete-se a garantir, através do seu Ministério das Finanças, o bom pagamento e a transferência dos montantes relativos às exportações efetuadas ao abrigo da Convenção.” É nesse sentido que o Ministério das Finanças sublinha que “a intervenção de Portugal circunscreve-se à cobertura do risco.”
Quanto ao procedimento, o acordo prevê que as autoridades angolanas identifiquem os projetos, “cabendo a Portugal confirmar que os mesmos se enquadram nos requisitos da Convenção e proceder à emissão da garantia”, explica o gabinete de Fernando Medina.
Angola assume que há até 300 milhões em dívida
Apesar de não haver incumprimentos, as empresas portuguesas têm assistido a atrasos nos pagamentos. O ECO questionou o Ministério das Finanças sobre, entre outras coisas, o estado dos pagamentos em atraso e os setores em que são mais significativos, mas não obteve resposta até ao fecho deste artigo.
No entanto, numa entrevista conjunta ao Expresso e à Lusa, publicada na sexta-feira, o Presidente da República de Angola, João Lourenço, fez um balanço sobre as dívidas por pagar. Segundo o Chefe de Estado, a dívida certificada a empresas portuguesas em Angola ronda os 500 milhões de euros, dos quais foram pagos 390 milhões e estão em falta “cerca de 100 milhões”. Além desta, existem mais 200 milhões de euros em dívida que ainda não foi certificada pelas autoridades angolanas e “que ainda precisam de ser certificados”, disse Lourenço.
Não é claro se todo o montante, que ascende assim a 700 milhões (500 milhões certificados e 200 milhões não certificados), corresponde a projetos abrangidos pelo acordo bilateral, assinado a 18 de novembro de 2004 com o nome completo de Convenção relativa à Cobertura de Créditos à Exportação de Bens e Serviços de Origem Portuguesa para a República de Angola.
Por ocasião da visita do ministro das Finanças português a Angola, em abril, a responsável pelas Finanças angolanas, Vera Daves de Sousa, explicou como estão a ser processados os pagamentos em atraso: “Estamos continuamente a pagar tudo aquilo que está no sistema e que possa ter um período de pagamento superior a 90 dias. Procuramos ir honrando os nossos compromissos. Tudo o que está no sistema está pago, salvo algumas exceções em que temos mais que 60 ou 90 dias por pagar e que será também resolvido a breve trecho”, disse, citada pela Lusa.
A ministra acrescentou que, para os casos que não cumpram o procedimento normal, “aí o trâmite é diferente”. “Temos que levar a cabo uma verificação maior. A Inspeção Geral da Administração do Estado [IGAE] tem que certificar essa dívida e depois volta para nós, uma vez certificada, para entrar no processo de regularização e pagamento”, justificou.
António Costa aterra em Luanda e concede mais 500 milhões
Esta segunda-feira, o primeiro-ministro português inicia uma visita oficial de dois dias a Angola. António Costa tem previsto encontros com o Presidente angolano, empresários e a comunidade portuguesa no país. Serão assinados vários acordos, incluindo o programa de cooperação que materializa o aumento da linha de crédito para dois mil milhões de euros.
Esse aumento tinha sido negociado por Fernando Medina e a homóloga angolana, Vera Daves de Sousa, há cerca de dois meses, quando o ministro das Finanças de Portugal promoveu uma visita a Angola. Na altura, o governante português declarou: “Faremos com empenho, mas sobretudo com grande gosto das empresas portuguesas e mais ainda do Estado português aquilo que pudermos fazer, que estiver ao nosso alcance para que, o mais rapidamente possível, se possam concretizar os investimentos e os projetos que servirão o povo angolano.”
Agora, em declarações ao ECO, o Ministério das Finanças explica que a decisão de aumentar a linha de crédito a Angola em 500 milhões de euros visa apoiar o acesso das pequenas e médias empresas (PME) portuguesas ao mercado angolano, apoiando as exportações.
“Face ao interesse de Portugal na diversificação da economia e no desenvolvimento do comércio nacional – em linha com o que é feito pelos restantes países europeus, e outros que também participam no Consensus da OCDE –, entendeu-se que a linha de crédito que tem a cobertura de Portugal deveria ser estendida em um quarto do seu valor atual, ou seja, em 500 milhões de euros, para um total de dois mil milhões de euros. Este tipo de colaboração internacional pretende precisamente prestar apoio à exportação e acesso a outros mercados por parte de empresas portuguesas, nomeadamente as PME”, diz fonte oficial do gabinete de Medina.
De acordo com o Presidente angolano, “o crédito de exportação incentiva a deslocação das empresas portuguesas para Angola, uma vez que se sentem mais confortáveis e com a garantia de que o que vêm fazer fica coberto por esse crédito de exportação”. O aumento do crédito anunciado pelo ministro das Finanças “vai ser utilizado, em princípio, para a construção de infraestruturas”, explicou o Chefe de Estado.
Um dos projetos que estão a ser financiados com garantia pessoal do Estado português a Angola é a requalificação da Vila de Muxima, localizada a 130 quilómetros a sul de Luanda. Esta empreitada conta com uma garantia do Estado português no montante de 112 milhões de euros e 1,2 milhões de euros da comissão da garantia.
De acordo com despacho publicado em Diário da República, a execução da empreitada na Vila da Muxima será realizada pelo consórcio de empresas portuguesas Casais – Engenharia e Construções e Omatapalo Engenharia e Construções, e deverá ser concluída no prazo de 36 meses.
O financiamento da obra ficará a cargo do sindicato bancário constituído pelo Banco BAI Europa, Banco Comercial Português e Banco Atlântico Europa; e pressupõe a amortização em dez anos “através de 20 prestações iguais, semestrais e sucessivas, vencendo-se a primeira decorridos 6 meses após o termo do período de utilização”, assumindo uma taxa de juro composta pela Euribor a 6 meses acrescida de um spread de 2%.
Questionado sobre este projeto, o Ministério das Finanças justificou que “a República Portuguesa emitiu uma garantia pessoal de Estado ao Estado Angolano que, por sua vez, se financiou junto de uma instituição de créditopara concretizar a empreitada correspondente à primeira fase do projeto – a reconstrução da vila”.