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Portugal: General português lamenta que angolanos não usufruam do potencial do país

A poucos dias de Angola celebrar 45 anos de independência, o general Pezarat Correia disse que gostaria de ver o país como um lugar onde “os angolanos tivessem direito a usufruir das potencialidades da sua terra”.

“Gostava que Angola fosse hoje um país onde fosse agradável viver, onde os angolanos tivessem direito a usufruir das potencialidades da sua própria terra, que (…) tivessem direito àquilo que merecem e não tiveram”, afirmou o general Pedro Pazarat Correia numa entrevista à Lusa a propósito do aniversário da independência do território.

Hoje, Angola atravessa novamente “um processo de reversão”, com uma situação económica “difícil” e a social a “agravar-se”, considerou.

“Neste momento parece-me que (…) está outra vez num processo de reversão. Em termos económicos a situação é muito difícil, muito complicada”, afirmou, acrescentando que não sabe como o país está a reagir ao problema da pandemia de Covid-19, porque não tem muitas notícias sobre isso.

Além disso, “socialmente, creio que a situação está a agravar-se muito em Angola e está muito complicada”, considerou.

Para o militar e um dos homens envolvidos nas negociações que conduziram ao Acordo de Alvor, o documento que estabeleceu as bases para a transição do poder no território, a economia angolana precisa de mudar e a política também.

Angola “tem todas potencialidades”, só precisa de aproveitá-las, com a reconversão da sua economia, de forma a que esta deixe de ser “baseada na monocultura do petróleo (…)” e passe a aproveitar a agricultura, a agropecuária, a pecuária, o turismo, o setor mineiro e a água que o país tem, considerou.

Para tal, precisa “de penetrar no interior, por vias de comunicação, ferroviárias, rodoviárias”, acrescentou. Um interior que é para o oficial do Exército português reformado de “um potencial económico extraordinário”.

Quanto à política e governação em Angla, o general considerou que os primeiros anos de João Lourenço foram “animadores” e que a saída de Eduardo dos Santos do poder “foi extremamente tardia”.

“Os primeiros anos de João Lourenço foram, até certo ponto, animadores para mim. Pareceu-me que realmente alguma coisa mudou. Neste aspeto, da reconversão económica, ele deu alguns sinais”, afirmou.

Para Pezarat Correia, Eduardo Santos deveria ter promovido uma transferência de poder “logo no princípio deste século. Logo que a guerra civil ficou resolvida”, numa altura em que havia um “ambiente de paz e de reconstrução em Angola e em que o país teve um período de progresso económico”, graças à alta dos preços do petróleo.

“Não o fez. Foi um erro grave”, sublinhou.

Para o militar que fez parte do Movimento das Forças Armadas (MFA) português e foi membro do Conselho da Revolução, a mudança em termos políticos em Angola passa por uma cisão dentro do MPLA, partido no poder desde a independência do país.

“Não vejo que haja ainda nada que indicie que as oposições possam ganhar o poder em Angola através do processo eleitoral”, afirmou.

Para Pezarat Correia, a tendência depois das independências foi para que os movimentos de libertação se perpetuassem no poder, e estes, “pela sua natureza não são partidos políticos”, mas sim “frentes, (…) de várias tendências”.

Por isso, considera que “a evolução, quer em Angola, quer em Moçambique há de acabar por dar-se por cisões dentro do partido dominante”.

Atualmente, “começa a haver acusações ao poder publicamente” e até pessoas que teriam estado ligadas a Eduardo dos Santos e que neste momento são próximas de João Lourenço “começam a ser acusadas também de aproveitamento do poder”, sublinhou.

Assim, “admito que haja mesmo uma cisão, com o aparecimento de um partido dissidente do MPLA”. E pode “ser por aí que venha a passar o fim do monopólio do poder do MPLA em Angola”, concluiu.

O país “tem estrutura cultural, massa cinzenta, quadros” e “tem possibilidades e capacidade para vir a ser aquilo que todos gostaríamos que Angola já fosse hoje”, concluiu.

 

Parte militar do acordo de Alvor “falhou terrrivelmente” 

 

O general Pezarat Correia, um dos homens envolvidos nas negociações para o Acordo de Alvor, assinado entre o governo português e os principais movimentos de libertação de Angola, em 1975, considera que a componente militar do documento “falhou terrivelmente”.

“Havia uma componente fundamental, e foi aqui onde o Acordo do Alvor falhou terrivelmente e depois deu lugar a toda a tragédia que se passou, que foi a parte militar”, porque não se conseguiu prever o que viria a acontecer depois, afirmou Pezarat Correia, numa entrevista à Lusa quando faltam poucos dias para Angola celebrar 45 anos de independência, a 11 de novembro.

“Não falhou por causa de nós”, parte portuguesa, “mas sim porque os movimentos não cumpriram o que tinham acordado” no Alvor, em 1975, uma situação que, na opinião do militar português, foi depois agravada com as interferências externas, inclusive das grandes potências mundiais, em Angola.

O Acordo de Alvor, assinado entre o governo português e o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), em janeiro de 1975, no Alvor, Algarve, estabelecia as bases para a transferência do poder, de Portugal para os três movimentos de libertação ao longo de um período de transição, permitindo, assim, a independência da antiga colónia portuguesa, que era considerada “a joia da coroa” do império colonial português.

Neste sentido, o acordo estabelecia, entre outras coisas que deviam ser constituídas, para o período de transição, aquilo a que se chamou umas “forças militares mistas”.

Assim, cada um dos movimentos de libertação deixava de ter as suas forças guerrilheiras, com que se apresentaram nas negociações que antecederam o Alvor, e “contribuiria, em partes iguais, com 8 mil homens cada” para a nova força conjunta, na qual o lado português “teria uma parte igual aos três movimentos juntos”.

“Portugal teria 24 mil homens, (…)”, com os três ramos, Exército, Marinha e Força Aérea, presentes, e cada um dos outros movimentos “contribuía também com 8 mil homens”, explicou Pezarat Correia, salientando que os movimentos tinham praticamente “só Exército, guerrilheiros”.

O comando destas forças mistas, seria conjunto, constituído por generais portugueses e “os chefes guerrilheiros dos três movimentos, em total paridade”, adiantou.

A força militar mista, composta a pouco e pouco, tinha por missão assegurar “a paz interna entre os movimentos e a inviolabilidade das fronteiras”.

O problema residiu no facto de que, para chegarem aos 8 mil homens cada, os movimentos “tiveram que se reforçar”, porque “o único que tinha mais guerrilheiros do que os 8 mil era a FNLA”.

“O MPLA não tinha 8 mil e a Unita muito menos tinha 8 mil”, contou o militar de Abril. Já Portugal, pelo contrário, para chegar aos 24 mil tinha que desmobilizar, porque contava, na altura, com “cerca de 60 mil homens (…)”, adiantou.

Assim, Portugal começou por desmobilizar as tropas de recrutamento local, as tropas africanas, contou.

“Na altura, quase 50 por cento das nossas tropas do exército eram africanas, eram angolanos. E estes foram os primeiros, até porque já não se sentiam bem no Exército português”, explicou.

Mas “logo que nós começamos a desmobilizar os movimentos de libertação começam a recrutá-los para as suas fileiras”, afirmou o General do Exército português agora reformado.

De seguida, Portugal desmobilizou as suas forças auxiliares, compostas “por homens com 13 anos de experiência de guerra, e o MPLA e a UNITA começaram imediatamente a tentar mobilizá-los”.

O resultado, de tudo isto foi que “passado pouco tempo a UNITA, a FNLA e o MPLA tinham muito mais do que os 8 mil homens. Só que em vez de contribuírem com essas tropas para as tais forças militares mistas, que atuassem em conjunto, pelo contrário, trataram foi de reforçarem as suas tropas partidárias”, admitiu.

“Foi a violação absoluta do acordo Alvor. E em março já estavam outra vez em guerra uns com os outros” e “nós perdemos o controlo da situação”, concluiu o militar.

Quanto ao modo como poderia ter sido negociada a parte militar para que não tivesse surgido este problema, o general responde: “Não tenho resposta”.

Portanto, “Portugal confiou”, disse Pezarat Correia, reafirmando, porém, que ele próprio saiu do Alvor “com a convicção” de que forças militares mistas iriam ser constituídas.

A realidade mostrou que não só não foram constituídas como “os movimentos de libertação reforçaram cada um o seu aparelho e entraram em guerra e reforçaram a guerra uns contra os outros”, afirmou.

E “a determinada altura, a única coisa que sobreviveu do Acordo do Alvor foi a data da independência”, acrescentou.

“A partir do momento em que se começou a verificar que os movimentos de libertação não contribuíam para as forças militares mistas, apercebi-me que o acordo tinha falhado”, confessou.

Até porque Portugal, que estava a desmobilizar, “tinha aqui, na metrópole, tudo nas ruas a dizer: ‘nem mais um soldado para as colónias’, ‘Regresso dos portugueses já'”. E, em Angola, os portugueses perguntavam o que estavam ali a fazer.

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