Economistas falam em falta de transparência: Cálculos com base no despacho presidencial fixam valor da vacina em 18,5 dólares por dose, mas preço máximo na origem é de 10 dólares.
Os 111 milhões de dólares autorizados pelo Presidente da República para a aquisição de seis milhões de doses da vacina russa Sputnik V têm estado a provocar suspeições de sobrevalorização, quando comparados ao preço por dose, nunca superior a 10 USD, estipulado pela fabricante. Cada dose para Angola vai custar 18,5 USD, precisamente o dobro do que tem sido vendido no mercado internacional.
No entender dos economistas Daniel Sapateiro e Eduardo Manuel, o processo de aquisição “está coberto de falta de transparência”. A vacina de origem russa custa oito USD, podendo ter descontos de até dois USD. Segundo informação disponível no próprio site da Sputnik V, o preço máximo é de 10 USD por dose, valor justificado pela limitação nos lucros demasiado elevados com as vendas da vacina.
“A vacina, a custo real, custaria cerca de 48 milhões de USD e não os 111 milhões, pelo que necessitaríamos de mais informação do porquê de um valor acima do dobro. Mesmo que se incluam despesas de transporte, seguro e documentação legal, nada que possa, alegadamente, justificar a diferença apresentada”, refere Daniel Sapateiro.
Por sua vez, Eduardo Manuel defende a fiscalização por parte da sociedade e instituições, atendendo a actual realidade do país, agravada com as restrições impostas pela covid-19. “Se olharmos para a actual conjuntura económica, é óbvio que a quantidade de vacinas a ser adquirida deverá ser acrescida, para justificar o valor autorizado, mas tendo sempre em atenção o valor real do custo unitário da vacina, que poderá ser acrescido de outros custos, cujos valores não estão disponíveis.”
Daniel Sapateiro mostra-se ainda mais inquieto pelo facto de se desconhecer como será liquidada está importação, se por recurso a fundos do Tesouro Nacional, se a despesa vai somar à dívida ou se ainda existe outro instrumento e meio financeiro. Recorda, entretanto, que os fundos públicos são “bens escassos e que merecem prestação de contas, bem como a importância da transparência diante das obrigações do FMI”.
“O pronunciamento das autoridades por via dos departamentos ministeriais das Finanças e Saúde daria uma imagem de transparência e de prestação de contas, práticas de gestão fundamentais para garantir e melhor a confiança e a credibilidade interna e externa”, assinala o economista, acreditando que a opção por contratação simplificada surge da urgência de abastecimento do mercado de vacinas e do programa de vacinação em Angola.
“Pode verificar-se que o trabalho de planeamento de aquisição pode ter gerado que o procedimento de compra deveria ter cumprido um conjunto de passos que ajudariam na maior clarificação do processo de importação, dos preços estabelecidos, e outros trâmites tidos por convenientes em processos de importação, especialmente com as especificidades do mercado de importação de medicamentos e vacinas, e com certeza, este processo está mais em consonância com as boas práticas de prestação de contas e maior transparência que a ajuda técnica e financeira do FMI veio trazer desde a implementação em 2019 e findando a 2021”, sublinha Daniel Sapateiro.
O VALOR contactou tanto o Ministério das Finanças e da Saúde e ambos alegaram que quem deve esclarecer sobre a aquisição dos seis milhões de doses da vacina russa é a Presidência da República e a Comissão Multissectorial de combate à covid-19.
Um pouco por todo o mundo, a vacina tem sido vendida por menos de 10 USD a dose. Por exemplo, nove estados do Nordeste brasileiro compraram 37 milhões de vacinas, pagando, no total, 365 milhões de USD, o que dá uma média de 9,8 USD por vacina.
Os jornais russos e britânicos têm feito referências que a vacina Sputnik V tem sido vendida ao dobro do preço em África, comparando aos restantes países. O jornal Financial Times revela que a União Africana (UA) prevê a compra, até maio, de 300 milhões de doses ao preço de quase 19 USD por dose.
Ninguém da UA quis comentar o preço da vacina, mas o director do Fundo de Investimento Russo Directo, responsável pela venda de vacinas, reafirmou que o “preço estabelecido, para todo o mercado internacional, é inferior a 10 USD”, por vacina.
Angola não responde à proposta Russa
Em Outubro, Moscovo apresentou ao governo de João Lourenço uma proposta para a construção, em Luanda, de um laboratório para a produção de vacinas. Na altura, o embaixador da Rússia no país, Vladimir Tararov, afirmava que a materialização estava “dependente mesmo só do desejo e da disponibilidade” do Governo angolano.