Entre perder a face ou perder o poder, João Lourenço e o MPLA parecem ter optado por deixar de lado a sua credibilidade como instrumento da mudança em Angola e agarrar-se com unhas e dentes ao poder. Com receio de que a crise económica e a força da oposição política, com o surgimento de uma Frente Patriótica Unida entre os líderes da UNITA, Adalberto Costa Júnior, do PRA-JA Servir Angola, Abel Chivukuvuku, e do Bloco Democrático, Filomeno Vieira Lopes, lhes façam perder as eleições, o partido que um dia foi único não quer deixar nada ao acaso.
E o mais curioso é que foi o próprio Tribunal Constitucional, ao recusar a inscrição do partido político de Abel Chivukuku, um dos mais populares e carismáticos políticos angolanos, a forçar o ambicioso antigo conselheiro de Jonas Savimbi a aceitar uma coligação com o seu antigo partido e, sobretudo, a pôr de lado a sua vontade de ser Presidente de Angola em prol de uma frente unitária de oposição que possa quebrar a hegemonia do MPLA, que governa o país desde a independência.
Já nem a luta contra a corrupção, cavalo de batalha de João Lourenço desde que herdou o poder de José Eduardo dos Santos em 2017, serve ao actual Presidente para manter alguma da aura de reformador que ainda chegou a ter. JLo falhou redondamente nessa sua cruzada pela moralização da vida política que hoje é encarada mais como tendo sido apenas instrumento para batalhas internas dentro do MPLA (nomeadamente para fragilizar a família Dos Santos) e não para mudar a gestão da coisa pública no país.
Em crise económica desde 2014, sem grande investimento estrangeiro, com os encargos da dívida externa tão altos que já nem a subida do preço do barril de petróleo permitem aliviar um pouco a situação de degradação social que se vive actualmente em Angola, Lourenço e o MPLA têm pouca margem de manobra naquilo que podem mostrar como êxitos para garantir a sua vitória eleitoral e a reeleição do seu Presidente. Não é que a oposição tenha muito para mostrar, mas pode sempre escapar com a aura imaculada de quem nunca exerceu o poder.
Perdido nessa encruzilhada, com uma oposição mais forte, uma situação conjuntural pouco favorável, uma pandemia que deixou marcas na já por si depauperada economia do país, o MPLA viu-se perante a terrível conclusão: em nenhum momento dos quase 46 anos de independência do país a possibilidade de derrota numas eleições foi tão alta como agora.
Com todos os alarmes a soar nas sedes do partido e nos gabinetes governamentais, do poder central e das províncias, sem apoios internacionais que possam valer com a injecção de dólares ou euros tão necessários para fazer funcionar uma economia ancilosada por falta de financiamento, o MPLA parece ter sopesado o risco e decidido que manter o poder valia alguns atropelos à democracia, para evitar que as eleições do próximo ano sejam uma incógnita demasiado grande.
O afastamento de Adalberto da Costa Júnior por meio do Tribunal Constitucional (cujos juízes são nomeados pelo Presidente da República, que colocou uma sua secretária de Estado, membro do bureau político, a liderá-lo) e esta acusação de tentativa de homicídio aceitada pela Procuradoria-Geral da República dão a ideia de que o MPLA colocou todas as instituições do país a trabalhar para um só propósito: “a sua continuação no poder. Sem decoro, nem entraves, mesmo que isso custe a credibilidade interna e externa do seu Presidente, que até já se mostrará disposto a enterrar o machado de guerra com José Eduardo dos Santos e a sua família”. Esta última parte do mandato de João Lourenço ameaça apagar qualquer laivo de esperança que ainda possa haver sobre a sua capacidade reformadora e acabar a torná-lo culpado de publicidade enganosa.