spot_imgspot_imgspot_imgspot_img

Portugal: João Lourenço (JLO) não aceitou usar discursos orquestrado pela a equipa de José Eduardo dos Santos (JES) para a campanha eleitoral de 2017

Porque o plano de José Eduardo dos Santos (JES) nunca foi sempre o mesmo. O escritor Pepetela chamou-lhe de xadrezista, mas há quem prefira ver nele um grande planificador. As duas ideias não se excluem. Não querendo morrer como Chefe de Estado. “Tinha medo do que poderia acontecer aos seus familiares se isso acontecesse”, frisa um politico angolano. A primeira decisão que se impunha era definir o momento da saída. E aí parece ter falhado. 

“O grande erro foi não ter definido o timing certo. Depois da paz de 2002, as eleições podiam ter sido em 2006 e teria saído o mais tardar em 2012 quando o petróleo e a economia angolana estavam em alta. Hoje, ninguém lhe poderia imputar a conjuntura internacional e africana da crise angolana”, defende Mário Pinto de Andrade, que tem o mesmo nome que o tio, o intelectual e um dos fundadores do MPLA, Mário Pinto de Andrade.

O “grande estratega” caiu na armadilha do longo poder. “Comportou-se como infalível”, rodeou-se “de pessoas que faziam apreciações do seu desempenho pouco sinceras e demasiados elogios, tornaram-no na pessoa menos informada do palácio presidencial”, afirma Sérgio Calundungo.

“Ele foi apanhado pelo dilema da segurança que os líderes africanos têm, o do prisioneiro. O dia seguinte foi sendo adiado e, claro, a entourage que o rodeava também contribuiu para isso. Quando se cria num chefe a cultura do medo…”. O reitor da Universidade Lusófona não esquece “que muitos dirigentes do MPLA o empurravam para que ficasse mais tempo no poder”. “Havia camaradas meus, colegas de partido, que imploravam: ‘Não, o chefe não pode sair porque senão vai ser o caos, o dilúvio. E ele ficava ali…”

O “grande estratega” caiu na armadilha do longo poder. “Comportou-se como infalível”, rodeou-se “de pessoas que faziam apreciações do seu desempenho pouco sinceras e demasiados elogios, tornaram-no na pessoa menos informada do palácio presidencial“, assegura Sérgio Calundungo. Um exemplo? “Havia 15 jovens a protestar contra o regime e ele disse: ‘São frustrados, não tiveram desempenho académico’”. Mas também é verdade que ele não recebia com bom grado as críticas, refere um ex-ministro de JES recordando como ele se afastou de Maria Mambo Café quando ela lhe chamou a atenção para as críticas dentro do partido sobre os negócios dos filhos — membro do Bureau Político do MPLA, conheciam-se há muitos anos, dos tempos em que, jovens, se reuniam no fundo da carpintaria do irmão mais velho de JES a congeminarem contra os portugueses.

A verdade é que podia ficar no poder até 2022 — “Não estou a ver alguém, à época, no MPLA, que se opusesse a isso,” diz Mário Pinto de Andrade. Mas saiu em 2017. Teria encontrado o sucessor que lhe desse melhores garantias?

O movimento Revu “criara ondas de choque no interior do partido e a ideia da necessidade de uma nova geração de políticos no interior do MPLA que assumisse as rédeas do país”, diz Filomeno Vieira Lopes. JES tentou juntar o útil ao agradável e, como se fosse um monarca, terá preparado uma sucessão dinástica, o filho Zenu. Só que o partido, desta vez, teve outra vontade.

Afastada a ideia do filho, JES apostou então tudo em Manuel Vicente: o homem que colocara à frente da Sonangol durante 12 anos, lhe permitira alimentar a sua estrutura de poder e com quem tem alguma relação de parentalidade. Sentou-o em duas vice-presidências: a do partido e a do país. Na primeira, teve algumas resistências — a ala mais conservadora do MPLA nunca recebeu bem um não militar e sem traquejo político, explica Paulo Inglês. No aparelho de Estado não teve qualquer problema, chegando a substituir JES quando ele esteve em tratamento em Espanha e representando-o internacionalmente.

Até que alguma coisa os separou. O quê? Como quase tudo o que se relaciona com José Eduardo dos Santos, há poucas certezas. Em Angola, nada do que parece, é. Isabel dos Santos terá descoberto um esquema paralelo na Sonangol quando assumiu a presidência da petrolífera, e não gostou, adianta o sociólogo angolano e especialista em estudos africanos. Isso poderá ter influenciado o pai, “sempre muito suscetível aos caprichos e desejos da filha”, pensa o investigador do Instituto Superior Politécnico Jean Piaget de Benguela. Um político português conhecedor da realidade angolana adianta mesmo ao Observador que “nos últimos anos JES estava mais fraco, mais vulnerável à ala feminina da família”, leia-se às filhas e a Ana Paula dos Santos.

Um analista político que falou com o Observador sob reserva de identidade adianta que JES ficou chocado quando a filha o informou de que a fortuna de Manuel Vicente seria muitas vezes superior à dela. “JES sabia que ele roubava, com o seu beneplácito, mas nunca pensou que seria tanto.”

Justino Pinto de Andrade concretiza: “José Eduardo dava instruções a Manuel Vicente para colocar dinheiro em vários sítios. Todos beneficiaram do dinheiro da Sonangol, todos eles. E o Manuel Vicente, claro, enquanto dividia uma parcela pelos sacos dos outros, no dele metia metade do bolo, daí o ter-se transformado no mais rico”. E como, “na ideia do JES, o poder é dinheiro, o Manuel Vicente ia ter muito poder pois tinha muito dinheiro. E se juntasse ao dinheiro o poder político, então seria um desastre. Penso que isso também assustou o JES”.

João Lourenço parecia ser a escolha acertada, o “homem que ia manter a sua presença, mesmo estando fora do poder presidencial” sublinha Reginaldo Silva. Ironia das ironias, “JES acabou derrotado por alguém que usou a sua tática” conclui Marcolino Moco.

Descartado, Manuel Vicente, quem? Uma outra fonte ligada ao Bureau Político do MPLA diz que terá pensado então numa bicefalia, qe juntasse Bornito de Sousa e João Lourenço — solução também defendida pelo chamado corredor de Catete, grupo de dignitários regionais entre o Catete e o Cunene que integra bispos metodistas e figuras de peso no MPLA, acrescenta um político próximo do Palácio. O general António França “Ndalu” e Roberto de Almeida tê-lo-ão demovido. António Pitra da Costa Neto, que foi ministro da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social terá sido abordado. Mas o advogado e membro do Bureau Político do MPLA recusou o convite.

Decidiu-se por João Lourenço. O “mimoso” (assim o conheciam no Lobito), depois do acto falhado de 2001, usou a velha técnica de se fazer de morto. Discreto, calado, sem manifestar grandes opiniões, João Lourenço parecia ser a escolha acertada, o “homem que ia manter a sua presença, mesmo estando fora do poder presidencial”, sublinha Reginaldo Silva. Ironia das ironias, “JES acabou derrotado por alguém que usou a sua tática” conclui Marcolino Moco.

Há quem, como Justino Pinto de Andrade, julgue que JES, “que era um homem de equilíbrio étnico, quis desluandizar o poder, pelo menos na Presidência da República, depois de dois presidentes da área dos kimbundos”: “Terá pensado num meio umbundo. João Lourenço nasceu no Lobito, para conquistar eleitorado do centro e neutralizar alguns eleitores da UNITA”.

Pouco depois de o indicar como seu sucessor, José Eduardo dos Santos leu bem os primeiros sinais de que se poderia ter enganado quando João Lourenço se recusou a usar os discursos que a equipa de JES preparara para a campanha eleitoral de 2017. “Percebeu que João Lourenço, como uma vez disse Isaias Samakuva, não ia ser o seu motorista”, conta Reginaldo Silva. Algumas fontes ligadas ao partido dizem ao Observador que ainda terá tentado voltar atrás, mas a decisão já era pública.

A escolha de JLo, como também é conhecido, “é um erro ou uma consequência não intencional porque JES não contou com o ressentimento de João Lourenço”, diz Paulo Inglês.

Apesar disso, ainda conseguiu influenciar a escolha do novo elenco governativo, incluindo alguns elementos da equipa presidencial — e antes de sair fez aprovar na Assembleia Nacional um decreto que conferia ao Presidente cessante o poder de nomeação das chefias das Forças Armadas Angolanas, da Polícia Nacional e dos Serviços de Inteligência por quatro anos, renováveis por igual período. Ainda tentou fazer aprovar uma lei que o fixava como Presidente Emérito, garantindo-lhe uma série de regalias vitalícias e imunidade criminal e civil, mas a ideia não foi bem aceite pelo MPLA. “Isso é fantochada do antigo leste europeu. Porquê? Para quê? Porque o Papa é emérito? Fica mais dignificado como ex-Presidente do que como emérito, até parece um cargo de chacota. Presidente Emérito é nos partidos políticos, agora na nação não, até lhe fica mal”, explica Mário Pinto de Andrade ao Observador. A Assembleia Nacional acabou por deixar cair o Emérito e as imunidades de JES ficaram iguais às dos deputados.

Restava-lhe o poder do partido-Estado, o MPLA: quis cumprir o seu mandato até ao final, acabava em 2021. “Só que a conjuntura do momento já não lhe dava essa legitimidade, o Comité Central discutiu isso numa reunião muito quente, a cultura política do MPLA é que o Presidente do país é também o do partido e decidimos fazer um congresso extraordinário para dar dar lugar ao JLo”, esclarece Mário Pinto de Andrade. JES poderia ter resistido, não o fez. “Ele é uma pessoa muito tranquila, nunca levantou a voz, falou sempre suavemente, não fez guerra, e cedeu o lugar”.

O que JES não esperava é que João Lourenço apontasse as baterias da luta contra a corrupção — que até tinha sido um lema seu —, contra a sua família, os seus generais e amigos. E muito menos que aquele que até poderia ter sido o seu delfim em 2001 o responsabilizasse pelo descrédito internacional e pela crise do país. JES ainda se sentiu obrigado a justificar-se numa conferência de imprensa a partir da sua Fundação para dizer que deixara 15 mil milhões de euros nos cofres do Estado.

Depois, zangado, em 2019 deixou o país num avião da TAP em direção a Barcelona. João Lourenço ainda foi a casa de JES, no Miramar, pedir-lhe que viajasse no avião que sempre usou, alugado pelo seu homem de confiança, o general Dino, com os pilotos que sempre o serviram. O avião estava pronto na placa, era só dizer a hora em que queria embarcar, mas o ex-Presidente recusou. Por questões de segurança, teria medo que o matassem? “Não temos essa cultura. Ia com o Dino e o Kopelipa, homens dele, avião deles… foi por teimosia, estava irritado”, recorda Mário Pinto de Andrade.

José Eduardo dos Santos parece estar completamente sozinho, mas “ainda tem muitos aliados e muito dinheiro”, avisa Paulo Inglês. A animosidade visível em 2017 e início de 2018 em relação ao ex-Presidente tem-se vindo a esbater. “A intensidade dessa raiva”, acumulada nos muitos anos em que a família Dos Santos “esteve sentada na cadeira do poder”, foi-se dissipando e “hoje José Eduardo é um ‘mais-velho’ na cabeça de muitas pessoas, merece algum respeito, e, dizem alguns, nem tudo foi mau nos tempos dele”, afirma ao Observador Ricardo Soares de Oliveira.

Em alguns círculos, “até há uma certa forma perversa de admiração de Isabel dos Santos, uma angolana que mesmo assim, dizem, se ‘conseguiu desenrascar lá fora’” continua o professor de estudos africanos da Universidade de Oxford. Muitos elogiam o facto de a “Princesa” ter investido algum dinheiro em Angola e criado empregos. Esta complacência, no entanto, “não significa muito politicamente para Isabel ou para JES”, conclui Ricardo Soares de Oliveira. Mas essa é outra história.

spot_imgspot_imgspot_imgspot_img
spot_imgspot_imgspot_imgspot_img

Destaque

Artigos relacionados