O antigo presidente angolano José Eduardo dos Santos não respondeu a uma carta do antigo homólogo português, Aníbal Cavaco Silva, acerca da situação do BES Angola (BESA), segundo respostas enviadas à comissão de inquérito ao Novo Banco.
De acordo com a missiva a que a Lusa teve acesso, Cavaco Silva escreveu uma carta a José Eduardo dos Santos em 25 de julho de 2014 “em que considerava fundamental que a Autoridade de Supervisão Angolana confirmasse publicamente com urgência que não estava em causa o reembolso dos créditos que o BES tinha concedido ao BESA pelo seu valor nominal, carta cujo conteúdo fora sugerido pelo próprio Banco de Portugal”.
“Esta carta não teve qualquer resposta”, escreve o antigo chefe de Estado, revelando que a mesma foi escrita em resposta a “pedidos do Governo e do governador do Banco de Portugal”, que à data era Carlos Costa.
O antigo Presidente da República Cavaco Silva respondeu à Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução recorrendo a transcrições do seu livro “Quinta-feira e Outros Dias”, um documento com oito páginas, nas quais responde conjuntamente às perguntas feitas pelo BE, PS e PAN.
Na secção dedicada ao BESA, Aníbal Cavaco Silva cita uma passagem em que refere que na X Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), que decorreu em Díli em julho de 2014, o vice-presidente de Angola Manuel Vicente disse que os créditos do BES e BESA não estavam em causa.
“O vice-presidente de Angola, abordado sobre o assunto quer por mim quer pelo primeiro-ministro [Pedro Passos Coelho], disse que os créditos do BES sobre o BESA não estavam em causa, confirmando assim o que o governador do Banco Nacional de Angola teria comunicado ao governador do Banco de Portugal. Ao regressar a Lisboa fiquei a saber que, afinal, o assunto não estava resolvido”, cita assim Cavaco Silva o seu livro.
O tema do BESA foi um dos abordados nas perguntas do BE ao antigo chefe de Estado, tendo o partido questionado se “procurou ou manteve algum tipo de contacto com instituições angolanas sobre a situação do BESA ou da garantia soberana sobre uma carteira de créditos daquele banco”.
A exposição do BES ao BESA entre 2008 e 2014 passou de 1.700 para 3.300 milhões de euros, sendo correspondente a 47% dos fundos próprios do BES à data da resolução.
A exposição do BES ao BESA esteve coberta, até pouco depois da resolução do BES, por uma garantia soberana de Angola, assinada pelo Presidente da República de então, José Eduardo dos Santos, e cuja validade foi reiterada pelo ministro das Finanças, Armando Manuel, tendo depois sido revogada.
Segundo uma carta da KPMG enviada à comissão de inquérito, a KPMG Angola obteve “do Ministério das Finanças de Angola a confirmação expressa sobre os termos da garantia soberana”, referindo que “responsabilidade pelo reembolso de um conjunto de créditos seria efetuada pelo Estado angolano” referente ao valor líquido de dívida a 31 de dezembro de 2013, e que a garantia era “firme, definitiva e irrevogável”.
A KPMG diz ainda desconhecer “em absoluto” o que levou à suspensão da garantia soberana anunciada em 04 de agosto de 2014, referindo que no dia 01 de agosto “o Banco Nacional de Angola dirigiu ao BESA uma comunicação que não pode deixar de pressupor a validade e eficácia da garantia”.
De acordo com informação disponibilizada pela KPMG Angola, o valor estimado abrangido pela garantia poderia ascender a 3,4 mil milhões de dólares, “correspondendo a créditos no valor total de 5,4 mil milhões de dólares líquidos de colaterais de cerca de dois mil milhões de dólares”.
O original da garantia soberana ao Banco Espírito Santo Angola (BESA) foi devolvido às autoridades angolanas na sequência da sua revogação.
“O original da garantia, que se encontrava nas instalações do BESA, foi devolvido às autoridades angolanas, na sequência da revogação da garantia em causa pelo ministro da Finanças de Angola, comunicada ao BESA por carta de 08 de agosto de 2014”, pode ler-se numa carta, que cita outra, enviada por César Brito, ex-vogal do BES, a que a Lusa teve acesso.
No documento, em resposta a perguntas do PSD, o antigo responsável do BES refere que nunca viu a garantia e que o banco não tem os anexos da mesma, remetendo para o despacho assinado por José Eduardo dos Santos, ex-Presidente de Angola.
“As dúvidas e omissões resultantes da interpretação e aplicação deste diploma são resolvidas pelo Presidente da República”, explica.