O líder do Movimento do Protetorado Lunda Tchokwe (MPLT), “Zeca Mutchima”, e 25 manifestantes envolvidos em protestos em Cafunfo foram acusados pelo Ministério Público dos crimes de ultraje ao Estado e seus símbolos e associação de malfeitores, refere o despacho de acusação
De acordo com o despacho a que a Lusa teve acesso, José Mateus “Zeca Mutchima” está a ser acusado num processo único com outros 25 coarguidos, tendo em comum os crimes de ultraje ao Estado e seus símbolos e associação de malfeitores, enquanto os manifestantes vão responder também pelos crimes de rebelião.
Em causa está o incidente ocorrido no dia 30 de janeiro deste ano, em Cafunfo, província angolana da Lunda Norte, na sequência de uma tentativa de manifestação por populares, que resultou em mortes e feridos, na sequência de confrontos entre manifestantes e a polícia.
Em declarações à Lusa, a defesa de Zeca Mutchima disse que aguarda agora a pronúncia do juiz, para a marcação da data do julgamento.
Segundo Salvador Freire, o processo do seu constituinte foi convolado ao dos restantes coarguidos, “como se Zeca Mutchima estivesse na província da Lunda Norte, pelo simples facto de ser líder dessa organização”.
“Nós vamos rebater isto, estamos a tentar encontrar recursos financeiros para nos podermos deslocar [para a Lunda Norte] a ver se vamos rebater isso”, referiu.
Salvador Freire salientou que Zeca Mutchima continua detido em Luanda, frisando que o seu constituinte “nunca esteve na Lunda Norte”.
“Nem sequer conhece a Lunda Norte, ele é natural da Lunda Sul, mas saiu de lá há muito tempo, foi formar-se no exterior e nunca esteve na Lunda Norte”, disse.
O despacho refere que os 25 coarguidos e outros, numa composição de 400 pessoas, pertencentes ao denominado MPLT, munidos de armas-de-fogo, do tipo AKM, caçadeiras, flechas, ferros, paus, instrumentos cortantes, engenhos explosivos de fabrico artesanal, forquilhas (fisgas), pequenos machados, catanas e estátuas de superstição (vulgo palhaços) se deslocaram às instalações onde funciona a esquadra policial de Cafunfo, com o objetivo de ocupar a mesma.
O documento realça ainda que eram objetivo dos manifestantes fazer a aposição da bandeira do MPT, tendo os factos ocorrido no dia 30 de janeiro de 2021, cerca das 04:00, na localidade de Cafunfo.
Sobre o arguido Zeca Mutchima, o despacho realça que no mês de fevereiro de 2018, o mesmo, nas vestes de presidente do MPLT submeteu uma solicitação à Casa Civil do Presidente da República para realizar manifestações nas províncias do Moxico, Lunda Sul e Lunda Norte.
Em resposta, Zeca Mutchima foi orientado a solicitar autorizações aos respetivos governos provinciais e municipais.
“E, neste entretanto, a direção do Movimento do Protetorado Lunda Tchokwe na localidade do Cuango endereçou um pedido à administração municipal respetiva, para que fosse autorizada a realização da marcha no dia 30 de janeiro de 2021, pretensão negada por aquela entidade, devido ao estado de Calamidade que o país observa”, refere a acusação.
O Ministério Público na sua acusação sublinha que as forças de defesa e segurança, alertadas sobre a intenção dos membros do MPLT, realizaram trabalhos de sensibilização, para chamar atenção “da perigosidade de tal ato, dado o estado de Calamidade sobre a covid-19, em vigor no país, e o perigo que tal ato podia provocar para a ordem e segurança públicas, que proíbe ajuntamentos de pessoas”.
De acordo com o documento, a resposta negativa da administração não agradou os membros do MPLT e começaram a “realizar atos com a presença de mais de 20 pessoas, sem uso de máscaras”.
“Contrataram um suposto quimbandeiro da República Democrática do Congo com o fito de prepará-los em magia (feitiçaria) para não serem visíveis aos olhos dos membros dos órgãos de defesa e segurança durante os atos que iriam protagonizar, no dia 30 de janeiro de 2021”, lê-se na acusação.
“Alheios aos conselhos dos membros dos órgãos de defesa e segurança, num trabalho de rotina dos agentes da autoridade, foram surpreendidos numa residência um número considerável de indivíduos, no bairro Elevação/Cafunfo, e, em consequência, foram apreendidos artefactos que usavam na superstição”, expõe ainda o Ministério Público.
No dia 30, os manifestantes “fiéis à sua natureza”, cerca das 03:00 num grupo de cerca de 400 pessoas, munidos de armas-de-fogo e objetos contundentes, garrafas cheias com gasolina, caudas de animais, se deslocaram à esquadra da polícia e no percurso golpearam o corpo do ofendido Alfredo Domingos Ebo, nas regiões da cabeça, dorsal e quadrante superior interno da região nadegueira direita, tendo sido socorrido ao Hospital da Sociedade Mineira do Cuango.
A arma-de-fogo que se encontrava em posse do ofendido, do tipo Galili foi apossada pelos manifestantes, refere a acusação.
No decurso da marcha, os coarguidos lançaram bombas artesanais e deixaram inconsciente e ferido nas regiões da cabeça, nas duas mãos e queimadura no membro inferior esquerdo um oficial das Forças Armadas Angolanas (FAA), com a patente de tenente-coronel, ao qual foi igualmente retirada uma arma-de-fogo do tipo AKM.
Segundo a acusação, um outro ofendido declarou ter visto um grupo de pessoas, entre as quais duas mulheres nuas, a movimentarem-se em direção à esquadra, munidos de armas-de-fogo, paus, forquilhas, garrafas contendo gasolina, caudas de animais e uma bandeira do MPLT, tendo feito disparos contra a sua viatura e os projeteis danificado os vidros traseiro e lateral da porta traseira direita.
A acusação realça que “as forças de defesa e segurança reagiram à ação dos coarguidos, tendo como consequência provocado morte e ferimentos dos intervenientes”.
Salienta ainda que os Zeca Mutchima e oito coarguidos declararam ser presidente e membros do MPLT, que pagavam uma quota mensal de 500 kwanzas (0,6 euros), tendo a organização como objetivo “dividir o território angolano em Angola e Lunda Tchokwe”.
“Os coarguidos sabiam que para realizar manifestação pública é necessária autorização da autoridade competente, mesmo sabendo disso, socorreram-se de armas-de-fogo, bombas de fabrico artesanal, catanas, forquilhas, paus, e a ação doa mesmos provocou como consequências a morte de pessoas, ferimentos dos ofendidos, danos materiais, agiram livre, deliberada e conscientemente”, destaca a acusação.
Contra os coarguidos militam as circunstâncias de premeditação, pactuado entre mais pessoas, cometidos por mais pessoas, surpresa, estrada, noite, superioridade em razão da arma e acumulação de crimes.
O processo, com seis coarguidos estrangeiros, todos da República Democrática do Congo, conta com 22 declarantes.
A versão das autoridades angolanas apontava, na altura, para a existência de seis mortos entre os manifestantes e feridos entre as forças de defesa e segurança, mas estes números são contrariados por dirigentes do MPLT e organizações da sociedade civil, que apontam entre uma dezena e mais de 20 óbitos.
A par deste processo contra os manifestantes, foi igualmente instaurado um outro processo-crime contra membros dos órgãos de defesa e segurança.