Oposição espera que a presença do ex-Presidente, após mais de dois anos, abra brechas no partido governante, o MPLA. Este, pelo contrário, espera do Presidente João Lourenço um gesto de reconciliação com o antecessor
No mesmo dia em que chegavam a Luanda, há 40 anos, os restos mortais de Agostinho Neto — falecido a 10 de setembro de 1979 em Moscovo —, o seu sucessor, José Eduardo dos Santos, decidiu também regressar a Angola após ter vivido em Espanha durante dois anos e cinco meses. Só por uma vez o antigo Presidente (1979-2017) interrompera a estada em Barcelona, onde recebeu tratamento médico. Foi ao Dubai apoiar a filha, Isabel dos Santos, na sequência da morte por afogamento do marido desta, Sindika Dokolo, em 2020.
O regresso a Angola de Eduardo dos Santos, que se impôs um autoexílio, apanhou em contramão a cúpula do MPLA (Movimento Popular pela Libertação de Angola, no poder desde a independência e de que o ex-Presidente foi líder). A força política governante parecia convencida de que o antigo chefe jamais voltaria a pôr pés em Angola.
“Regressarei e, se quiserem, que me prendam!”, desabafou há seis meses o antigo chefe de Estado, em conversa telefónica privada com um amigo de infância. “Homens como ele, banhados de romantismo, foram feitos para morrer na sua terra”, explicou ao Expresso um antigo colaborador de José Eduardo dos Santos.
Contrariando os intentos das filhas, Isabel e Tchizé dos Santos — que decidiram fazer oposição encarniçada à liderança de João Lourenço e se opuseram até ao fim à pretensão do pai de voltar ao país —, José Eduardo dos Santos decidiu agir por sua conta e risco. “É um regresso que acaba por criar incómodos em certos círculos radicais do MPLA”, admite ao Expresso o sociólogo Florindo Inocêncio
João Lourenço manda emissário ao aeroporto
Os sinais de regresso começaram a ser notados há um mês quando se iniciaram as obras de reparação e pintura da sua residência, situada no Bairro Miramar. “Esta semana, com um movimento de empregados e guardas fora do normal, ficou claro que a casa seria de novo ocupada”, afirmou ao Expresso Anastácio Panguila, residente nas imediações da casa de Eduardo dos Santos. Informadas dessa intenção através de comunicação prévia feita pelo antigo Presidente a João Lourenço, as autoridades geriram o assunto com a máxima discrição, assegurando as condições protocolares para a receção ao ex-dirigente em Luanda.
Vindo direto de Barcelona a bordo de um Falcon, Eduardo dos Santos foi recebido no final da tarde de terça-feira, no aeroporto 4 de Fevereiro, por um representante do regime enviado por João Lourenço, o secretário-geral do MPLA, Paulo Pombolo. Além deste alto dirigente do partido, estiveram a receber o ex-governante o seu antigo chefe de gabinete, Nito Cunha, o ex-chefe dos serviços de informações militares, general José Maria, e o embaixador Brito Sozinho, seu amigo pessoal de longa data.
“O pai não deveria ter vindo”, reconheceu, na sala de protocolo do aeroporto, José Filomeno dos Santos (Zenú), único filho presente à sua chegada. Foi condenado pelo tribunal de Luanda a cinco anos de prisão por crimes de corrupção, no chamado “caso 500 milhões”, que envolve também o antigo governador do Banco Nacional de Angola, Valter Filipe.
Ao contrário do que acontecera por ocasião da saída de José Eduardo dos Santos de Angola, em Abril de 2019, o regresso não mereceu cobertura por parte dos órgãos de comunicação públicos. “O bloqueio imposto pela comunicação social pública é vergonhoso para o país e para um homem que, com todos os seus defeitos e erros, deveria merecer outro tratamento”, defendeu ao Expresso o escritor Jacques dos Santos, antigo deputado do MPLA.
Oposição tenta capitalizar
A viagem de Eduardo dos Santos está longe de simbolizar o regresso do general a Roma, mas a oposição não perdeu tempo e apressou-se a saudá-lo. Para alguns analistas, com esta jogada de antecipação, a oposição pode estar a ganhar a guerra da perceção pública ao MPLA.
Manuel Fernandes, líder da CASA-CE, terceira força parlamentar, vê no regresso do antigo Presidente uma porta aberta para o início de “uma verdadeira reconciliação” com a pátria. Já Maurício Muliele, vice-presidente da bancada parlamentar da UNITA, reconhece que “existe uma exaltação mais ou menos velada da sua figura”, porque “é nítida a perceção de que as condições de vida das populações pioraram muito“ desde que, há dois anos, saiu do país.
Em vésperas de se deslocar aos Estados Unidos em visita oficial, João Lourenço, de visita ao Cuanza Norte, acompanhou à distância a chegada do antecessor, numa altura em que a procuradoria-geral da República se prepara para apresentar ao tribunal o processo judicial que envolve dois dos seus antigos e mais próximos colaboradores: os generais Helder Vieira Dias “Kopelipa”, ex-chefe da Casa Militar, e Leopoldino Nascimento, ex-chefe dos serviços de comunicações.
Bola fica na mão do atual presidente
No epicentro do processo estão negócios considerados pelas autoridades como altamente lesivos dos interesses do Estado, com o empresário sino-britânico Sam Pa, proprietário de um império colossal criado à volta do fundo CIF Hong Kong. Manuel Vicente, vice-presidente nos tempos de Eduardo dos Santos, em tratamento médico no Dubai, é apontado pela justiça angolana como cérebro de toda a operação, realizada quando era Presidente da Sonangol.
Aparentemente para tratar de assuntos particulares relacionados com ativos imobiliários, depois de ter visto dois filhos — Zenú e Isabel dos Santos — alvo de processos judiciais, o regresso do ex-Presidente é visto em diversos círculos políticos como oportunidade para saldar velhas contas políticas com o seu sucessor.
Cresce a expectativa de que Lourenço possa estender a mão ao antecessor, abrindo espaço ao lançamento de pontes que ajudem o MPLA a sarar feridas e a reforçar a unidade interna para enfrentar os desafios eleitorais que se avizinham. “O Presidente é suficientemente hábil para dar esse passo, que contribuiria sem dúvida para cimentar a grandeza da sua liderança”, anteviu ao Expresso um alto dirigente do do MPLA.